Acórdão Nº 5013757-78.2020.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Público, 06-10-2022

Número do processo5013757-78.2020.8.24.0018
Data06 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5013757-78.2020.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador ODSON CARDOSO FILHO

APELANTE: EDIFICIO RESIDENCIAL AMERICA (AUTOR) ADVOGADO: PAULA IZCAK (OAB SC038019) ADVOGADO: LUIZ JUNIOR PERUZZOLO (OAB SC022702) ADVOGADO: RUAN VINICIUS BENDER (OAB SC049081) APELANTE: COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na comarca de Chapecó, Edifício Residencial América ingressou com ação declaratória de nulidade c/c repetição de indébito em face de Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN.

Afirma tratar-se de condomínio constituído de 28 unidades autônomas, porém contando com hidrômetro único, de modo que, para apurar as quantias devidas, "a Requerida cobra o consumo mínimo da tarifa de 10m³ (dez metros cúbicos) multiplicada pelo número de unidades que integram o edifício". Alega que, nos últimos 6 meses, "consumiu 5m³ de água, pois possui fonte alternativa de captação, porém, em face da forma de cálculo aplicada pela Ré, o Condomínio paga muito além do devido". Sustenta a ilegalidade da cobrança baseada na multiplicação da tarifa mínima pelo número de unidades componentes, indicando ser de rigor a medição do volume efetivamente consumido. Busca, assim, a declaração de ilegalidade da forma de cobrança empregada pela CASAN, bem assim a devolução dos valores indevidamente pagos no período imprescrito (Ev. 1, Pet1 - 1G).

Formada a relação jurídica processual e observado o contraditório, inclusive com a apresentação de reconvenção, o magistrado a quo proferiu a sentença (Ev. 19 - 1G), nos moldes da parte dispositiva:

Por todo o exposto:

I) quanto à ação:

1) com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil JULGO TOTALMENTE PROCEDENTE o pedido para:

A) DECLARAR a ilegalidade da cobrança de tarifas de água e saneamento por meio do sistema de economias no Condomínio Edifício Residencial América a partir da competência de junho de 2010;

B) DETERMINAR à parte ré que proceda à aferição e cobrança das tarifas de água e saneamento mediante o consumo real constatado;

C) CONDENAR o(a)(s) réu(ré) à restituição dos valores cobrados a maior a título de tarifas de água e esgoto por meio do sistema de economias, compreendidos entre o período de junho de 2010 e as parcelas que vencerem no decurso da demanda, em favor do(a)(s) autor(a), corrigido(s) monetariamente (INPC) a partir da data do desembolso de cada parcela, e acrescido(s) de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (05-09-2020; ev. 11);

2) CONDENO o(a)(s) parte ré ao pagamento das custas e das despesas processuais;

3) CONDENO o(a)(s) parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa (CPC, art. 85, § 2.º), em favor do(a)(s) procurador(a)(s) do(a)(s) parte autora;

II) quanto à reconvenção:

1) com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo relativamente aos pedidos de declaração de ilegalidade de utilização de fonte alternativa e de determinação para que a reconvinda passe a utilizar a fonte pública de fornecimento de água;

2) com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil JULGO PROCEDENTE o pedido para CONDENAR o(a)(s) reconvindo ao pagamento dos valores adimplidos a menor, relativamente à diferença entre os valores apurados no sistema de economias e os valores efetivamente devidos pelo sistema de consumo real, compreendidos entre a fatura a partir de junho de 2010 até aquelas que vencerem no curso da demanda, em favor do(a)(s) reconvinte, corrigido(s) monetariamente (INPC) a partir da data do vencimento de cada parcela, e acrescido(s) de juros de mora de 1% ao mês a partir da apresentação de contestação à reconvenção (02-10-2020; ev. 13);

3) CONDENO, em razão da sucumbência recíproca (CPC, art. 86):

A) o(a)(s) reconvinte ao pagamento de 50% das custas e das despesas processuais;

B) o(a)(s) reconvindo ao pagamento de 50% das custas e das despesas processuais;

C) o(a)(s) reconvinte ao pagamento de 50% dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa (CPC, art. 85, § 2.º), em favor do(a)(s) procurador(a)(s) do(a)(s) reconvindo;

D) o(a)(s) reconvindo ao pagamento de 50% dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa (CPC, art. 85, § 2.º), em favor do(a)(s) procurador(a)(s) do(a)(s) reconvinte.

Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se.

Arquivem-se oportunamente. (destaques eliminados)

Os embargos de declaração opostos pela parte autora (Ev. 23 - 1G) foram rejeitados (Ev. 35 - 1G).

Insatisfeitos, os litigantes interpuseram recursos de apelação.

