Acórdão Nº 5015755-67.2022.8.24.0000 do Terceira Câmara de Direito Público, 09-08-2022

Número do processo5015755-67.2022.8.24.0000
Data09 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5015755-67.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

AGRAVANTE: MARLEI CASAGRANDE BOTEGA AGRAVADO: ESTADO DE SANTA CATARINA AGRAVADO: MUNICÍPIO DE IÇARA/SC

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo de instrumento com pedido de antecipação de tutela recursal interposto por Marlei Casagrande Botega contra decisão que, nos autos da "ação de medicamentos com pedido de tutela de urgência", que move em face do Estado de Santa Catarina e do Município de Içara, indeferiu a tutela de urgência para fornecimento dos medicamentos Vastarel MR 35mg (Trimetadizina), Insulina Glargina 50 UI (Lantus) e Zetia 10mg (Ezetimida).

Sustenta que ajuizou "ação de medicamentos com pedido de tutela de urgência", objetivando o fornecimento dos medicamentos Vastarel MR 35mg (Trimetadizina), Insulina Glargina 50 UI (Lantus) e Zetia 10mg (Ezetimida), eis que portadora de doenças diagnosticadas como "cardiopatia isquêmica crônica (CID I25), angina pectoris (CID I-20), diabetes mellitus (CID E10.5), hiperlipidemia mista (CID E-78.2) e hipertensão arterial sistêmica (CID I.10)"; que o valor mensal dos medicamentos é elevado e não tem condições de arcar com o referido fármaco; que a tutela foi indeferida na origem sob a assertiva de "não está evidenciado que os medicamentos pretendidos são necessários ao tratamento da Autora, situação em que não se mostra legítima a interferência do Poder Judiciário sobre a política de saúde desenvolvida pelo SUS"; que "conforme se aufere da documentação acostada aos autos, a Agravante não pode ser induzida a outro tratamento se não o que fora determinado pelos médicos responsáveis, pois não há alternativa terapêutica oferecida pelo SUS, sendo que, entendimento contrário, poderá acarretar em um prejuízo maior e irreversível ou até sua morte"; que "já utilizou dos medicamentos fornecidos pelo SUS, porém, não lhe trouxeram os resultados esperados para a cura da sua doença", conforme atestado pelos especialistas; que preenche os requisitos exigidos para o deferimento da tutela; que a atribuição de financiamento da medicação é da parte agravada; que é financeiramente hipossuficiente, o que torna o custo da medicação incompatível com a renda familiar; que a não utilização imediata do medicamento causa risco à vida da paciente, "podendo inclusive, ocasionar seu óbito"; que é necessária a medicação postulada para manutenção da saúde e preservação da vida da agravante.

Requer, por isso, a antecipação dos efeitos da tutela recursal.

O pedido liminar foi deferido.

Com as contrarrazões, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Marcelo Truppel Coutinho, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.

VOTO

Antes de adentrar na análise de mérito do presente recurso, cabe registrar que, como consabido, a via processual recursal do agravo de instrumento serve para o combate de decisões proferidas nos juízos originários, de forma que o exercício da instância recursal cinge-se a apreciar o acerto ou o desacerto da decisão recorrida, estando obstruído o exame de questões não tratadas pelo Juízo de origem, sob pena de caracterizar supressão de instância e ofensa ao duplo grau de jurisdição.

A propósito:

"O agravo de instrumento constitui recurso que se presta tão só a apreciar o acerto ou desacerto da decisão vergastada, no momento em que foi proferida, razão pela qual é vedado ao juízo ad quem examinar elementos que não foram ainda apreciados pelo juízo de origem, sob pena de indevida supressão de instância e ofensa ao duplo grau de jurisdição." (TJSC, Agravo de Instrumento n. 0011014-79.2016.8.24.0000, de Blumenau, Rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. em 10.05.2018).

"O agravo de instrumento segue direcionado à análise do acerto ou desacerto da decisão agravada, de modo que apenas os tópicos submetidos ao crivo do juízo de origem poderão ser conhecidos." (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4005669-64.2016.8.24.0000, de Joinville, Rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. em 22.03.2018).

Pois bem.

Fique desde logo esclarecido que a ação já transitou pela Justiça Federal e lá foi negada a participação da União no processo.

Na espécie, a demanda originária versa sobre concessão de medicamento e o presente agravo foi interposto contra a decisão da lavra do Juiz Fernando Dal Bó Martins, que indeferiu o pedido de tutela antecipada nos seguintes termos:

"[...]

É certo, de um lado, que o direito à saúde ostenta estatura constitucional. Doutro lado, também é certo que deve haver premissas para o controle do Poder Judiciário sobre a omissão da Administração Pública em implantar políticas públicas suficientes para o acesso universal e igualitário da população aos serviços médico e farmacêutico (prestações positivas). Essas premissas, que devem ser devidamente ponderadas pelo Judiciário, podem ser traduzidas nas noções de 'mínimo existencial' e 'reserva do possível'.

Sobre o tema, vale trazer à colação trecho da decisão monocrática proferida pelo Min. Celso de Mello na ADPF 45:

[...]É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar):"Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível." (grifei)Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda...

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