Acórdão Nº 5015024-51.2021.8.24.0018 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 15-09-2022

Número do processo5015024-51.2021.8.24.0018
Data15 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5015024-51.2021.8.24.0018/SC

RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS

APELANTE: VILSON PAULO MAZO (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

VILSON PAULO MAZO ajuizou "ação de conhecimento pelo procedimento comum" contra BANCO PAN S.A., alegando, em apertada síntese, que: a) procurou a requerida para contratar empréstimo bancário consignado vinculado ao seu benefício previdenciário; b) a requerida aproveitando-se de sua fraqueza e ignorância promoveu a contratação de empréstimo por cartão de crédito com de reserva de margem consignável; c) nunca fez uso do cartão de crédito, limitando-se ao recebimento do valor disponibilizado pelo réu; d) da forma contratada, os pagamentos mensais servem apenas para pagar os juros e encargos mensais do cartão, sem abatimento do capital, o que torna a dívida eterna e impagável; e) a ré com sua conduta praticou ato ilícito, violando o direito a informação, a lealdade e boa-fé contratual; f) os descontos em seu benefício previdenciário prejudicam sua mantença e de sua família.

Dessa forma, requereu a concessão de tutela provisória de urgência a fim de determinar que a parte passiva abstenha-se de reservar margem consignável em seu benefício previdenciário. Ao final, pugnou pela declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC, com a condenação da parte passiva a devolver em dobro os descontos realizados e, na hipótese de comprovação do cartão de crédito consignado, pela conversão do empréstimo em contrato de mútuo consignado. Ainda, requereu a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1, INIC1).

Recebida a petição inicial, deferiu-se a gratuidade da justiça (evento 4, DESPADEC1).

Citada, a instituição financeira apresentou contestação (evento 11, CONT1) e juntou documentos.

Houve réplica (evento 16, RÉPLICA1).

Sentenciando (evento 19, SENT1), o Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos:

ISTO POSTO, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora em face da requerida, resolvendo o feito, com julgamento de mérito, na forma prevista no art. 487, inciso I do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da requerida arbitrados em 10% sobre o valor atribuído à causa. A exigibilidade das verbas devidas pela parte autora ficarão sobrestadas, na forma do art. 98, §3º do Código de Processo Civil, pois beneficiária da justiça gratuita.

Inconformado com a prestação jurisdicional, o autor interpôs recurso de apelação (evento 25, APELAÇÃO1), no qual requer a : a) nulidade da sentença por cerceamento de defesa ante o julgamento antecipado da lide; b) declaração da nulidade da contratação, visto que fora induzido em erro ao contratar serviço diverso do pretendido, e que sequer utilizou o cartão de crédito supostamente disponibilizado pelo apelado; c) restituição em dobro dos valores indevidamente descontados; d) condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), e e) condenação da parte contrária ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

Em contrarrazões (evento 29, CONTRAZAP2), o apelado refuta a tese recursal do apelante, bem como requer a manutenção da sentença. Por fim, prequestiona dispositivos legais e constitucionais.

Após, vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por VILSON PAULO MAZO contra a sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Chapecó/SC que, nos autos da "ação de conhecimento pelo procedimento comum" ajuizada contra o BANCO PAN S.A, julgou improcedentes os pedidos exordiais.

Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se à análise da quaestio.

1. Da preliminar de cerceamento de defesa

De início, sustenta a parte autora a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, uma vez que não foram analisados os pedidos de inversão do ônus da prova e de exibição de documentos, sendo a decisão prolatada através de julgamento antecipado.

A tese merece parcial conhecimento e, na parte conhecida, há de ser inacolhida.

Isso porque o juízo de origem, ao contrário do articulado, analisou os pleitos defensivos, acolhendo o pedido de inversão de ônus da prova e indeferindo o pedido de exibição incidental dos "demonstrativos de débitos e evolução da dívida" por não se tratarem de documentos especificados (evento 4, DESPADEC1).

De outra banda, verifica-se que todas as provas necessárias ao julgamento do feito foram acostadas aos autos, tais como contrato firmado entre as partes, faturas do cartão de crédito e extrato dos empréstimos realizados, e, nessa linha, sabe-se que o art. 355, I, do Código de Process Civil preceitua que "o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando não houver necessidade de produção de outras prova".

Nesse diapasão, "Inexiste cerceamento de defesa por julgamento antecipado da lide se as provas carreadas aos autos são suficientes para o deslinde da quaestio" (TJSC, Apelação Cível n. 0300295-05.2017.8.24.0040, de Laguna, rel. Des. Monteiro Rocha, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 13-06-2019).

Logo, não há falar em nulidade da sentença.

2. Contrato de cartão de crédito consignado

No caso em análise, denota-se da narrativa inicial que o autor pretendia firmar contrato de empréstimo consignado com o banco réu mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Entretanto, foi-lhe concedido cartão de crédito consignado, por meio do qual foram promovidos descontos no seu benefício previdenciário, realizados a título de reserva de margem consignável (RMC), os quais são indevidos, pois não autorizados.

Pois bem. De início, cumpre ressaltar que se trata induvidosamente de relação de consumo, sujeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova para a facilitação dos direitos do autor, uma vez que configurada a hipossuficiência técnica e financeira em relação à instituição financeira (art. 6º VIII, CDC).

In casu, compulsando os autos, extrai-se da documentação acostada que o apelante firmou por via eletrônica, em 10/08/2020, com o Banco o "Termo de Adesão ao Regulamento de Cartão de Crédito Consignado PAN", acompanhado do "Termo de Consentimento Esclarecido do Cartão de Crédito Consignado" (evento 11, CONTR2).

As faturas acostadas ao feito demonstram que o cartão de crédito cedido ao recorrente jamais fora utilizado na sua função precípua, qual seja, aquisição de produtos e serviços de consumo, visto que os únicos lançamentos deduzidos se referem, justamente, aos saques disponibilizados via "TED", bem como aos demais encargos de refinanciamento (evento 11, ANEXO3). Resta evidente, portanto, na verdade, tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

Assim, em que pese o banco tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa autorizando a reserva de margem consignável, tal fato, por si só, não confere legitimidade à avença, tampouco permite inferir-se extreme de dúvidas que, efetivamente, a parte autora possuía conhecimento sobre as características da avença celebrada.

Além disso, o valor descontado do benefício previdenciário, através do "empréstimo RMC", reserva-se ao pagamento mínimo indicado nas faturas mensais do cartão, resultando, assim, na contratação de crédito rotativo quanto ao saldo remanescente, com incidência de juros altíssimos, típicos de contratos de cartões de crédito. Tais situações são práticas consideradas abusivas e vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

É o que se extrai dos arts. 39, III e IV, e 51, IV, da mencionada Lei:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Cumpre destacar que os serviços bancários em especial se revestem de complexidades e são altamente passíveis de expor os...

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