Acórdão Nº 5014674-84.2021.8.24.0011 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 01-12-2022

Número do processo5014674-84.2021.8.24.0011
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5014674-84.2021.8.24.0011/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: FELIPE BARRETO TOLENTINO (OAB SC057388A) APELADO: ROGERIO ZEN (AUTOR) ADVOGADO: LADEMIR CARLOS SALVADOR JUNIOR (OAB SC060048A)

RELATÓRIO

Banco BMG S/A interpôs recurso de apelação cível em face da sentença do Evento 19 dos autos de origem, que, proferida pelo juízo da Vara Comercial da Comarca de Brusque, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Indenização por Danos Morais ajuizada por Rogerio Zen em face da instituição financeira apelante.

Cuida-se, na origem, de ação de restituição de valores c/c indenização por danos morais aforada em 19-11-2021 por Rogerio Zen. Afirmou, o autor, ter procurado a instituição financeira demandada para a contratação de empréstimo consignado, oportunidade em que acabou sendo ludibriado, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, operação com natureza e sujeita a encargos diversos, e superiores, aos do empréstimo pretendido. Destacou que o desconto do valor emprestado em sua folha de pagamento, limitado a 5% de seu rendimento líquido, acaba por tornar o valor recebido impagável, na medida em que apenas da conta dos encargos incidentes, não representando efetiva amortização, fazendo com que o consumidor, a despeito dos pagamentos efetuados, permaneça eternamente devedor do saldo contratado. Alegou que, diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada, tendo em vista que apenas pretendia a contratação de empréstimo e não fornecimento de cartão. Asseverou a aplicação da legislação consumerista ao caso, entendendo pela necessidade de inversão do ônus probatório e apresentação do contrato pela parte adversa. Pugnou, assim, pelo cancelamento da operação com a suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia que entende indevidamente cobrada. Requereu, por fim, a condenação da parte demandada ao pagamento de danos morais decorrentes do abalo sofrido pelo autor em relação à suposta atitude fraudulenta e aos descontos irregulares perpetrados pela casa bancária.

Deferida a gratuidade da justiça requerida pelo demandante e indeferida a antecipação de tutela postulada (Evento 4 dos autos de origem).

Devidamente citado, o Banco BMG S/A apresentou contestação (Evento 12 dos autos de origem), na qual alegou, em preliminar, a inépcia da petição inicial. No mérito, defendeu, inicialmente, a regularidade da contratação realizada entre as partes. Afirmou, neste sentido, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que ao tempo da contratação sequer possuía margem consignável suficiente para a monta pretendida além daquela disponível para uso no cartão, sendo esta modalidade de crédito, que não constitui venda casada, a única operação viável para a concessão do valor perseguido. Destacou que a operação de saque via cartão de crédito com margem consignável e o empréstimo pessoal consignado tratam-se de operaçãos distintas, com natureza e características diversas, sendo incabível, por isso, a conversão da operação em crédito pessoal consignado. Argumentou que, inexistindo irregularidades no contrato, ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável. Pugnou pela improcedência da demanda.

Manifestação à contestação (Evento 15 dos autos de origem), na qual o autor, rebatendo os argumentos da parte adversa, reitera os termos da inicial, pugnando pela procedência da demanda.

Sobreveio sentença de mérito prolatada em 18-7-2022 pelo magistrado Edemar Leopoldo Schlosser, da Vara Comercial da Comarca de Brusque, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor, o que se deu nos seguintes termos (Evento 19 dos autos de origem):

ROGERIO ZEN ajuizou ação anulatória de contrato, com pedido de tutela antecipada, em face de BANCO BMG S.A, ambos já qualificados.

Afirmou, em síntese, que buscou a ré para contratar empréstimo consignado, modalidade, acreditava, cujo crédito seria depositado diretamente em sua conta corrente e as parcelas mensais descontadas do seu benefício previdenciário.

Contudo, disse que foi induzido (a) a erro pela parte ré, pois, em que pese tenha recebido a quantia pretendida em sua conta, descobriu ter aderido, em verdade, a um cartão de crédito com reserva de margem consignada, com descontos mensais no importe de 5% de seu benefício diretamente em folha, sem que o valor da dívida seja efetivamente abatido, o que entende por ilegal, pois não anuiu com tal contratação.

Argumenta que tal modalidade imposta pela parte ré revela-se demasiadamente abusiva, porque o desconto em folha de pagamento é realizado no valor mínimo exigido, qual seja, juros e encargos mensais do cartão de crédito, sem que o valor efetivamente emprestado seja pago, prolongando a dívida por tempo indeterminado.

