Acórdão Nº 5014503-27.2022.8.24.0033 do Segunda Câmara Criminal, 16-08-2022

Número do processo5014503-27.2022.8.24.0033
Data16 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5014503-27.2022.8.24.0033/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

AGRAVANTE: DIONATAN SALDANHA SARAIVA (AGRAVANTE) ADVOGADO: JULIANA VALT BENTO CORDEIRO (OAB SC058740) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo de execução penal intentado por Dionatan Saldanha Saraiva, não conformado com o teor da decisão do Sequencial 92 do PEP 0011663-58.2018.8.24.0005 (SEEU), por meio da qual o Juízo da Vara de Execuções Penais da Comarca de Itajaí homologou Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) no qual foi reconhecida a prática de falta grave e alterou a data-base para a fruição de futuros direitos.

Sustenta o Agravante que "deixou de ir ao trabalho, pois não teve escolha", "apenas cumpriu 'ordens', seguiu o que foi determinado pelo comando da organização criminosa, aderindo a conduta de todos os demais internos que paralisaram, pacificamente".

Pondera que os presos "queriam ir trabalhar, mas não podiam por conta de ordens da organização criminosa", e que "reclamaram sobre o fato de que a administração prisional não conseguiu oferecer segurança àqueles que queriam trabalhar, mas tinham medo de represálias".

Aponta que "não pertence a nenhuma organização criminosa, no entanto, não tem como não cumprir com as regras impostas a eles pelas facções que ali existem, uma vez que ali dentro estão a mercê da própria sorte", e, "por isso, é pouco razoável que um apenado que, com o intuito de preservar sua integridade física, sem nenhum dolo específico de cometer falta, venha a sofrer uma penalização".

Alega que "casos assim, como o deste PAD, se amoldam a hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que não era possível esperar que o [...] agisse de outra forma", pois "não se poderia esperar que ele confrontasse as dezenas de presos com os quais convivia e se negasse a aderir ao 'movimento'".

Sublinha que "está havendo responsabilização coletiva", uma vez que "a paralisação que ocorreu no Presídio Masculino de Itajaí e também na Penitenciária/SC, atingiu quase 200 reeducandos que laboravam na unidade prisional na época", sendo que, "para todos foi instaurado procedimento administrativo disciplinar para apurar a conduta de cada" e a decisão homologatória "não abordou nenhuma das teses alegadas pela defesa, ao contrário, decidiu de forma genérica e sem identificar o que está sendo refutado".

Giza que é suficiente a revogação dos dias remidos na fração de 1/4.

Sob tais argumentos, requer o afastamento do "reconhecimento de falta grave e os efeitos dela decorrentes" ou, subsidiariamente, "que os autos retornem ao juízo de primeiro grau para que se manifeste de acordo com o caso concreto e com o vídeo juntado" ou "a perda da fração de 1/4 (um quarto) dos dias remidos" (eproc1G, Evento 1).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões recursais pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (eproc1G, Evento 11).

A Doutora Juíza de Direito manteve a decisão resistida (eproc1G, Evento 13).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça José Eduardo Orofino da Luz Fontes, manifestou-se pela declaração da nulidade da decisão resistida, "diante da falta da audiência de justificação em juízo" e da "ausência de fundamentação" ou, subsidiariamente, pelo desprovimento do agravo (eproc2G, Evento 6).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

À preliminar suscitada pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça, de violação ao contraditório e à ampla defesa, calcada na ausência de audiência de justificação, não comportaria acolhimento, uma vez que o Agravante cumpre pena em regime fechado e não houve decretação de regressão de regime (STJ, AgRg no REsp 1.827.686, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 17.9.19).

Da mesma forma, a questão subordinante da ausência de fundamentação não convence (vide Rec. de Ag. 5025465-46.2021.8.24.0033, deste relator, j. 16.11.21).

Tais teses, contudo, não precisam ser enfrentadas, pois, "quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta" (CPC, art. 282, § 2º).

E o caso em mesa comporta a absolvição do Agravante com relação à imputação da prática de falta grave.

Contra o Agravante Dionatan Saldanha Saraiva foi instaurado o PAD 232/2021 da Penitenciária Masculina de Itajaí porque, entre os dias 22 e 26.11.12, "recusou-se sem justificativa a sair da cela para laborar na indústria Rovitex Costura".

Durante o trâmite do PAD, o Agravante foi ouvido na presença de Excelentíssima Defensora constituída, o Conselho Disciplinar exarou parecer pelo reconhecimento de falta grave e foi apresentada defesa técnica escrita, após o que o Diretor do estabelecimento prisional julgou procedente o PAD para reconhecer a ocorrência da infração disciplinar grave tipificada no art. 50, VI, c/c o 39, V, da Lei de Execução Penal (SEEU, Sequencial 78).

