Acórdão Nº 5013669-56.2020.8.24.0045 do Terceira Câmara Criminal, 18-01-2022

Número do processo5013669-56.2020.8.24.0045
Data18 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5013669-56.2020.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: TIAGO MUNIZ REBEQUE (RÉU) APELANTE: JANDIRA RODRIGUES DOS SANTOS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Palhoça, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Tiago Muniz Rebeque e Jandira Rodrigues dos Santos, dando-os como incursos nas sanções do art. 157, § 2º, II, e § 2º-A, I, do CP, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

No dia 16 de outubro de 2020, por volta das 17h40min, os denunciados Tiago Muniz Rebeque e Jandira dos Santos uniram-se em vontades e forças, ambos munidos pelo intuito delitivo patrimonial de subtraírem, para si, coisa alheia móvel, e dirigiram-se embarcados no veículo Honda/FIT DX FLET, placa MIC3051, até o estabelecimento comercial "Distribuidora Machado", localizada na Avenida Manoel Cantalício Vidal, n. 295, Centro, nesta cidade e comarca.

Chegando ao local, enquanto a denunciada Jandira dos Santos permaneceu no interior do veículo estrategicamente estacionado à pronta fuga, o denunciado Tiago Muniz Rebeque, portando uma pistola calibre .380 (circunstância bem conhecida pela comparsa), adentrou no estabelecimento vitimado e anunciou o assalto, determinando que fosse colocado todo dinheiro existente no caixa dentro de uma sacola (Auto de Exibição e Apreensão de fl. 12 e vídeo 7, ambos do Evento 01).

Não bastasse, enquanto o funcionário do caixa do estabelecimento cumpria as ordens emanadas do denunciado, Tiago Muniz Rebeque tratou de abordar o proprietário da distribuidora, a vítima Pedro Machado, revistando-o pessoalmente, sob a ameaça representada pelo apontar da arma de fogo em direção à sua cabeça. Nesse contexto, o denunciado exigiu que a vítima entregasse a corrente de ouro que utilizava, no que foi prontamente atendido.

Ato contínuo, sob a posse delitiva da corrente de ouro e de uma sacola contendo toda a quantia de dinheiro existente em caixa, aproximadamente R$ 280,00 (duzentos e oitenta reais) em espécie (objeto e valores recuperados - Auto de Exibição e Apreensão de fl. 12, Termo de Entrega de Objetos de fl. 17 e Vídeo 7, todos do Evento 01), o denunciado evadiu-se do estabelecimento comercial vitimado, seguidamente embarcando no veículo conduzido pela denunciada Jandira dos Santos, que o aguardava à fuga.

Os denunciados retiraram-se da cena do crime, pois, possuindo o bem e os valores subtraídos, com absoluta inversão do domínio e do poder em seus favores (ev. 1).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar os acusados, cada qual às penas de 13 (treze) anos, 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 28 (vinte e oito) dias-multa, em seu mínimo legal, ambos por infração ao disposto no art. 157, § 2º, II, e § 2º-A, I, c/c art. 61, I, do Código Penal. Foi-lhes negado o direito de recorrer em liberdade (ev. 176).

Irresignada, a defesa de Tiago interpôs recurso de apelação, insurgindo-se tão somente à aplicação da pena. Desse modo, requereu o afastamento do vetor judicial consequências do crime, tendo em vista que o fundamento utilizado pela magistrada não restou comprovado e subsidiariamente, pleiteou pelo reajuste no quantum de aumento. Na segunda fase da dosimetria, requereu a readequação da fração de aumento em relação à reincidência para o patamar de 1/6 (um sexto), bem como pela compensação da referida agravante com a atenuante da confissão espontânea. Por fim, pugnou pelo afastamento do concurso de agentes, ao argumento de que a corré Jandira desconhecia a intenção delitiva de seu defendido. Ainda, rogou pelo direito do acusado recorrer em liberdade (ev. 203).

Também inconformada, a defesa da acusada Jandira interpôs recurso de apelação, no qual, preliminarmente, suscitou nulidade por insuficiência e abstração na fundamentação da decisão que recebeu a denúncia, bem como por inépcia da inicial, ante a ausência de justa causa para deflagração da ação penal. No mérito, pugnou pela sua absolvição, diante da anemia probatória em relação à participação dela na conduta em voga. Por fim, em relação à dosimetria da pena, requereu o afastamento do vetor consequências do crime, a compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão e, por fim, o afastamento da causa de aumento de pena atinente ao concurso de agentes (ev. 11 SG).

