Acórdão Nº 5014073-91.2020.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 27-04-2021

Número do processo5014073-91.2020.8.24.0018
Data27 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5014073-91.2020.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER


APELANTE: CRECI FOLADOR MASETTI (AUTOR) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


Creci Folador Masetti interpôs recurso de Apelação (Evento 23), em face da decisão proferida pela Magistrada oficiante na 2ª Vara Cível da Comarca de Chapecó que, na "ação declaratória c/c pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais" ajuizada em face Banco Cetelem S.A. que julgou improcedentes os pleitos exordiais, cuja parte dispositiva restou vazada nos seguintes termos:
3. ISTO POSTO, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte ativa em face da parte passiva, resolvendo o feito, com julgamento de mérito, na forma prevista no art. 487, inciso I do Código de Processo Civil.
Condeno a parte ativa ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte passiva arbitrados em 10% sobre o valor atribuído à causa. A exigibilidade das verbas devidas pela parte ativa ficarão sobrestadas, na forma do art. 98, §3º do Código de Processo Civil, pois beneficiária da Justiça Gratuita.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, tudo cumprido, arquivem-se.
(Evento 18)
Em suas razões recursais, a Requerente defende, em suma, que: (a) "nunca contratou ou pretendeu contratar empréstimo consignado com reserva de margem consignável por cartão de crédito - RMC"; (b) "as informações prestadas à parte Apelante no momento da contratação foram viciadas, mormente porque na prática a financeira realizou operação completamente diversa da ofertada"; (c) "não recebeu, utilizou ou desbloqueou o suposto cartão de crédito, fato este que corrobora a tese de ausência de interesse na pactuação do mencionado serviço."; e (d) "o banco Apelado debita mensalmente parcela de natureza salarial da parte Apelante por um serviço nunca utilizado ou contratado, além de prender/imobilizar a margem consignável e colocá-la em situação de extrema desvantagem econômica, mostrando toda a sua desídia e má-fé perante a parte consumidora, o que, por sua vez, configura danos que superam a esfera dos meros dissabores, causando transtornos de ordem moral.".
Empós o oferecimento das contrarrazões (Evento 30), ascenderam os autos a esta relatoria.
É o necessário escorço