Na fase judicial, após manifestação das Partes (SEEU, Sequenciais 81 e 89), a Doutora Juíza de Direito homologou o PAD e aplicou as sanções de sua competência (SEEU, Sequencial 92).

A ocorrência de uma paralisação ocorrida no Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí por determinação de facção criminosa, em protesto à suspensão de alguns direitos, especialmente o de visitação presencial, decorrente de medidas administrativa tomadas em razão da pandemia de Covid-19, e que levou à recusa em trabalhar por parte de diversos apenados, é amplamente conhecida pelos Magistrados desta Segunda Câmara Criminal.

O tema causou divergência entre os componentes deste Órgão Fracionário, colocando, numa compreensão, este relator e a Excelentíssima Desembargadora Salete Silva Sommariva, que ponderam pelo afastamento da infração disciplinar e, com outro entendimento, os Excelentíssimos Desembargadores Norival Acácio Engel e Hildemar Meneguzzi de Carvalho, que mantém as decisões de homologação dos PADs.

Tendo em vista a divisão por partes iguais, sem que haja uma posição majoritária ao qual poderia me curvar, com respeito ao entendimento contrário, mantenho os termos do voto que proferi no Rec. de Ag. 5004401-43.2022.8.24.0033, julgado na sessão de 5.4.22.

O Superior Tribunal de Justiça assentou que a apuração e o reconhecimento de falta grave são de competência da Autoridade Prisional, que deve fazê-lo mediante a instauração de PAD em que se observe a ampla defesa e o contraditório. O tema é alvo da Súmula 533 daquela Corte:

Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado.

Na etapa judicial, cabe ao Magistrado o controle judicial de legalidade do PAD e a imposição das sanções que contam com cláusula de jurisdição, segundo positivado no parágrafo único do art. 48 da Lei de Execução Penal ("Nas faltas graves, a autoridade representará ao Juiz da execução para os fins dos artigos 118, inciso I, 125, 127, 181, §§ 1º, letra d, e 2º desta Lei").

Ao especificar os limites do controle de legalidade a que o Poder Judiciário deve submeter a decisão administrativa, o Tribunal da Cidadania deliberou que é permitido ao Juízo da Execução Penal discordar da conclusão do PAD, seja para reconhecer a prática da infração de natureza grave, para absolver o reeducando ou para reclassificar a conduta.

Segundo a Corte Superior, "o condicionamento da atuação do Juízo da Execução à decisão da Comissão Disciplinar implica inaceitável subordinação do Judiciário à Autoridade Administrativa", sendo "certo que a Lei de Execução Penal atribui ao diretor do estabelecimento prisional o poder de apurar e aplicar sanções disciplinares", mas "há faltas que, quando praticadas no curso da execução da pena, geram consequências que extravasam a esfera administrativa da disciplina prisional", como no caso "da determinação da regressão do regime (art. 118, I, da LEP), da perda dos dias remidos (art. 127, da LEP), e da suspensão do benefício de livramento condicional (art. 145, da LEP)", as quais "são medidas concernentes ao controle jurisdicional do cumprimento da pena e que não podem ficar jungidas à discricionária atuação da autoridade administrativa", de modo que "não se pode aceitar a submissão do Judiciário à esfera administrativa, sendo, em todo caso, inafastável o direito constitucional de acesso à jurisdição" (HC 562.478, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 20.2.20).

Na mesma linha:

O acórdão impugnado está em consonância com a Jurisprudência desta Corte que, considerando a independência das esferas administrativa e judicial e, sobretudo, o controle judicial que deve ser exercido sobre as decisões administrativas, permite o reconhecimento da prática de falta grave, independentemente de anterior absolvição no âmbito administrativo. Assim, idônea a decisão da Corte estadual que determinou que fosse designada a audiência de justificação (HC 560.146, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 30.3.20).

E:

I - Segundo restou decidido no REsp n. 1.378.557/RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, o poder disciplinar na execução das penas será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado, cabendo ao Diretor da Unidade Prisional apurar a conduta faltosa do detento e realizar a subsunção do fato à norma legal, nos termos dos arts. 47 e 48, ambos da Lei de Execução Penal. II - Em que pese seja da autoridade administrativa (Diretor da Unidade Prisional ou Conselho Disciplinar) a atribuição de apurar e de classificar a infração disciplinar, as decisões por ela proferidas são atos administrativos, passíveis, portanto, de controle de legalidade pelo Poder Judiciário, conforme reconhecido no julgamento do REsp. n. 1.378.557/RS. III - In casu, ao contrário do alegado...

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