Acórdão Nº 5015020-03.2020.8.24.0033 do Quinta Câmara Criminal, 17-02-2022

Número do processo5015020-03.2020.8.24.0033
Data17 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5015020-03.2020.8.24.0033/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: GELSON SEBASTIAO DE JESUS (ACUSADO) APELANTE: JOAO FIGUEREDO CORREA JUNIOR (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Gelson Sebastião de Jesus, João Figueredo Corrêa Junio, Jonas Dutra Borges, Leandro Feliciano da Cruz e Rafael Araújo Cardoso, imputando-lhes a prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, incisos III e IV, do Código Penal, conforme os fatos narrados na peça acusatória (evento 01 da ação penal):

Os denunciados Gelson Sebastião de Jesus, João Figueredo Corrêa Junio, Jonas Dutra Borges, Leandro Feliciano da Cruz e Rafael Araújo Cardoso, assim como o ofendido Thiago Leandro Nezgoda, encontravamse presos na ala H do Presídio do Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, situado à Rua João Tomaz Pinto, Canhanduba, nesta cidade, ala considerada de "seguro".

Em virtude das desavenças entre facções criminais, existe entre os presos pressão para que não haja comunicação entre presos de alas de seguro com presos de alas de convivência.

O ofendido Thiago Leandro Nezgoda, contudo, vinha tentando manter contato com um detento da ala de convivência, com quem teria sido preso em flagrante delito, situação que não foi aceita por parte dos presos de sua ala, em especial pelo denunciado Leandro Feliciano da Cruz, que se arvorava a condição de líder daquela ala.

Em 1º de março de 2020, o denunciado Leandro Feliciano da Cruz, que estava alocado na cela H02, dirigiu-se até a cela H03, vindo a fazer expressa ameaça ao ofendido Thiago Leandro Nezgoda, fato que foi objeto de registro de ocorrência no Presídio e boletim de ocorrência na Polícia Civil, levando o denunciado Leandro inclusive a ser posto em isolamento.

Dessa forma, diante da comunicação mantida com preso da ala do convívio, da não submissão do ofendido Thiago as suas vontades e da punição por si recebida em decorrência da desavença acima narrada, o denunciado Leandro Feliciano da Cruz, determinou aos demais denunciados, que dividiam a cela com Thiago, que ceifassem a vida do ofendido quando possível.

Assim, no dia 17 de junho de 2020, por volta das 14h, os denunciados Gelson, João, Jonas e Rafael, a mando do denunciado Leandro, agindo todos em comunhão de esforços e desígnios de vontade, com evidente animus necandi, atacaram ofendido Thiago Leandro Nezgoda no interior da cela H03, no momento em que ele estava dormindo.

Enquanto alguns dos denunciados tentavam segurar o ofendido, outros passaram a desferir golpes com instrumento pontiagudo de fabricação artesanal (popularmente conhecido como estoque), resultando em mais de 20 (vinte) perfurações por todo o corpo de Thiago, em especial na região occipital, temporal direita, tórax e mão direita, causando-lhe as lesões corporais indicadas no Laudo Pericial nº 9405.20.02633 e no prontuário médico constantes dos autos.

O ofendido não foi a óbito por circunstâncias alheias à vontade dos denunciados (pronta intervenção dos agentes penitenciários e rápido atendimento médico).

Os denunciados agiram à traição, pois Thiago dormia quando foi atacado; mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, em virtude da total desvantagem numérica diante de seus agressores; e com emprego de meio cruel, consistente na repetida utilização dos estoques contra a vítima, o que lhe causou intenso sofrimento.

A denúncia foi recebida (evento 10 da ação penal), os réus foram citados (eventos 25/29 da ação penal) e apresentaram defesa prévia por meio da Defensoria Pública (evento 49 da ação penal).

No evento 36 da ação penal foi informado o falecimento do réu Rafael Araújo Cardoso, sendo julgada extinta a sua punibilidade (evento 61 da ação penal).

Recebida a defesa e não sendo caso de absolvição sumária, foi designada a audiência de instrução e julgamento (evento 53 da ação penal).

Na audiência, houve a oitiva da vítima e das testemunhas arroladas pelas partes, bem como o interrogatório dos réus (eventos 191, 204, 241, 256, 257, 258 e 265 da ação penal).

Encerrada a instrução processual, foram apresentadas as alegações finais pelo Ministério Público (evento 279 da ação penal) e pelas defesas (eventos 288, 289, 290 e 291 da ação penal) e, na sequência, sobreveio a sentença que determinou a impronúncia de Jonas Dutra Borges e a pronúncia de Gelson Sebastião de Jesus, João Figueredo Corrêa Junior e Leandro Feliciano Cruz (evento 307 da ação penal).