VOTO


Ab initio, cumpre gizar que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.
Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em dezembro de 2020, isto é, já na vigência do CPC/2015.
1 Do Recurso
1.1 Da declaração de inexistência de débito
A Requerente ajuizou "ação declaratória c/c pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais" em face de Banco Cetelem S.A., argumentando que a Instituição de Crédito impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.
Aflora da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais.
A Magistrada a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:
O exame da documentação apresentada dá conta de que a parte ativa firmou com a instituição financeira "Proposta de Adesão - Cartão de Crédito Consignado" (Evento 9, CONTR3, p. 1-2).
A parte passiva igualmente comprovou a emissão de faturas mensais (Evento 9, Fatura 5) e o alegado envio das faturas à residência da parte ativa não foi por ela impugnado.
Vê-se, pois, que a parte ativa assinou o contrato, sacou o limite integral do cartão e autorizou o desconto mensal do valor mínimo da fatura em seu benefício previdenciário.
Ora, se a parte ativa firmou o contrato de cartão de crédito e fez uso do limite de crédito (o saque não foi em nenhum momento negado pela parte ativa) não há como pretender seja declarado inexistente o débito e muito menos repetidos os pagamentos efetuados. A parte ativa usufruiu do limite do cartão de crédito, devendo evidentemente arcar com seu pagamento. Não há lógica alguma em pretender reaver valores pagos em decorrência de empréstimo efetivamente tomado, sob pena de configuração de enriquecimento sem causa.
Da mesma forma, não merece acolhida o pedido de conversão do negócio em contrato de empréstimo consignado.
A reserva da margem consignável foi prevista na Lei n. 10.820/2003, alterada pela Lei n. 13.172/2015, na qual houve majoração da margem consignável da folha de pagamento de 30% para 35%, com a limitação da utilização dos 5% exclusivamente para "amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito" ou "utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito".
No mesmo sentido, aliás, foi editada a Instrução Normativa INSS/PRES n. 80/2015, que veio a alterar a Instrução Normativa INSS/PRES n. 28/2008, tendo por fim regulamentar a possibilidade de reserva de até 5% da margem consignável para operações de cartão de crédito, observado o limite de 35%, estabelecendo inclusive a taxa de juros máxima para a operação.
Vale observar, ainda, quanto aos limites dos juros que podiam ser praticados na data da data da contratação em tal modalidade de crédito, o previsto na Portaria INSS nº 536 de 31-03-2017 [...]
No caso, fácil verificar que a parte ativa somente contratou tal modalidade de crédito, porque não tinha mais margem consignável para as operações de empréstimo consignado. O extrato de Evento 9, CONTR3, p. 6 revela claramente que a parte ativa, ao firmar o contrato com a parte passiva, estava com a margem consignável de 30% permitida para empréstimos consignados comprometida.
Logo, se a parte ativa não tinha margem consignável para outros contratos de financiamento e somente obteve novo crédito por se tratar de operação de cartão de crédito, a pretensão de converter o negócio realizado em contrato de mútuo configura verdadeira burla aos limites estabelecidos na Lei n. 10.820/2003 e na Instrução Normativa INSS/PRES n. 80/2015.
Outrossim, não se verifica ofensa ao dever de informação, na medida em que a natureza da contratação e a forma de cobrança estão claramente informados no contrato firmado pela parte ativa. Vê-se, à p. 1 (Evento 9, CONTR3), que o contrato apresenta, de forma destacada (em negrito), que apenas o valor mínimo da fatura seria objeto de consignação (vide item VI) e que o contratante tinha plena ciência de que se tratava de contrato de cartão de crédito, disposições que obedecem ao disposto no art. 54, §4º do Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, não resta caracterizada venda casada e tampouco situação a ensejar vantagem excessiva em favor da parte passiva. Não houve imposição de contratação de dois produtos ou serviços, mas sim a contratação de apenas uma única operação de cartão de crédito, em que a parte ativa optou por promover um único saque do limite de crédito ao invés de compras ou mesmo saques parcelados. E não há vantagem à parte passiva, já que a instituição financeira não tem garantia alguma do pagamento do valor integral das faturas, uma vez que pode apenas consignar mensalmente o valor correspondente a 5% dos rendimentos da parte devedora.
Quanto ao fato de não haver prazo para o término do desconto do valor mínimo da fatura, trata-se de situação normal e decorrente da própria natureza do contrato de cartão de crédito, que pode continuar a ser utilizado no decorrer do tempo. Da mesma forma, elementar que os encargos continuem a ser aplicados sobre o saldo devedor enquanto não houver o pagamento integral - o débito não é eterno, perdura enquanto impago.
Não se pode olvidar que, segundo o disposto no art. 17-A da Instrução Normativa INSS/PRES n. 28/2008, a parte ativa pode, a qualquer tempo, solicitar o cancelamento do cartão de crédito perante a instituição financeira e assim reduzir os encargos decorrentes da manutenção de tal cartão.
Dessa forma, dados tais motivos, por regular e válida a contratação efetuada e por não se verificar abusividade na conduta da demandada, não merece acolhida o pleito de conversão do negócio jurídico entabulado em contrato de empréstimo consignado.
A Turma de Uniformização de Santa Catarina decidiu, nos autos do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei de n. 0000018-87.2018.8.24.9009, ser válido o contrato de cartão de crédito de crédito consignado com autorização para desconto em benefício previdenciário [...]
No mais, o pedido de indenização por danos morais também não merece acolhida. Não houve conduta ilícita praticada pela parte passiva, que apenas agiu no exercício regular de seu direito. Não bastasse, os supostos aborrecimentos sofridos pela parte ativa em razão da equivocada interpretação de cláusulas contratuais não são capazes de atingir sua honra ou sua imagem ou mesmo causar-lhe abalo na sua esfera psíquica a justificar a pretendida reparação.
Por derradeiro, cumpre ressaltar que o julgador não está obrigado a manifestar-se acerca de todos os argumentos e dispositivos legais invocados pelas partes quando não se mostrarem relevantes para o deslinde da controvérsia. É suficiente a aplicação do direito ao caso trazido à apreciação do Poder Judiciário, de forma motivada, de forma a atender ao disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal.
(Evento 18)
Do caderno processual extraio ser incontroverso que os Contendores firmaram mútuo,...

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