Acórdão Nº 5015778-90.2021.8.24.0018 do Primeira Câmara de Direito Civil, 14-07-2022

Número do processo5015778-90.2021.8.24.0018
Data14 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5015778-90.2021.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador SILVIO DAGOBERTO ORSATTO

APELANTE: NEUDIR FRANCISCO PALUDO (AUTOR) APELADO: FACTA INTERMEDIACAO DE NEGOCIOS LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por N. F. P. em face da sentença proferida pelo juízo da 4ª Vara Cível da comarca de Chapecó que, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Compensação por Danos Morais, Repetição de Indébito n. 50157789020218240018, ajuizada por si contra F. I. de N. Ltda., julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos (Evento 32 - autos de origem):

Assim sendo, rejeito o pedido formulado na inicial e, com fundamento no inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil, decido o processo com apreciação do mérito.

Por consequência, condeno a parte autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, estes que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, cuja exigência, entretanto, deverá observar o disposto no § 3º do artigo 98 do CPC, porquanto é beneficiária da gratuidade da justiça.

Publique-se. Registre-se e intimem-se.

Transitada em julgado, arquive-se.

Inconformado, o apelante sustentou a inexistência de provas da contratação do empréstimo consignado, sendo que o contrato juntado não está assinado, que é pessoa idosa e foi vítima de uma fraude, não reconhecendo a contratação, sendo a responsabilidade da ré objetiva. Pugna pelo provimento do recurso a fim de ver a sentença reformada, para procedência dos pedidos da inicial (Evento 36 - autos de origem).

Em resposta, a apelada apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença (Evento 41 - autos de origem).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade recursal

Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à sua análise.

Mérito

O cerne da questão jurídica cinge-se quanto a regularidade da contratação de empréstimo consignado.

O recurso, adianta-se, comporta provimento parcial.

Relação de Consumo

De plano, registre-se, que ao caso se aplica o Código de Defesa do Consumidor porquanto se trata de relação consumerista, estando de um lado o consumidor e de outro o fornecedor de serviços.

A defesa dos direitos básicos do consumidor deve ser resguardada e, em especial, o previsto no art. 6º, incisos VI, VIII e X, do CDC, que assim dispõem: "São direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; e a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral".

Dessarte, o julgamento da presente demanda está adstrito às regras de proteção ao consumidor, em especial, à inversão do ônus da prova, pois ele é parte hipossuficiente e merece especial tratamento.

Validade do Contrato

Extrai-se dos autos que a controvérsia cinge-se na contratação de empréstimo consignado, na qual o autor alega a inexistência de relação jurídica e a ré a regularidade da contratação.

Consoante as informações dos autos, o contrato em questão foi registrado sob o n. 0047024228, no valor de R$ 1.474,52, em 84 parcelas mensais de R$ 43,00, com inclusão em 6/5/2021 (Evento 1, Extrato 9 - autos de origem).

A ré anexou o contrato de empréstimo, alegando que a contratação se deu por meio digital e que o documento foi assinado eletronicamente em 5/5/2021, conforme dispõe no rodapé do contrato (Evento 19, Contrato 5 - autos de origem).

Sobre tal modalidade de contratação (eletrônica), importante mencionar que o Código Civil não prevê forma específica para sua validade, prevalecendo a liberdade de forma, desde que respeitado a regra geral prevista no art. 104, que assim dispõe: "A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei".

A Instrução Normativa do INSS n. 28, de 16 de maio de 2008 prevê requisitos para a autorização do desconto. Vejamos:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte do RGPS e do BPC, de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de crédito consignado, concedidos por instituições consignatárias acordantes, desde que:

I - o crédito consignado seja realizado com instituição consignatária que tenha celebrado ACT com o INSS e contrato com a Dataprev, para esse fim;

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.

(...)

De outro norte, importante frisar a obrigatoriedade da instituição financeira em observar os direitos básicos do consumidor, dentre eles do dever de informação, disposto no art. 6°, inc. III, do CDC, além de não executar ou contratar serviços sem autorização expressa do consumidor, sob pena de prática abusiva (ex vi art. 39, VI, do CDC).

Nesse contexto, conclui-se que o contrato por meio eletrônico é válido, desde que pautado na regra do art. 104 do CC, além de haver expressa ciência e autorização do consumidor quanto ao seu conteúdo.

In casu, não há nos autos prova inconteste da ciência inequívoca do autor quanto a contratação, isso porque no rodapé do contrato há informação de que este foi assinado eletronicamente, mas não informa a assinatura digital (apta para conferência, com dados e geolocalização) ou até mesmo biometria fácil, tampouco houve a juntada de documentos pessoais e das tratativas havidas para a negociação, limitando-se a juntar o contrato (mero arquivo), sem comprovar a ligação com a autorização dos descontos no benefício previdenciário.

A simples juntada de contrato, sem validação da assinatura digital e sem comprovação mínima de que o consumidor tinha ciência dos termos e do que estava autorizando, não é apto para validar o negócio jurídico.

Ademais, em análise ao contrato, verifica-se que este foi realizado por intermédio de um correspondente, conforme consta no item IV, no qual possui o nome e CNPJ da empresa, cujo endereço está localizado na cidade de Porto Alegre/RS, conforme consulta no cadastro da Receita Federal (acesso em 6/7/2022: https://servicos.receita.fazenda.gov.br/servicos/cnpjreva/Cnpjreva_Comprovante.asp), e o autor reside em Chapecó/SC, o que corrobora com a assertiva de que este foi vítima de uma fraude.

Desse modo, analisando as provas anexadas, está caracterizada a responsabilidade objetiva da ré na contratação indevida. A respeito do assunto, o art. 14, caput, do CDC assim disciplina:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

É dever dos fornecedores de serviço resguardar a segurança...

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