Acórdão Nº 5014210-06.2020.8.24.0008 do Terceira Câmara de Direito Público, 13-09-2022

Número do processo5014210-06.2020.8.24.0008
Data13 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5014210-06.2020.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU) APELADO: JULIO CESAR RODRIGUES (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Blumenau, Julio Cesar Rodrigues ajuizou ação acidentária contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, sustentando que "sofreu diversos acidentes, que lhe resultaram em sequelas, conforme a seguir descritas, em conformidade com o ano de cada acidente: 08/03/2002 (NB 124.590.413-0): Fratura da tíbia esquerda; 15/07/2004 (NB 506.897.219-0): Fratura do punho esquerdo e braço e clavícula direitos; 24/03/2018 (NB 625.465.405-2): Fratura do cotovelo e antebraço esquerdos"; que, em face das lesões, o INSS implantou o benefício de auxílio-doença por certos períodos, o último deles cessando seus efeitos em 31.08.2005; que, todavia, em decorrência das lesões suportadas, sofreu redução da sua capacidade laborativa, razão pela qual requereu a concessão do benefício de auxílio-acidente.

Foi deferida a realização de prova pericial e nomeado o perito.

Citado, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contestou arguindo, preliminarmente, a ausência de interesse de agir e a ocorrência da prescrição, diante do transcurso do prazo superior a 5 anos desde a cessação do auxílio-doença. No mérito, disse que não é devido qualquer benefício porque, de acordo com a perícia técnica, o autor não está incapacitado temporária ou definitivamente para o trabalho; que o benefício acidentário somente será devido se a perícia médica constatar a redução da capacidade laborativa do segurado.

Os argumentos expendidos na contestação foram impugnados.

O laudo foi juntado e as partes sobre ele se manifestaram.

Sentenciando, o digno Magistrado afastou as preliminares e julgou procedente o pedido formulado na inicial, condenando o INSS ao pagamento do benefício de auxílio-acidente a partir do dia seguinte à cessação do benefício auxílio-doença na esfera administrativa. Condenou-o, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios sobre o valor das parcelas vencidas (Súmula 111 do STJ).

O INSS apelou arguindo, inicialmente, a ausência de interesse processual de agir, frente à inexistência de requerimento do benefício na esfera administrativa, em face do transcurso do prazo de mais de 5 anos entre o cancelamento do benefício e o ajuizamento da ação. No mérito, disse que não há nexo de causalidade entre as lesões apresentadas pelo segurado e o alegado acidente de trabalho, e sustentou que o marco inicial do benefício deve ser fixado a contar da citação válida.

Após o oferecimento das contrarrazões, os autos vieram conclusos para julgamento.

VOTO

Da preliminar de ausência de interesse de agir

Alega a autarquia previdenciária que o autor não conta com o necessário interesse de agir, uma vez que não formulou prévio requerimento administrativo para obtenção do auxílio-acidente que pleiteia nesta ação.

Por muito tempo o Judiciário adotou a orientação do Superior Tribunal de Justiça, contida na Súmula 89, segundo a qual "a ação acidentária prescinde do exaurimento da via administrativa".

Não obstante, o INSS continuava debatendo, até que a questão atinente à necessidade de prévio requerimento administrativo para obviar a propositura da ação acidentária foi submetida a repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 631240, da relatoria do Ministro Roberto Barroso, em que foi firmada a seguinte tese jurídica (Tema 350):

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir." (STF, RE 631240, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014 RTJ VOL-00234-01 PP-00220).

Extrai-se desse julgamento, dentre outras compreensões, que: (i) para que o segurado conte com o necessário interesse de agir para a propositura de ação previdenciária ou acidentária, em geral é necessário o prévio requerimento administrativo do benefício perante o INSS; (ii) não é necessário aguardar o exaurimento da via administrativa; (iii) qualquer conduta do INSS, que tem a obrigação de conceder o benefício mais favorável, que implique indeferimento tácito do pedido, especialmente nos casos de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, dispensa o segurado de formular prévio requerimento administrativo; (iv) foram estabelecidas regras de transição para as ações propostas até 03.09.2014.

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça ajustou sua jurisprudência, ao julgar, sob a sistemática de recursos repetitivos, o Recurso Especial n. 1.369.834/SP, da relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, em que foi assentada a seguinte tese jurídica (Tema 660):

"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR AO QUE DECIDIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RE 631.240/MG, JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, sob rito do artigo 543-B do CPC, decidiu que a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento administrativo, evidenciando situações de ressalva e fórmula de transição a ser aplicada nas ações já ajuizadas até a conclusão do aludido julgamento (03/9/2014). 2. Recurso especial do INSS parcialmente provido a fim de que o Juízo de origem aplique as regras de modulação estipuladas no RE 631.240/MG. Julgamento submetido ao rito do artigo 543-C do CPC." (STJ, REsp 1369834/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2014, DJe 02/12/2014).

Este Relator chegou a manifestar a posição de que não há como falar em pretensão resistida por parte do INSS especialmente quando transcorrido considerável lapso temporal entre a cessação do auxílio-doença e o ajuizamento da ação acidentária para obtenção de auxílio-acidente, por entender que a atual situação em análise efetivamente não é a mesma apresentada quando da cessação do benefício anterior, daí a necessidade de levar o pleito ao prévio conhecimento da Autarquia Federal, mostrando-se indispensável uma nova avaliação administrativa para configuração da pretensão resistida por parte do ente previdenciário.

Contudo, num primeiro momento, a jurisprudência deste Tribunal se formou no sentido de que o benefício de auxílio-acidente é...

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