A demandada argui, preliminarmente, cerceamento, ante a necessidade de produção de prova pericial a fim de constatar a utilização de fonte alternativa de água. Defende a prevalência do direito administrativo sobre o regramento consumerista nas relações jurídicas envolvendo a prestação de serviços públicos. Quanto ao mérito, sustenta a legalidade da cobrança pautada pelo sistema de economias e, por corolário, que indevido o dever de ressarcir as quantias adimplidas pelo autor e, acaso mantida a imposição, almeja a modulação dos efeitos da decisão. No que toca à reconvenção, pretende que esta seja acolhida a fim de declarar a ilegalidade da utilização de fonte alternativa de abastecimento, pois obrigatória a conexão do edifício à rede pública. Por fim, reclama o prequestionamento da matéria (Ev. 28 - 1G).

O acionante, por sua vez, enaltecendo a relação de consumo, pretende a inversão do ônus da prova, a fim de que a companhia "comprove a legalidade da cobrança realizada nas faturas de água e esgoto". Protesta contra a acolhida do pedido reconvencional, ao argumento de que os normativos infralegais iluminados pela concessionária contrariam a legislação vigente, bem assim indica que a ré não amealhou a íntegra das faturas, especialmente no período de junho de 2010 a janeiro de 2011, pois diz ter figurado no quadro de consumidores da Casan somente a partir do ano de 2013. Questiona, também, os valores apresentados. Pretende a alteração da base de cálculo dos honorários advocatícios estipulados na lide principal, a fim de que incidam sobre o valor da condenação. Por fim, prequestiona os permissivos legais debatidos (Ev. 48 - 1G).

Com contrarrazões (Ev. 49 - 1G), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça indicando ausência de interesse na causa (Ev. 20 - 2G).

É o relatório.

VOTO

1. Os recursos apresentam-se tempestivos e preenchem os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual merecem ser conhecidos; recebo-os também em seus efeitos legais (arts. 1.012, caput, e 1.013, caput, do CPC).

2. Preliminarmente, a CASAN aventa o cerceamento, porquanto vê a necessidade de produção de prova pericial como essencial ao deslinde da causa, isso a fim de constatar a utilização de fonte alternativa de água.

Sem razão!

Cuida-se de ação declaratória c/c pedido de repetição de indébito cuja causa de pedir versa sobre a (i)legalidade da cobrança de faturas de água e esgoto segundo o "sistema de economias", pelo qual a concessionária multiplica a tarifa mínima pelo número de unidades autônomas do edifício, tendo como consectário, no caso de procedência, a devolução de quantias pagas em excesso.

Como se denota, a controvérsia em foco é de cunho eminentemente jurídico, de modo que a verificação do êxito dos pedidos iniciais não impulsiona a dilação probatória, visto que desnecessário o aprofundamento de matérias de fato.

Nesse norte, o art. 355, I, do Estatuto Processual Civil autoriza o julgamento antecipado quando não houver necessidade de produção de outras provas.

E a jurisprudência é firme no sentido de que "o magistrado tem ampla liberdade para analisar a conveniência e a necessidade da produção de provas, podendo perfeitamente indeferir provas periciais, documentais, testemunhais e/ou proceder ao julgamento antecipado da lide, se considerar que há elementos nos autos suficientes para a formação da sua convicção quanto às questões de fato ou de direito vertidas no processo, sem que isso implique cerceamento do direito de defesa" (STJ, Agravo Interno no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 843.680/SP, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 6-12-2016).

Rechaço, assim, a prefacial agitada.

3. A parte autora, por seu turno, pugna pela inversão dos ônus probatórios, na forma do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, isto "visando que a Ré comprove a legalidade da cobrança realizada nas faturas de água e esgoto" (Ev. 42 - 1G).

Destaco, primeiramente, que houve expressa manifestação do juízo a quo acerca da incidência do regime consumerista ao consignar que "embora não aplicável esse diploma legal para a contagem do prazo prescricional/decadencial, é cabível a aplicação do CDC para o exame do meritum causae" (Ev. 19 - 1G).

Como se nota, o viés protetitvo da legislação em foco foi devidamente considerado no julgamento. Além disso, o acionante visa, de forma extemporânea, a inversão do ônus probatório, tópico entrosado com a instrução processual. No caso, todavia, o feito foi apreciado antecipadamente, calcado na prova documental acostada aos autos. Outrossim, há clara impropriedade em se remanejar os ônus probatórios a fim de que a parte comprove a legalidade de um critério de cobrança. Ora, para tanto, basta avançar à discussão da normativa de regência, o que já realizado à exaustão no bojo da contenda.

Ainda acerca da norma incidente, cumpre arredar o argumento da CASAN, segundo o qual o regime jurídico da prestação de serviços públicos suplanta a incidência do regramento consumerista, porquanto a proteção radica-se dentre os direitos fundamentais arrolados pelo constituinte (art. 5º, XXXII, da CF) e assim estipula o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados...

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