Irresignados, os réus apresentaram recurso em sentido estrito (eventos 319 e 344 da ação penal). O recorrente Leandro postulou, em suma, a sua impronúncia, por entender que inexistem indícios seguros e suficientes de que seria o mandante do crime (evento 353 da ação penal). Por sua vez, os recorrentes João e Gelson pugnaram pelas suas impronúncias, sustentando a insuficiência probatória a fim de indicar a participação na conduta delitiva imputada (eventos 355 e 360 da ação penal).

Em julgamento realizado na data de 27 de maio de 2021, esta egrégia Quinta Câmara Criminal, por votação unânime, conheceu dos recursos e negou-lhes provimento (evento 36).

Ao contínuo, em sessão de julgamento realizada pela 2ª Vara Criminal da Comarca de Itajaí, foram apresentados os quesitos (evento 641 da ação penal) e sobreveio a sentença (evento 642 da ação penal), com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, julga-se procedente, em parte, o pedido formulado na denúncia, para:

III.1) condenar o réu GELSON SEBASTIÃO DE JESUS, pela prática do crime previsto no art. 121, § 2º, III e IV c/c art. 14, II, do Código Penal, à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicial fechado.

III.2) condenar o réu JOAO FIGUEREDO CORRÊA JUNIO, pela prática do crime previsto no art. 121, § 2º, III e IV c/c art. 14, II, do Código Penal, à pena de 12 (doze) anos, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão, em regime inicial fechado.

III.3) absolver o réu LEANDRO FELICIANO CRUZ, nos termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal.

Considerando que permanecem presentes os pressupostos que levaram à decretação da prisão preventiva, mantém-se a segregação cautelar do réu Gelson.

Inconformados, os réus Gelson Sebastião de Jesus e João Figueredo Corrêa Junior interpuseram recurso de apelação (evento 655 da ação penal).

Em suas razões recursais (evento 695, doc. 377 da ação penal), o réu João Figueredo Corrêa Junior requereu um novo julgamento sob a alegação de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos. Subsidiariamente, pugnou pela aplicação da atenuante prevista no artigo 66 do Código Penal.

Por sua vez, o réu Gelson Sebastião de Jesus insurgiu-se apenas quanto à dosimetria da pena, postulando a aplicação da atenuante prevista no artigo 66 do Código Penal.

O Ministério Público apresentou as contrarrazões no evento 710 da ação penal e os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Sr. Lio Marcos Marin, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (evento 60).

É o relatório.

VOTO

Os recursos devem ser conhecidos porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

Conforme sumariado, trata-se de recurso de apelação interposto por João Figueredo Corrêa Junior e Gelson Sebastião de Jesus, inconformados com a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Itajaí que:

a) condenou o réu João Figueredo Corrêa Junior ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 12 (doze) anos de reclusão, em regime fechado, por infração ao artigo 121, §2º, incisos III e IV c/c artigo 14, inciso II, do Código Penal;

b) condenou o réu Gelson Sebastião de Jesus ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 12 (doze) anos, 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão, em regime fechado, por infração ao artigo 121, §2º, incisos III e IV c/c artigo 14, inciso II, do Código Penal.

1. Mérito

O apelante João Figueredo Corrêa Junior requer um novo julgamento, sob a alegação de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, eis que foi escorada exclusivamente no "relato impreciso, incoerente e contraditório da vítima".

Acerca do assunto, convém lembrar que a valoração da prova em processos relacionados a crime doloso contra à vida, de competência do Tribunal do Júri, cabe de forma exclusiva aos integrantes do Conselho de Sentença.

Somente a eles compete avaliar a veracidade das teses e argumentos apresentados nos autos, podendo se valer de todo e qualquer elemento que estiver contido nesse para decidir, tendo a prerrogativa, inclusive, de fazê-lo pela convicção íntima, sem estar preso a critérios técnicos.

Haveria a possibilidade de se anular o julgamento pelo Tribunal de Justiça para que outro fosse realizado somente se a decisão do Conselho de Sentença fosse inteiramente dissociada das provas apresentadas aos autos, ou seja, se não houvesse qualquer prova nos autos ou se esta indicasse resultado totalmente diverso do julgamento feito pelos Jurados.

Assim, se a tese não se apresenta comprovada de forma plena e indiscutível e, usando da autonomia que lhe é peculiar, os jurados optaram pela interpretação que entendeu mais verossímil nos autos, esta deve prevalecer, em cumprimento ao princípio da soberania da decisão do Tribunal do Júri.

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.HOMICÍDIO QUALIFICADO. ART. 121, § 2º, IV, DO CÓDIGO PENAL ? CP. CARANDIRU. [...] 2) VIOLAÇÃO AO ART. 593, III, "D", DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE DETERMINOU NOVO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS NÃO CONSTATADA. REVALORAÇÃO JURÍDICA DE FATOS INCONTROVERSOS. NÃO INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. 3) VIOLAÇÃO AO ART. 29 DO CP. TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE CONCLUIU POR AUSÊNCIA DE...

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