Juntadas as contrarrazões (ev. 208 e 17 SG), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Rogério A. da Luz Bertoncini, opinou pelo conhecimento e desprovimento dos recursos interpostos (ev. 21 SG).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por Tiago Muniz Rebeque e Jandira Rodrigues dos Santos contra decisão que julgou procedente a denúncia e os condenou à sanção prevista no art. 157, § 2º, II, e § 2º-A, I, do Código Penal.

Os apelos hão de ser conhecidos, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Das preliminares - recurso de Jandira

De pronto, registra-se que as prejudiciais de mérito foram aventadas em alegações finais e, por consequência, sujeitas à análise em primeira instância, razão pela qual não estão tomadas pela preclusão, logo, passíveis de exame por esta Corte.

1. Nulidade por ausência de justa causa para a deflagração da ação penal

A defesa entende que a rejeição da denúncia é medida imperativa, nos termos do art. 395, II e III do CPP, ao argumento de que "a narrativa apresentada na peça vestibular não conseguiu em momento algum, ainda que de forma mínima, apontar como e de que forma teria ocorrida a participação da apelante nos fatos".

Sem razão.

Em detida análise à denúncia, verifica-se que o Ministério Público pontuou suficientemente a descrição dos acontecimentos, narrando de forma clara e objetiva as condutas imputadas aos apelantes.

Além disso, as circunstâncias de tempo, modo e local do crime foram devidamente narradas, possibilitando, em sua inteireza, o exercício dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Assim, não há falar em precariedade da peça formulada pelo Ministério Público, porquanto respeitados todos os requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.

Dito isso, acerca da alegada ausência de justa causa, Renato Brasileiro de Lima leciona sobre o tema:

[...] a justa causa pode ser entendida como lastro probatório mínimo indispensável para a instauração de um processo penal (prova da materialidade e indícios de autoria), funcionando como uma condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar (Manual de Processo Penal. v. 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 409).

É sabido que o "simples ajuizamento da ação penal contra alguém provoca um fardo à pessoa de bem, não podendo, pois, ser ato leviano, desprovido de provas e sem um exame pré-constituído de legalidade" (NUCCI, Guilherme Nucci. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 8. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 149).

In casu, todavia, a denúncia contava com suporte indiciário e probatório suficientes para ser ofertada e recebida, inclusive mencionando na própria inicial alguns dos documentos, como o Auto de Exibição e Apreensão, Termo de Entrega de Objetos e vídeo contendo as imagens colhidas pelas câmeras de segurança, todos pertencentes aos autos do IP. n. 5017548-14.2020.8.24.0064, de onde também se extrai boletim de ocorrência e termos de reconhecimento de pessoa.

Logo, havia, e há, justa causa para o exercício da ação penal, não havendo qualquer nulidade para ser declarada.

Rejeita-se, portanto, a prefacial articulada.

2. Nulidade por insuficiência de fundamentação na decisão de recebimento da denúncia

A defesa de Jandira também suscitou a nulidade da decisão que recebeu a denúncia, frente a insuficiência de fundamentação e consequente violação do art. 93, IX da Constituição Federal.

Tal não merece acolhimento.

Não se nega a natureza jurídica de decisão interlocutória simples.

Todavia, tal ato não se qualifica, tampouco se equipara, para os fins a que se remete o art. 93, IX, da Constituição da República, a ato de caráter decisório, motivo por que não demanda, em regra, fundamentação como pressuposto de sua validade.

Veja-se de interessante precedente do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a verificação dos requisitos legais mostra-se suficiente para preencher a exigência:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE. 2. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INDÍCIOS DE AUTORIA DEMONSTRADOS. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO DE PRONÚNCIA. 3. NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. MOTIVAÇÃO CONCISA. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. 4. RECURSO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO.

[...]

3. No que concerne à nulidade da decisão que recebeu a denúncia, verifico que igualmente não merece prosperar a irresignação do recorrente. Com efeito, conforme firmado pelo Superior Tribunal de Justiça em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, tem-se que na fase do art. 395 do Código de Processo Penal, ou seja, antes da citação do acusado, bastaria uma fundamentação concisa acerca dos requisitos do art. 41 do referido diploma legal, até mesmo para evitar o pré-julgamento da ação penal. Dessa forma, não há constrangimento ilegal na hipótese dos autos, uma vez que efetivamente afirmada pelo Magistrado de origem, por ocasião do recebimento da denúncia, a presença dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.

4. Recurso em habeas corpus improvido (RHC 75.487/ES, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 21/09/2017 - grifou-se).

É de se notar que não se olvida que seria possível, em determinadas situações em que a lei expressamente dispusesse, a exigência de fundamentação da decisão de recebimento da denúncia, como o era no caso, por...

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