Acórdão Nº 5015605-86.2022.8.24.0000 do Segunda Câmara de Direito Civil, 27-10-2022

Número do processo5015605-86.2022.8.24.0000
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5015605-86.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA

AGRAVANTE: JANIA TEREZINHA SEEMANN AGRAVANTE: GILSON SEEMANN AGRAVADO: IVONETE FURLANETTO SEEMANN AGRAVADO: CHARLES SEEMANN AGRAVADO: ONELIO SEEMANN AGRAVADO: LEDIANE SEEMANN DE ALMEIDA

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por JÂNIA TEREZINHA SEEMANN e GILSON SEEMANN em face da decisão proferida nos autos da ação de reintegração de posse aforada por IVONETE FURLANETTO SEEMANN, LEDIANE SEEMANN, CHARLES SEEMANN e ONÉLIO SEEMANN, em trâmite na Vara Única da Comarca de Bom Retiro, que deferiu pedido de tutela de urgência.

A decisão agravada tem o seguinte teor (evento 18 da origem):

"Com relação ao pedido de tutela antecipada, em que pese a antecipação pelo demandado da arguição de usucapião, impõe-se a análise neste momento, pois é o momento processual adequado.

Dispõe o art. 1.210 do Código Civil que "o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado".

Especificamente sobre as ações possessórias, dispõe o art. 554 do Código de Processo Civil:

Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

Analisando a fungibilidade consagrada no dispositivo legal acima transcrito, Daniel Amorim Assumpção Neves disserta:

Em primeiro lugar, é importante destacar que a função das ações possessórias é sempre a mesma: a proteção da posse, somente variando a ação conforme a espécie de moléstia sofrida. Como se nota com facilidade, o relevante é a proteção possessória, ficando em segundo plano a circunstância do pedido do autor de amoldar ou não à efetiva situação de crise da situação dc direito material possessória. Tendo o autor provocado o Poder Judi ciário para tutelar a sua posse, a inadequação quanto à espécie de demanda possessória, e consequentemente quanto ao pedido específico de proteção jurisdicional, não pode servir de empecilho para a efetiva concessão de tutela protetiva da posse. (...). Por fim, é inegável a dificuldade que se encontra em determinadas hipóteses para se definir com exatidão qual espécie de moléstia está caracterizada no caso concreto. Aquilo que pode parecer um esbulho a um determinando operador, pode parecer nitidamente uma turbação aos olhos de outro, e mesmo a ameaça pode ser confundida com as duas espécies de agressões possessórias. Seria no mínimo injusto, e nitidamente incongruente com a preocupação do legislador em tutelar a posse, rejeitar-se a proteção jurisdicional pela incorreta percepção da espécie de violação ao direito possessório. Entendo que, sendo exigência de qualquer petição inicial, o autor deve expressamente formular o pedido de proteção possessória, mas, em razão da fungibilidade prevista em lei, não parece que seja obrigado a especificar a espécie de tutela possessória, em especial quando existir forte dúvida a respeito. Basta a correta narrativa dos fatos e dos fundamentos jurídicos e o pedido de proteção possessória, que será deferido na conformidade do entendimento do juiz no caso concreto. De qualquer forma, o pedido de proteção possessória, ainda que amplo, é indispensável. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 980-981).

Outrossim, a ocorrência de ofensa à posse pressupõe o seu anterior exercício, sem a qual não há se falar em tutela protetiva fulcrada nos interditos possessórios.

Segundo lição do eminente professor Humberto Theodoro Júnior:

A posse relevante para o direito não é qualquer contato mantido pela pessoa sobre a coisa. A ideia jurídica de posse traz em si a qualidade de fenômeno duradouro, de fato continuado. Tecnicamente, a posse é mais do que uma situação, é um fato que ocupa necessariamente lugar no espaço e no tempo, porque supõe uma duração (...).

