Acórdão Nº 5014446-07.2021.8.24.0045 do Terceira Câmara de Direito Público, 19-04-2022

Número do processo5014446-07.2021.8.24.0045
Data19 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5014446-07.2021.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP) APELADO: CONSELHO TUTELAR SEMEAR - PALHOÇA/SC (REQUERENTE) APELADO: MUNICÍPIO DE PALHOÇA/SC (REQUERIDO)

RELATÓRIO

Perante o Juízo da Vara de Infância e Juventude da Comarca de Palhoça, o Conselho Tutelar Semear de Palhoça, diante das atribuições conferidas pela alínea 'b' do inciso III do art. 136 da Lei Federal n. 8.069/90, fez representação em face do Município de Palhoça, objetivando a inclusão do menor N. D. C. B., nascido em 11/12/2016, filho de K. L. C. B. e R. D. N., em instituição de ensino infantil. Aduziu que requisitou vaga na rede de educação da Secretaria responsável, ante as negativas de vagas fornecidas pelas escolas, porém não obteve resposta quanto à Requisição de Serviço Público n. 736/CTS/2021. Requereu a procedência do pedido com a condenação da requerida ao imediato cumprimento do serviço requisitado.

Intimada a parte autora, com fundamento no art. 10 do CPC, para se manifestar sobre a (i)legitimidade das partes, manteve-se inerte.

O representante do Ministério Público manifestou-se pelo recebimento da inicial.

Na sequência, o MM. Juiz de Direito, ao sentenciar o feito, inscreveu na parte dispositiva da decisão:

Ante o exposto, INDEFIRO a petição inicial, com fundamento no Art. 330, II, do Código de Processo Civil .

Sem custas e honorários.

P.R.I.

Transitando em julgado, e não havendo pendências, arquivem-se.

Inconformado, o Ministério Público apelou sustentando que "não assiste razão ao Magistrado ao afirmar que o feito merece ser extinto por inaplicabilidade do art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois em nenhum momento o Conselho Tutelar requereu a aplicação da multa pessoal ao apelado"; que "não houve requerimento para aplicação da multa e sim que o apelado conceda-a na educação básica para o adolescente em questão, inexistindo razão para extinguir o feito por inaplicabilidade de uma sanção pecuniária que sequer foi pedida" e que "O Magistrado não observou o princípio da adstrição ou congruência, eis que não se ateve aos limites da lide e proferiu decisão extra petita, isto é, completamente fora dos pedidos do autor, já que sequer apreciou o pedido de concessão do serviço e logo extinguiu o feito por um pedido que sequer foi feito na prefacial". Sustentou que "o Município de Palhoça possui legitimidade para figurar no polo passivo da representação, tendo em vista sua obrigação legal em garantir o direito fundamental à educação" e que "evidente a legitimidade passiva do Município de Palhoça no presente feito, diante da sua omissão frente a promoção do direito à educação do adolescente, em descumprimento à requisição formulada pelo Conselho Tutelar ao seu órgão executor (Secretaria de Educação)". Alegou que "o Conselho Tutelar possui capacidade e legitimidade para representar junto à Autoridade Judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações, situação que se amolda ao caso em questão, eis que o Órgão Colegiado aplicou a medida de proteção de atendimento junto ao PAEFI e para tanto, requisitou tal serviço - e não foi fornecido, muito menos houve houve justificativa"; que "desde 2017, o Conselho Tutelar de Palhoça propôs mais de 326 representações por descumprimento das requisições administrativas em desfavor da Secretária Municipal de Educação, o que elucida o descumprimento reiterado do dever de fornecer educação"; Argumentou, ainda, que "a carência de vagas é um problema latente que ocasiona em muitos outros, ou seja tem grande repercussão social e envolve questão relevante afeta a um direito constitucionalmente garantido, motivo pelo qual deve ser apreciado por este Tribunal pela via do incidente de assunção de competência, a fim de que a matéria apreciada seja vinculante e possa garantir o direito de todos os educandos", que "todos os requisitos atinentes ao incidente estão preenchidos, eis que o processo em questão trata da existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico que ultrapassam os interesses subjetivos do processo" e que "O pressuposto negativo também foi cumprido, haja vista que ainda não há múltiplos processos, entretanto, se a situação não for resolvida logo, existirão inúmeros tratando sobre o mesmo tema, pois o quantitativo de requisições de vagas efetuadas pelo Conselho Tutelar apenas cresceu" Pugnou pela concessão de efeito suspensivo e, ao final, pelo provimento do reclamo para "II. a reforma da Sentença do evento 12, a fim de que a ação recebida, determinando-se a citação do Município (art. 331, CPC) e, ao final, seja julgada procedente de modo a determinar que o Município de Palhoça conceda vaga em instituição de ensino fundamental a NYCOLAS DUMKE CORREIA BUARQUE, sob pena de eventual constrição de verbas em caso de descumprimento; III. A admissão do incidente de assunção de competência, nos moldes do art. 947 e seguintes do CPC, de modo que a situação seja apreciada pelo Colegiado do Tribunal de Justiça e haja decisão vinculante pela obrigatoriedade de fornecer a vaga na educação básica, independente de quem esteja no polo passivo - Município, Estado ou seus gestores - Secretário de Educação e no polo ativo: Ministério Público, Conselho Tutelar, representantes legais dos educandos, associações civis e eventuais legitimados para a propositura de ações coletivas".

