Acórdão Nº 5014311-62.2023.8.24.0000 do Quinta Câmara de Direito Público, 06-06-2023

Número do processo5014311-62.2023.8.24.0000
Data06 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Instrumento Nº 5014311-62.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA


AGRAVANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) AGRAVADO: MARIA CLEUZA MARTINS DA ROSA (AUTOR) INTERESSADO: FUNDO DO PLANO DE SAUDE DOS SERVIDORES PUBLICOS ESTADUAIS DE SANTA CATARINA (INTERESSADO)


RELATÓRIO


O Estado de Santa Catarina recorreu de decisão havida na 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital por meio da qual se deferiu liminar para impor ao agravante o fornecimento do fármaco Ribociclibe à segurada do SC Saúde, sob pena de sequestro de valores.
Defendeu que, além de haver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, a tutela inviabiliza a instrução processual e esgota o objeto da ação. Abordou características do plano SC Saúde, sua adesão facultativa e a necessidade de se observar a coparticipação de 30% em caso de condenação. Alegou que o tratamento buscado pela agravada não possui cobertura contratual, uma vez que não consta do rol de procedimentos fornecidos pelo plano. Destacou, ainda, que deve ser adotado o nome genérico de medicamento, bem como determinada contracautela. De resto, disse que o prazo para cumprimento da decisão é exíguo.
Deferi em parte o efeito suspensivo para fixar contracautela de seis meses.
Nas contrarrazões se defendeu a manutenção da decisão.
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento em parte do recurso e, nessa extensão, pelo seu parcial provimento