Em razão disso, ajuizou a presente ação.

Além dos pedidos de praxe, pugnou: a) pela inversão do ônus da prova, aplicando-se ao caso as regras do Código de Defesa do Consumidor; b) seja declarada a nulidade do contrato de "empréstimo consignado via cartão de crédito (RMC)", excluindo-se a anotação de reserva de crédito e suspendendo-se os descontos realizados em seu benefício por força do contrato em questão; c) pela devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados; d) pela condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais).

Valorou a causa, requereu a concessão do benefício da justiça gratuita e juntou documentos.

Conclusos os autos, concedeu-se a gratuidade da justiça e determinou-se a citação da parte contrária.

Citada, a ré contestou.

Preliminarmente, suscitou: a) ausência de interesse processual por inexistência de margem para contratação de empréstimo consignado, tão somente cartão de crédito com margem consignável, na forma da lei; b) inépcia da inicial, porque admite a contratação, de modo que não poderia pugnar a anulação do contrato, tão somente discutir sua natureza; c) ausência de discussão prévia e extrajudicial por meio da plataforma Consumidor.gov.

Quanto ao mérito, afirmou que a parte autora sabia que estava contratando cartão de crédito consignado e que autorizou a averbação da reserva de margem e os descontos em seu benefício previdenciário, tanto o é que o cabeçalho do contrato é "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento", cartão este cuja imagem é exposta em tamanho real no termo contratual, por expressa previsão da Instrução Normativa INSS n. 28 de 16/05/2008.

Sobre o cartão de crédito consignado, referiu tratar-se de modalidade de concessão de crédito autorizada pela legislação em vigor, em que é garantido ao consumidor, além do saque em dinheiro até o limite autorizado, imediatamente ou quando assim desejar, o uso do cartão para compras.

O pagamento da fatura, ao seu turno, é cobrado via boleto, facultando-se ao consumidor o pagamento do valor mínimo, que é descontado em folha, ou o total da dívida; sobre o saldo remanescente, incidem juros e encargos rotativos. A ausência de termo final, justifica, ocorre porque o pagamento fica à critério do consumidor, cabendo a ele escolher, mês a mês, se promoverá o pagamento mínimo, parcial ou total da dívida.

Nesse sentido, esclarece que o cartão de crédito consignado diverge-se do tradicional empréstimo consignado, pois nesta hipótese o valor solicitado é pré-aprovado e liberado ao consumidor, enquanto as parcelas são previamente estipuladas em número e valor, então descontadas do benefício previdenciário.

Afirmou que o contrato assinado é prova inequívoca, enquanto não há nenhuma prova sobre os fatos sustentados pela parte autora, razão pela qual todos os pedidos devem ser indeferidos.

A parte autora apresentou réplica, oportunidade em que combateu os argumentos da defesa e reiterou a tese inicial.

Vieram os autos conclusos para sentença.

Relatados.

DECIDO.

ROGERIO ZEN ajuizou ação anulatória de contrato, com pedido de tutela antecipada, em face de BANCO BMG S.A, ambos já qualificados.

I. Preliminares:

A. Discussão prévia via Consumidor.gov:

Já em relação à ausência de discussão prévia por meio da plataforma Consumidor.gov, concordo com o referido causídico quando argumenta sobre a importância das plataformas extrajudiciais na busca pela solução consensual para os conflitos, mormente porque as conhecidas "ações de massa", como o caso dos autos, já representam expressiva parcela dos processos em andamento em todo o Judiciário nacional.

Contudo, por força do quanto previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição de 1988, entendo que condicionar o ajuizamento da ação à prévia tratativa entre as partes perante referida plataforma viola profundamente o princípio constitucional de acesso à justiça, de modo que rejeito a preliminar arguida.

B. Ausência de interesse processual e inépcia da inicial:

A questão suscitada pela parte ré trata-se, em verdade, de matéria inerente ao mérito da demanda, especificamente no que diz respeito às alegações de ausência de interesse processual por ausência de margem para contratação de empréstimo consignado ou inépcia por a parte requerer a anulação do contrato ao invés de sua revisão, e por ocasião do julgamento de mérito serão apreciadas.

II. Julgamento do feito no estado em que se encontra:

Versando a controvérsia sobre matéria de fato e de direito e não havendo outras diligências de interesse das partes, por estar...

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