Acórdão Nº 5015462-10.2021.8.24.0008 do Quarta Câmara Criminal, 08-07-2021

Número do processo5015462-10.2021.8.24.0008
Data08 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Execução Penal Nº 5015462-10.2021.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO


AGRAVANTE: RUAN ROGER GUERREIRO (AGRAVANTE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)


RELATÓRIO


Trata-se de agravo em execução penal interposto pelo reeducando Ruan Roger Guerreiro, inconformado com a decisão (Seq. 12 SEEU) proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da comarca de Blumenau, que, nos autos do PEP n. 0011510-79.2019.8.24.0008, indeferiu o pedido formulado pela defesa técnica no sentido de retificar o atestado de pena a cumprir, para aplicar o percentual de 40% (fração 2/5) para progredir de regime em relação ao crime equiparado a hediondo após o advento da Lei n. 13.964/2019.
Em suma, o agravante, representado por defensores constituídos, argumento o seguinte: [a] "cabe destacar que o pacote anticrime revogou o disposto no §2º, do art. 2º, da Lei dos Crimes Hediondos, que apresentava um quantum de pena baseado na presença ou não da primariedade/reincidência do conduzido, especificando a fração de 2/5 para réus primários e 3/5 para réus reincidentes, não estabelecendo qualquer tipo de diferença entre reincidência genérica ou específica, aplicando-se a maior fração para ambas as situações, sendo que, atualmente, o diploma legal subscrito no art. 112, incisos V e VII da LEP"; [b] "é possível extrair que o legislador passou a exigir a reincidência específica para a aplicação da fração de 3/5 (60%), ocasião em que a referida modificação benéfica ao apenado deve ser aplicada retroativamente aos fatos perfectibilizados anteriormente à sua vigência, na forma do art. 5, inciso XL, da CF/88, combinado com o art. 2º, parágrafo único do CP, sendo competência deste juízo das execuções penais proceder a tal readequação no cálculo dos benefícios à ele projetados, com espeque no art. 66, inciso I, da LEP, combinado com o texto insculpido na Súmula 611 do STF"; [c] "a defesa de Ruan requer seja operada a aplicação retroativa da lei mais benéfica no caso em apreço, forte na redação contida na Lei n. 13.964/19, modificando-se a fração para progressão de regime, passando a constar o percentual de 40% (2/5), no lugar do extinto 3/5 (hoje denominado 60%), posto que, conforme acima indicado, Ruan não é reincidente específico em delito dessa estirpe".
Concluiu requerendo o provimento do recurso, "determinando-se a modificação na fração para progressão de regime carcerário do apenado, passando a constar a fração de 40% (quarenta por cento) determinada pelo inciso V do art. 112, inciso V, da LEP, não havendo possibilidade de se efetivar uma interpretação desfavorável ao requerente em matéria penal, haja vista que a lei prevê, de forma cristalina que, aquele que não for reincidente em crime hediondo ou equiparado, poderá progredir de regime desde que cumpra 40% (quarenta por cento) de sua pena" (Evento 1 - petição inicial 1).
Com as contrarrazões (Evento 9), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao preconizado no art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 6), os autos formados por instrumento ascenderam a esta Corte.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, que se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso (Evento 10 - promoção 1)

VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido.
Como visto, o reeducando Ruan Roger Guerreiro cumpre pena privativa de liberdade de 13 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática de crimes comuns e equiparado a hediondo, reconhecida a reincidência geral (Seq. 5 SEEU - relatório de situação carcerária).
No caso, a controvérsia tratou da interpretação e dos impactos da Lei n. 13.964/2019 no processo de execução penal, notadamente no requisito objetivo para progressão de regime.
Entende a defesa técnica do agravante que a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) passou a prever o percentual de 60% (3/5) apenas para os reincidentes específicos em crime hediondo ou equiparado, sendo o lapso de 40% (2/5) aplicável aos primários, bem como reincidentes não específicos.
Razão lhe assiste, adiante-se.
Oportuno destacar desde logo que a posição vigente na Quarta Câmara Criminal deste Tribunal era no sentido de, mesmo com o advento da Lei n. 13.964/2019, exigia-se do sentenciado, reconhecida a reincidência seja ela específica ou geral, no caso de crime hediondo ou equiparado, o cumprimento de 60% (3/5) da pena para progredir de regime.
A título exemplificativo: Agravo de Execução Penal n. 5016373-69.2020.8.24.0036, rel. José Everaldo Silva, j. 18-2-2021; Agravo de Execução Penal n. 0002344-93.2020.8.24.0038, de minha relatoria, j. 11-2-2021; Agravo de Execução Penal n. 5023286-76.2020.8.24.0033, rel. Sidney Eloy Dalabrida, j. 4-2-2021; Agravo de Execução Penal n. 0001028-60.2020.8.24.0033, rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, j. 8-10-2020.
Porém, a compreensão desta Câmara Criminal modificou-se a partir da unificação da jurisprudência das Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, que ocorreu a partir do julgamento, em 9-12-2020, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça do AgRg no HC 613.268/SP, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. VIA INADEQUADA. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). PROGRESSÃO DE REGIME. PACIENTE CONDENADO POR TRÁFICO DE DROGAS. REINCIDÊNCIA EM CRIME COMUM (FURTO QUALIFICADO). HIPÓTESE NÃO ABARCADA PELA NOVATIO LEGIS. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. CUMPRIMENTO DE 40% DA PENA. ORIENTAÇÃO REVISTA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. CONCESSÃO DE HC DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. Firmou-se nesta Superior Corte o entendimento no sentido de ser irrelevante que a reincidência seja específica em crime hediondo para a aplicação da fração de 3/5 na progressão de regime, pois não deve haver distinção entre as condenações anteriores (se por crime comum ou por delito hediondo). Interpretação da Lei 8.072/90. Precedentes.
3. Com a entrada em vigor da Lei 13.964/19 - Pacote Anticrime-, foi revogado expressamente o art. 2º, §2º, da Lei n. 8.072/90 (art. 19 da Lei n. 13.964/19), passando a progressão de regime, na Lei de Crimes Hediondos, a ser regida pela Lei n. 7.210/84.
4. A nova redação dada ao art. 112 da Lei de Execução Penal modificou por completo a sistemática, introduzindo critérios e percentuais distintos e específicos para cada grupo, a depender especialmente da natureza do delito.
5. No caso, o paciente foi sentenciado pelo delito de tráfico de drogas, tendo sido reconhecida sua reincidência devido à condenação definitiva anterior pelo crime de furto qualificado (delito comum). Para tal hipótese, inexiste na novatio legis percentual a disciplinar a progressão de regime ora pretendida, pois os percentuais de 60% e 70% foram destinados aos reincidentes específicos (sem destaque no original).
6. Em direito penal não é permitido o uso de interpretação extensiva, para prejudicar o réu, devendo a integração da norma se operar mediante a analogia in bonam partem. Princípios aplicáveis: Legalidade das penas, Retroatividade benéfica e in dubio pro reo.
- A lei penal deve ser interpretada restritivamente quando prejudicial ao réu, e extensivamente no caso contrário (favorablia sunt amplianda, odiosa restringenda) - in NÉLSON HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, v. I, t.I, p. 86.
Doutrina: HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI e GIANPAOLO POGGIO SMANIO, Comentário ao Pacote Anticrime, Ed. Atlas, 2020; RENATO BRASILEIRO DE LIMA. Pacote Anticrime: Comentários à Lei 13.964/19, Ed.
JusPodium, 2020; PAULO QUEIROZ, A nova progressão de regime - Lei 13.964/2019, https://www.pauloqueiroz.net; ROGÉRIO SANCHES CUNHA, Pacote Anticrime: Lei n. 13.964/2019 - Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodvim, 2020; e PEDRO TENÓRIO SOARES VIEIRA TAVARES e ESTÁCIO LUIZ GAMA LIMA NETTO; NETTO LIMA, Pacote Anticrime: As modificações no sistema de justiça criminal brasileiro. e-book, 2020.
Precedentes: HC n 581.315/PR, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR e HC n. 607.190/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, ambos julgados em 06/10/2020.
7. Agravo regimental provido,...

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