Acórdão Nº 5015620-29.2021.8.24.0020 do Terceira Câmara Criminal, 29-11-2022

Número do processo5015620-29.2021.8.24.0020
Data29 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5015620-29.2021.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: RICARDO DEMETRIO SERAFIM (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Criciúma, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Ricardo Demetrio Serafim, dando-o como incurso nas sanções do artigos 180, caput, e 311, caput, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, pela prática das condutas assim descritas na inicial acusatória:

FATO 1 - DO CRIME DE RECEPTAÇÃO

Em data, horário e local a serem melhor apurados durante instrução, mas certo que entre 10 e 13 de julho de 2021, neste Município e Comarca de Criciúma/SC, o denunciado RICARDO DEMETRIO SERAFIM, com vontade livre e consciente, adquiriu e recebeu, em proveito próprio, o motor e o quadro da motocicleta HONDA/CG 125 KSE, cor azul, ano/modelo 2002, placa MBQ3135, avaliados em aproximadamente R$2.422,90 (dois mil, quatrocentos e vinte e dois reais e noventa centavos), ciente de que se tratava de produto de crime anterior, ante a ausência de documentação válida a corroborar a origem lícita do objeto.

Segundo consta, no dia 10 de julho de 2021, em frente ao Edifício Érico Veríssimo, localizado na Rua Melvin Jones, centro deste Município e Comarca de Criciúma, a motocicleta citada foi subtraída da vítima Moacyr José Rosa Neto por pessoa não identificada. Já no dia 13 de julho de 2021, por volta das 20h50min, na Rua Carlos Scavone, n. 90, bairro Paraíso, neste Município e Comarca de Criciúma/SC, o denunciado estava na posse do quadro da referida motocicleta, enquanto o motor estava inserido na motocicleta HONDA/CG 125 FAN, cor preta, ano/modelo 2008, placa MED0233, que também estava na posse do denunciado.

FATO 2 - DO CRIME DE ADULTERAÇÃO DE SINAL DE VEÍCULO AUTOMOTOR

Em data, horário e local a serem melhor apurados durante instrução, mas certo que entre 10 e 13 de julho de 2021, neste Município e Comarca de Criciúma/SC, o denunciado RICARDO DEMETRIO SERAFIM, com vontade livre e consciente, adulterou sinal identificador de veículo automotor, na medida em que inseriu o motor da motocicleta HONDA/CG 125 KSE, cor azul, ano/modelo 2002, placa MBQ3135 na motocicleta HONDA/CG 125 FAN, cor preta, ano/modelo 2008, placa MED0233. (ev. 1.1).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado Ricardo Demetrio Serafim às penas de 5 (cinco) anos, 9 (nove) meses e 3 (três) dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, e ao pagamento de 28 (vinte e oito) dias-multa, em seu mínimo legal, pela prática dos crimes previstos no art. 180, caput, e art. 311, caput, na forma do art. 69, todos do CP. Foi-lhe negado o direito de apelar em liberdade (ev. 59.1).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual requereu, em preliminar, a declaração de ilicitude do ingresso na residência do apelante e, por consequência, a nulidade das provas obtidas em decorrência da ação. No mérito, postula a absolvição dos delitos por ausência de provas da autoria. Subsidiariamente, rogou a desclassificação da receptação para a modalidade culposa, a reforma da sanção imposta para utilização da fração de 1/8 (um oitavo) para todos os acréscimos da reprimenda e o direito de recorrer em liberdade (ev. 12.1).

Juntadas as contrarrazões (ev. 16.1), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Ernani Dutra, opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (ev. 19.1).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou o acusado às sanções previstas pelo art. 180, caput, e art. 311, caput, na forma do art. 69, todos do CP.

O recurso é de ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Preliminar

Busca a defesa a nulidade da prisão em flagrante, ao argumento da nulidade do ingresso na residência do acusado e, por consequência, das provas que derivaram do ato dito viciado.

A tese não procede.

Isso porque, no contexto que envolve o caso concreto - como melhor se verá da análise do mérito -, os agentes estatais asseveraram que, no dia dos fatos, realizavam rondas quando o denunciado, que transitava na rua com objeto de origem ilícita, empreendeu fuga ao interior de sua residência e escondeu-se debaixo da cama, deixando em via pública a peça (quadro). Ao realizar a consulta do número de chassi do quadro da motocicleta, constataram os policiais que se tratava de objeto de furto/roubo.