O MM. Juiz preferiu não se retratar (art. 331 do CPC).

O Município apresentou contrarrazões.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Onofre José Carvalho Agostini, opinou pelo "conhecimento e parcial provimento do recurso de apelação, para cassar a sentença, e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos à origem, para que se proceda o regular prosseguimento do feito".

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo representante do Ministério Público, contra a sentença proferida na representação por descumprimento das requisições do Conselho Tutelar Semear de Palhoça n. 5014446-07.2021.8.24.0045, a qual indeferiu a petição inicial para compelir o ente municipal ao "imediato cumprimento do serviço requisitado", qual seja, a matrícula da criança N. D. C. B. em instituição de ensino.

Do pedido de instauração de incidente de assunção de competência - IAC.

O apelante pugna pela instauração de Incidente de Assunção de Competência (IAC), com esteio no art. 947 do Código de Processo Civil, a fim de uniformizar o entendimento perante esta Corte de Justiça.

O Código de Processo Civil prevê, no "caput" do seu art. 947, que o incidente de assunção de competência tem por objeto recurso que envolva relevante questão de direito com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.

Já o § 4º do mesmo dispositivo prevê a possibilidade de aplicação do disposto no caput do art. 947 do CPC/2015, "quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal."

De plano, constata-se que os requisitos para a instauração do incidente não se encontram presentes de forma concomitante.

Isso porque, embora não se possa negar a existência de relevante questão de direito com grande repercussão social - legitimidade do Conselho Tutelar para o pleito e concessão de vaga no ensino fundamental -, o debate sobre a matéria em discussão possui repetição em múltiplos processos. Aliás, o próprio recorrente faz alusão a todas as representações judiciais por descumprimento das requisições administrativas promovidas em face de Secretários Municipais de todo o Estado; o mesmo ocorre com as ações sobre educação infantil ou ensino fundamental.

Não fosse isso, esta Corte Estadual, seguindo entendimento da Superior Corte de Justiça, possui consenso sobre o tema em debate, conforme se verá a seguir, de modo que a instauração do IAC, como requer o apelante, não encontra arrimo nem mesmo no § 4º do art. 947 do Código de Processo Civil.

A propósito, Araken de Assis leciona que "a grandiosidade da questão de fato não assume qualquer relevo particular. Finalmente, o julgamento do recurso ou da causa precisa depender, no todo ou em parte, da quaestio juris socialmente relevante. Se o julgamento prescindir da adoção de tese jurídica, o incidente assumirá, no caso, função consultiva, não condizendo com a finalidade do instituto" (ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 412/415).

Colhe-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:

[...] A instauração do incidente de assunção de competência com base no art. 947, caput, do Código de Processo Civil exige como pressupostos a existência de julgamento pendente e relevante questão de direito com grande repercussão social. Inexistindo qualquer destes requisitos, especialmente quando se trata de caso que impõe o exame de suas particularidades, descabe a instauração do citado incidente, pois não representa grande relevância social. (Incidente de Assunção de Competência n. 0154545-63.2015.8.24.0000/50000, de Lages, j. 16.09.2017).

Cabe salientar, ainda, que as Câmaras de Direito Público desta Corte de Justiça, ao julgarem as representações judiciais em face de Secretário Municipal de Educação, especialmente de Palhoça, têm reconhecido o direito fundamental à educação, justamente porque pacífico o entendimento a respeito da matéria.

A propósito colacionam-se os seguintes julgados:

"APELAÇÃO. APURAÇÃO DE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA ÀS NORMAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. REQUISIÇÃO DE VAGA EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO PÚBLICO MUNICIPAL. VEREDICTO DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ROGO PARA QUE SEJA ATENDIDO O DIREITO À EDUCAÇÃO. TESE SUBSISTENTE. PRETENDIDA APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 249 DO ECA. ASSERÇÃO IMPROFÍCUA. PERMISSIVO LEGAL ENCETADO SOMENTE AOS QUE DETÉM PODER FAMILIAR, PAIS E TUTORES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO." (TJSC, Apelação Cível n...

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