Acórdão Nº 5013544-18.2020.8.24.0036 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 28-06-2022

Número do processo5013544-18.2020.8.24.0036
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5013544-18.2020.8.24.0036/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5013544-18.2020.8.24.0036/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: VALDECI DA SILVA (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) APELADO: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610)

RELATÓRIO

Valdeci da Silva ajuizou "ação declaratória de nulidade de ato jurídico, devolução de valores cobrados indevidamente em dobro e danos morais" (RMC) em face de Banco Bradesco S.A., ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 8).

Contestação apresentada (evento 15).

Réplica no evento 19.

Sobreveio sentença de mérito, com o seguinte dispostivo (evento 46):

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por VALDECI DA SILVA em face de BANCO BRADESCO S.A..

Na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais e mais honorários de sucumbência de 10% sobre o valor atualizado da causa. Fica suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência na forma do art. 98, § 3º, do CPC, em razão do benefício da Justiça Gratuita.

[...]

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação (evento 51), no qual alegou o desconhecimento acerca dos termos da pactuação e requereu: a) a inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito que justifique os descontos em folha de pagamento por meio de Reserva de Margem para Cartão de Crédito - RMC; b) a declaração de inexistência de débito e a repetição do indébito em dobro, com incidência de juros de mora desde a data da citação e correção monetária a contar da data do desembolso de cada uma das parcelas; c) a condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais com incidência de juros e correção monetária nos termos das Súmulas 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça - STJ; d) a condenação da parte ré ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios sucumbenciais, e, também, recursais.

Contrarrazões no evento 62.

É o relatório.



VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo autor contra sentença que, no âmbito da presente "ação declaratória de nulidade de ato jurídico, devolução de valores cobrados indevidamente em dobro e danos morais" (RMC), julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário.

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se, por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio dos documentos "Proposta completa para emissão de cartões de crédito consignados INSS e Poder Público" e "Autorização de Margem Consignável Cartão de Crédito Bradesco" acostados no evento 40, contrato 2.

Entretanto, apesar de o referido documento possuir a assinatura da ora parte recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos, revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que o consumidor foi induzido a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de aposentado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Oportunamente, cabe destacar que o cartão de crédito supostamente contratado jamais fora utilizado pela parte autora para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte demandante era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Com efeito: "O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da parte requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Em consonância com a Instrução da Normativa INSS/PRES, n.100, de 28-12-2018, que alterou a Instrução Normativa do n. 28/2008, disciplinadoras da modalidade contratual sob enfoque (saque via cartão de crédito consignado), são necessários os seguintes requisitos:

"Art. 21-A Sem prejuízo das informações do art. 21, nas autorizações de descontos decorrentes da celebração de contratos de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável, o contrato firmado entre o beneficiário do INSS e a instituição consignatária deverá, obrigatoriamente, nos termos da decisão homologatória de acordo firmado na Ação Civil Pública n. 0106890-28.2015.4.01.3700, ser acompanhado de Termo de Consentimento Esclarecido - TCE, que constará de página única, reservada exclusivamente para tal documento, constituindo-se instrumento apartado de outros que formalizem a contratação do Cartão de Crédito Consignado, e conterá, necessariamente:

I - expressão "TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO", inserida na parte superior do documento e com fonte em tamanho quatorze;I

I - abaixo da expressão referida no inciso I do 'caput', em fonte com tamanho onze, o texto: "Em cumprimento à sentença judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 106890-28.2015.4.01.3700, 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Luís/MA, proposta pela Defensoria Pública da União";

III - nome completo, CPF e número do beneficio do cliente;

IV - logomarca da instituição financeira;

V - imagem em tamanho real do cartão de crédito contratado, ainda que com gravura meramente ilustrativa;

VI - necessariamente como última informação do documento, espaço para preenchimento de...

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