Além disso, os vídeos registrados pelas câmeras nos uniformes dos policiais, ainda que não registrem o momento inicial do ingresso na residência (ev. 37.1 e 37.2), demonstram que não houve qualquer resistência oferecida pelo apelante ou por sua genitora, muito menos qualquer hostilidade por parte dos agentes públicos durante a condução da ocorrência, a transparecer que, de fato, o ingresso foi autorizado.

Nesse sentido foi o entendimento do juízo a quo:

Compulsando o caderno processual e, contrariamente ao alegado pela defesa, o que se observa é que: a) houve prévia autorização da genitora do acusado para a entrada dos policiais na residência; b) o portão já havia sido descarrilhado pelo acusado e, portanto, estava aberto; c) não houve arrombamento do portão da casa e da porta do quarto do acusado.

Conforme os relatos policiais colhidos, tanto na fase indiciária, quanto em juízo, ressalto que resta claro que a própria genitora do acusado franqueou a entrada na residência.

Além disso, o próprio contexto fático autorizava a entrada no domicílio. Isso porque, os policiais, durante ronda na região notaram o acusado com o quadro da motocicleta na mão e, ao tentarem o abordar, este fugiu para a frente de sua casa, soltou o objeto e entrou em casa. Diante disso, os agentes públicos realizaram consulta e verificaram que o quadro pertencia a um outro veículo com registro de furto, fato este que motivou o ingresso na residência.

Assim, diante da clara situação flagrancial do crime de receptação - o qual possui natureza permanente - dispensável mandado judicial para realização de busca e apreensão em domicílio, onde, de fato, foi encontrada a motocicleta com sinal identificador adulterado.

[...]

Assim, diante do quadro fático delineado no decorrer da instrução, portanto, não se observa qualquer ilegalidade na atuação dos policiais que caracterize a alegada invasão de domicílio.

Desse modo, ausentes irregularidades na colheita da prova, afasto a preliminar arguida pela defesa e passo à análise do mérito da pretensão acusatória.

Assim como da douta Procuradoria que oficiou no feito:

Alusivamente à suposta nulidade, urge frisar que a garantia à inviolabilidade de domicílio, prevista no art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal, não é absoluta, decorrendo do próprio texto constitucional as exceções admitidas, dentre as quais se encontra o estado de flagrância.

Igualmente, é indubitável que a existência de crime de natureza permanente, cuja consumação, de acordo com o art. 303 do Código de processo Penal, se protrai no tempo, permite que o flagrante seja realizado em qualquer momento, tornando, por conseguinte, prescindível anterior autorização judicial para adoção das providências necessárias para fazer cessar o delito.

Contudo, como consabido, quando se trata de ingresso em residência sem a apresentação do respectivo mandado, além da existência de crime permanente, fundamental que se tenha fundada suspeita da sua prática.

[...]

Nessa linha, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

O art. 5º, XI, da Constituição Federal prevê como uma das garantias individuais, conquista da modernidade em contraposição ao absolutismo do Estado, a inviolabilidade do domicílio: "XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 4. "O ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio" (REsp 1.558.004/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 31/8/2017). (Habeas Corpus n. 405377/SC. Relator: Ministro Ribeiro Dantas. Julgado em 6.2.2018).

[...]

No contexto apresentado, convenha-se, além da autorização da genetriz do Recorrente, os agentes públicos tinham comprovada justa causa para a incursão domiciliar, sendo patente que agiram no estrito cumprimento do dever legal.

À vista de tudo isso, não há nulidade a ser reconhecida e, consequentemente, permanece hígida a prova da materialidade.

Desse modo, diante da evidente situação flagrancial anteriormente sabida, inclusive pelo delito de receptação [chassi motocicleta], era prescindível autorização judicial para realização de busca e apreensão em domicílio, onde fora encontrado o objeto proveniente de subtração pretérita (motor), pelo que as provas decorrentes da referida diligência não estão tomadas de nulidade.

O art. 5º, XI, da Constituição da República ressalva a possibilidade de ingresso em domicílio, independente de ordem judicial, em caso de flagrante delito ou, durante o dia, por determinação judicial: XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

O Supremo Tribunal Federal, em recurso representativo de controvérsia, confirmou a desnecessidade de autorização judicial para a violação domiciliar, nas hipóteses de crimes permanentes. Veja-se:

Recurso extraordinário...

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