E arremata, citando Juan B. Vallet de Goytisolo:

Na ordem prática, podem-se extrair as seguintes consequências:a) A situação do proprietário é amparada pela ordem jurídica sem necessidade de ser projetada através do tempo; basta que o direito subjetivo tenha sido criado e não tenha se extinguido;b) já a proteção ao possuidor está sempre na dependência do fato complexo, que é a medula da posse.Cabe, portanto, a proteção jurídica ao direito de um proprietário que, de fato, nunca o exercitou, desde que inocorrente a prescrição (usucapião).Não se pode, porém, cogitar da tutela jurídica possessória a quem não age concretamente sobre a coisa, porquanto 'é inconcebível uma posse sem um mínimo de exercício, porque o que ali é a consequência, aqui é a causa. (JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 122-123).

Ademais, nos termos dispostos no Código Civil, precisamente em seu art. 1.196, vê-se que o legislador adotou a teoria objetiva (Ihering) no que toca à posse, conceituando o possuidor como "aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade".

De outro vértice, cumpre pontuar que o procedimento especial previsto no art. 554 e seguintes do Código de Processo Civil só tem cabimento nos casos em que a ação possessória for proposta "dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial", de modo que, passado referido prazo, o procedimento deverá observar o rito comum ordinário, sem que isso importe, contudo, na transmudação do caráter possessório da demanda. É a redação do art. 558 do Código de Processo Civil, "in verbis":

Art. 558. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial.

Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput , será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.

No presente feito, verifica-se que, segundo disposto na inicial, o ato de ofensa a posse ocorreu em 07/12/2021, tendo sido a presente ação ajuizada em 07/03/2022, sendo pertinente, portanto, a observância do rito especial possessório.

Analisando os fundamentos descritos na inicial, percebe-se que a parte autora pretende a reintegração de posse de imóvel com base na ocorrência de suposto esbulho.

Esbulho, na lição do professor Luiz Rodrigues Wambier, pode ser assim caracterizado:

(...) a perda total da posse, ou seja, é a situação na qual a coisa sai integralmente da esfera de disponibilidade do possuidor, quando ele deixa de ter contato com ela, por ato injusto do molestador. Por exemplo, se alguém invade uma propriedade rural, cercando-a e impedindo que o possuidor nela adentre, cometeu esbulho (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. Curso avançado de processo civil: processo cautelar e procedimentos especiais. São Paulo: RT, 2005, p. 189).

Do mesmo modo, segundo lição do professor Joel Dias Figueira Júnior:

(...) o atual CC, assim como o de 1916, não define o que venha a ser esbulho, mas permite-nos chegar ao perfil necessário da actio spolii por meio de interpretação do art. 1.210. Na linguagem comum, esbulhar significa privar alguém de alguma coisa, subtraindo-a, tolhendo-a, eliminando-a. A pretensão jurídica articulada pelo possuidor esbulhado é, inquestionavelmente, a restituição na posse do bem que lhe foi espoliado. Portanto, esbulho representa a perda, total ou parcial, do poder fático de ingerência socioeconômica sobre um determinado bem da vida. (...). Em outras palavras, é ato eficiente capaz de impedir o possuidor de prosseguir na sua normal relação fático-potestativa, retirando o bem da esfera de seu poder e tornando-o disponível ao autor do esbulho ou a terceiros. Em suma, o esbulho é qualquer ato de molestamento que acarrete ao possuidor, injustamente, a perda da posse, correspondente à privação total ou parcial do poder de fato socioeconômico de utilização e disponibilidade. (JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Novo código civil comentado - Coordenação Regina Beatriz Tavares da Silva. 8ª ed. Saraiva: São Paulo, 2012, p. 1308).

Assentadas essas premissas, verifico que a prova da posse precedente [nos termos acima esclarecidos, portanto] da parte autora sobre o imóvel descrito na inicial denota-se, à vista dos elementos contidos nos autos, satisfatória.

Acerca da comprovação do exercício posse, colhe-se da lição de Carlos Roberto Gonçalves:

É possível, pois, distinguir, entre as espécies de posse, a direta ou imediata da indireta ou mediata. Como bem esclarece JOÃO BATISTA MONTEIRO, 'o proprietário...

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