VOTO


1. O objeto de discussão é a possibilidade de concessão de fármaco quimioterápico pelo Plano SC Saúde, que não se encontra previsto expressamente no rol de cobertura e que é administrado pela via oral, sem necessidade de interferência médica.
Em casos como este, vinha entendendo que a recusa do plano de saúde era legítima, uma vez que, em se tratando de plano na modalidade de autogestão, são inaplicáveis as disposições do CDC (Súmula 608 do STJ), bem como não há que se falar em observância à cobertura mínima dos planos de saúde regulamentada pela ANS (art. 10, § 3º, da Lei n. 9.656/98). Seriam exigíveis, assim, apenas as obrigações efetivamente contratadas e expressamente constantes do rol de cobertura do contrato, sob pena de se prejudicar a finalidade precípua do próprio negócio jurídico entabulado.
Julgado desta Quinta Câmara condensa o pensamento adotado até então:
SC SAÚDE - PLANO DE AUTOGESTÃO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - NEGATIVA FUNDADA NA AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL - EXCLUSÃO EXPRESSA DE COBERTURA QUE ATINGE A SITUAÇÃO ESPECÍFICA DA AGRAVANTE - INDEFERIMENTO MANTIDO.
1. Plano de saúde não é um seguro universal. Há um fundamento atuarial, avaliando-se a lei de regência, o contrato e o regulamento. Se o usuário não tem direito a tudo, muito menos, no entanto, justifica-se uma lógica arbitrária, que delega ao gestor a potestatividade.
2. O Decreto 621/2011 - que regulamenta o Plano SC Saúde - faculta a observância ao rol de procedimentos listados no Edital de Chamamento Público de Credenciamento, bem como expressamente exclui de sua cobertura o fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar e os tratamentos oncológicos ambulatoriais que não necessitem ser administrados com intervenção ou sob supervisão direta de profissionais de saúde dentro de estabelecimento de saúde (arts. 9, II e 10, VI e XI).
3. A agravante requer a concessão de fármaco não previsto no rol de cobertura e que é administrado pela via oral, sem necessidade de interferência médica.
4. Recurso desprovido.
(AI 5062855-52.2021.8.24.0000, rel. o subscritor)
2. Ocorre que esta Quinta Câmara de Direito Público, ao revisitar a questão, perfilhou-se a outro entendimento.
Consignou-se, no Agravo de Instrumento 5031076-45.2022.8.24.000, oportunidade em que restei vencido, que seria indevida a negativa de fornecimento de medicamentos devidamente prescritos pelo profissional que acompanha o paciente, uma vez que a abrangência do tratamento deve tomar por base as doenças cobertas pelo plano:
AGRAVO DE INSTRUMENTO.AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PROPOSTA POR BENEFICIÁRIA EM FACE DE SC SAÚDE, VISANDO A CONDENAÇÃO DO DEMANDADO À COBERTURA DE TRATAMENTO À BASE DO MEDICAMENTO "LYNPARZA (OLAPARIBE)" PARA NEOPLASIA MALIGNA DE OVÁRIO (CID 10: C56).NEGATIVA DO PLANO SOB O FUNDAMENTO DE SUPOSTA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS, CONFORME O ROL DO DECRETO N. 621/2011 QUE EXCLUI DA COBERTURA MEDICAMENTO DE USO DOMICILIAR.DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERIU O PLEITO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA INCIDENTAL VOLTADA AO FORNECIMENTO DO FÁRMACO.1) RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA BENEFICIÁRIA.APONTADA NEGATIVA INDEVIDA DA COBERTURA DO TRATAMENTO.TESE ACOLHIDA.ITEM 10, VI E XI, DO DECRETO N. 621/2011 QUE EXCLUI DA COBERTURA FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PARA TRATAMENTO DOMICILIAR E QUIMIOTERAPIA ONCOLÓGICA AMBULATORIAL QUE NÃO NECESSITEM DE ADMINISTRAÇÃO POR INTERMÉDIO OU SUPERVISÃO DIRETA DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE DENTRO DE ESTABELECIMENTO DE SAÚDE.SUBMISSÃO DO PLANO DE SAÚDE, MESMO SENDO DA MODALIDADE AUTOGESTÃO, À COBERTURA MÍNIMA DOS PLANOS DE SAÚDE DISCIPLINADA PELA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE.INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ART. 10 LEI N. 9.656/1998 RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADI N. 1931. INAPLICABILIDADE DO § 3º, DO MESMO ARTIGO DA LEI, QUE EXCLUI DA VINCULAÇÃO À COBERTURA MÍNIMA OS PLANOS DE SAÚDE ADMINISTRADOS POR ENTIDADE DE AUTOGESTÃO. PRECEDENTES DESTA CORTE, INCLUSIVE DESTA QUINTA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO.AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA LEGAL PARA A INOBSERVÂNCIA DO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE PELO SC SAÚDE.SÚMULA N. 608 DO STJ AFASTA A INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE QUANDO ADMINISTRADOS POR ENTIDADE DE AUTOGESTÃO.RELAÇÃO CONTRATUAL, TODAVIA, QUE É BALIZADA PELO CÓDIGO CIVIL, DEVENDO SER ANALISADA SOB A ÓTICA DOS ARTS. 422 E 423, QUE PRECONIZAM QUE EM SENDO CONTRATO DE ADESÃO E HAVENDO CLÁUSULAS CONTRADITÓRIAS OU AMBÍGUAS, A INTERPRETAÇÃO DEVE SER MAIS FAVORÁVEL AO ADERENTE.NEGATIVA DA COBERTURA SOMENTE POR SE TRATAR DE MEDICAMENTO DE USO ORAL E DOMICILIAR AO MESMO TEMPO EM QUE OS ITENS 1 E 1.1 DO DECRETO N. 621/2011 PREVEEM QUE O OBJETIVO/FINALIDADE DO SC SAÚDE É FORNECER ASSISTÊNCIA À SAÚDE AOS SERVIDORES ATRAVÉS DA COBERTURA DE DESPESAS DECORRENTES DE ATENDIMENTOS MÉDICOS HOSPITALARES E DE ATOS NECESSÁRIOS AOS DIAGNÓSTICOS E AOS TRATAMENTOS. AMBIGUIDADE E CONTRADIÇÃO ENTRE OS ITENS 1, 1.1 E 10, VI E XI, DO DECRETO N. 621/2011, RECONHECIDAS.NESSE MESMO SENTIDO, PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA.INDEVIDA A NEGATIVA DE FORNECIMENTO DO ANTINEOPLÁSICO ORAL DE USO DOMICILIAR PRESCRITO.DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEVE SER AJUSTADA PARA DEFERIR O PLEITO LIMINAR COM O INTUITO DE COMPELIR O RÉU À COBERTURA DO TRATAMENTO À BASE DO MEDICAMENTO PRESCRITO, NO PRAZODE 15 (QUINZE) DIAS, SOB PENA DE SEQUESTRO DE VALORES.1) RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO PARA, COM O AJUSTE DO PRONUNCIAMENTO RECORRIDO, CONCEDER A LIMINAR PLEITEADA NA ORIGEM PARA DETERMINAR AO RÉU QUE VIABILIZE A COBERTURA DO TRATAMENTO À BASE DO MEDICAMENTO PRESCRITO, NO PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS, SOB PENA DE SEQUESTRO DE VALORES SUFICIENTES À EFETIVAÇÃO DA TUTELA.
(AI 5031076-45.2022.8.24.0000, rel.ª Des.ª Denise de Souza Luiz Francoski)
Por respeito à segurança jurídica e à colegialidade, adiro ao posicionamento majoritário para reconhecer que o contrato existente entre as partes deve ser interpretado a partir da boa-fé objetiva e da função social (arts. 421 e 422 do Código Civil), sendo portanto, abusiva a recusa de medicamentos ou de tratamentos para moléstias que, além de possuírem cobertura contratual expressa, apresentam urgência.
Quer dizer, adere-se ao entendimento de que, ainda que a operadora do plano de saúde possua o condão de estabelecer as enfermidades que contarão com assistência ambulatorial mínima, ela não poderá limitar o tipo de tratamento. Afinal, os médicos possuem autonomia para prescrição das melhores terapias aos pacientes, sendo vedado ao plano de saúde se imiscuir nessa tarefa.
Convém, por oportuno, reproduzir trecho do respectivo voto - que também adoto como razões de decidir:
De fato, conforme...

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