Acórdão Nº 5016039-75.2022.8.24.0000 do Quarta Câmara Criminal, 02-06-2022

Número do processo5016039-75.2022.8.24.0000
Data02 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5016039-75.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

PACIENTE/IMPETRANTE: JEFFERSON ADEMIR CUSTODIO (Paciente do H.C) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: LUCAS ZENATTI (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da 2ª Vara da Comarca de Balneário Piçarras

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Lucas Zenatti, em favor de Jefferson Ademir Custodio, contra ato proferido pelo Juízo da 2ª Vara da comarca de Balneário Piçarras.

Pretende o impetrante, em apertada síntese, o reconhecimento da inépcia da denúncia em relação ao paciente, porquanto não preenchidos os requisitos legais, além de ficar constatada a ausência de justa causa, tendo em vista não existir elementos que possam vincular o paciente à prática de ilícitos penais ao que é narrado na denúncia, fazendo-se necessário, por consequência, o trancamento da ação pena deflagrada pela prática, em tese, dos delitos previstos no art. 1º, §1º, da Lei n. 12.850/2013 e no art. 313-A do Código Penal, por 69 (sessenta nove) vezes.

Solicitadas informações à autoridade apontada como coatora, esta as prestou (evento 16).

Remetidos os autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, esta, em parecer da lavra do Dr. Rui Arno Richter, opinou pela denegação da ordem (evento 20).

VOTO

O writ preenche os pressupostos de admissibilidade.

Analisando a exordial acusatória, além de tal peça identificar as partes, narrar os fatos de forma clara e objetiva, descreve adequadamente as condutas do paciente, atendendo aos requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.

Consta da denúncia (evento 1, DENÚNCIA 3):

Extrai-se do Inquérito Policial n.º 18.15.00001, que do ano de 2009 até o ano de 2014, no Município de Penha, os ora denunciados ADRIANO DE SOUZA vulgo "TIBECO", AUREA MÁRCIA DOS SANTOS PINHEIRO, CLAUDINEI RUDUITTE PRESSI, DÉBORA FERNANDA DO NASCIMENTO, ELOÍSE ALBANO, EVALDO EREDES DOS NAVEGANTES, EVANDRO EREDES DOS NAVEGANTES, MARIO GUARACI DE SOUZA, JEFERSON ADEMIR CUSTÓDIO, JESUEL FRANCICO CAPELA vulgo "JUJU", MAURÍCIO OLÍVIO BROCKVELD, MÔNICA MARIA DE SOUZA SIMÕES, NERI ANTÔNIO DOMICIANO, NILTON DJHONE SOARES, RAFAEL VILMAR MACIEL, REGINALDO WALTRICK e SIDNEI FRANCISCO, em comunhão de esforços, se associaram de forma estruturalmente ordenada, com divisão clara de tarefas, com o objetivo de obter vantagens de toda ordem, mediante a prática de crimes em face da Fé Pública (art. 2991 , § único2 , do CP Falsidade ideológica) e da Administração Pública (art.313-A3 , do CP Inserção de dados falsos em sistema de informações).

Para isso, o grupo se estruturou de modo a controlar não só o funcionamento do Departamento Municipal de Trânsito do Município de Penha DETRAPEN, como também da Comissão Julgadora da Junta Administrativa de Recursos de Infração JARI, tudo para ter sob seu domínio as etapas de análise dos Recursos Administrativos de Infrações de Trânsito, desde o protocolo inicial no DETRAPEN, passando pela análise dos Recursos Administrativos realizada pelos membros da Comissão da JARI, até finalmente o lançamento da decisão favorável no sistema de informática DETRANNET, sob a responsabilidade do Diretor do DETRAPEN, no que foi chamado pelos próprios agentes políticos envolvidos como a " Fábrica de Votos ".

Neste contexto, o modus operandi utilizado pelo grupo consistia basicamente em indicar qual recurso administrativo deveria ser deferido, já que nem todos o eram.

Assim, a simples indicação do nome do agente político solicitante na folha de Recurso, escrito à mão ainda que fora de qualquer contexto que a justificasse, servia como uma espécie de código, um aviso, para que o membro da Comissão da Jari responsável por sua análise e apreciação, na condição de Relator, proferisse mera decisão de deferimento, a qual era lançada na capa do Processo Administrativo sem qualquer motivação e embasamento técnico.

I . Do Delito de Organização Criminosa

O denunciado EVANDRO EREDES DOS NAVEGANTES, então Prefeito de Penha nos anos de 2009 a 2016, utilizou-se de sua condição de Chefe do Poder Executivo para nomear servidores públicos alinhados com o esquema criminoso para os cargos em comissão no Departamento de Trânsito do Município de Penha e na Comissão Julgadora da Junta Administrativa de Recursos de Infração JARI do Município de Penha.

Tais nomeações, que ocorreram do ano de 2009 a 2014, além de não atenderam a qualquer critério técnico, foram realizadas à margem da legislação pertinente, já que a composição da Comissão Julgadora da JARI, prevista na Lei Municipal nº 1.849, de 11 de junho de 2002, jamais foi respeitada em sua integralidade.

As nomeações feitas para os cargos em comissão, não só na JARI de Penha, mas também no DETRAPEN, tinham como propósito a contratação de pessoas alinhadas com o esquema criminoso, onde a expertise e o conhecimento técnico deram lugar ao apadrinhamento político.

Assim, coube ao denunciado MARI O GUARACI DE SOUZA, na condição de Vice-Prefeito, e aos também denunciados ADRI ANO DE SOUZA, AUREA MÁRCI A DOS SANTOS PI NHEI RO, CLAUDI NEI RUDUI TTE PRESSI , JEFERSON ADEMI R CUSTÓDI O e JESUEL FRANCI CO CAPELA, então Vereadores, endossar as nomeações feitas pelos ex-Prefeito EVANDRO durante os anos de 2009 a 2014, uma vez que igualmente beneficiários diretos do esquema criminoso.

Neste ponto, cabe observar que no caso dos denunciados EVANDRO EREDES DOS NAVEGANTES, MARI O GUARACI DE SOUZA, ADRI ANO DE SOUZA, ÁUREA MÁRCI A DOS SANTOS PI NHEI RO, CLAUDI NEI RUDUI TTE PRESSI , JEFERSON ADEMI R CUSTÓDI O e JESUEL FRANCI CO CAPELA, o objetivo era a obtenção de vantagens de toda ordem, notadamente a política, voltada a demonstrar à população em geral, força e influência política, além é claro, de futura vantagem eleitoral, já que os atos praticados de alguma forma visavam fidelizar e/ou influenciar o eleitor (condutorinfrator).

As denunciadas DÉBORA FERNANDA DO NASCIMENTO e ELOÍZE ALBANO, respectivamente, Secretária do ex-Vice-Prefeito MARIO GUARACI DE SOUZA e do ex-Prefeito EVANDRO EREDES DOS NAVEGANTES, serviram com interposta pessoa de seus superiores durante o período em que os secretariavam, tendo determinando em nome deles o deferimento de Recursos Administrativos de Infração de Trânsito.

Por sua vez os denunciados EVALDO EREDES DOS NAVEGANTES (2012-2013), MAURÍCIO OLÍVIO BROCKVELD (2011-2013), MÔNICA MARIA DE SOUZA SIMÕES (2011-2012), NERI ANTÔNIO DOMICIANO (2010-2011), RAFAEL VILMAR MACIEL (2012-2013), REGINALDO WALTRICK (2010-2011) e SIDNEI FRANCISCO (2011), nomeados para os cargos em comissão da JARI do Município de Penha, serviram como longa manus daqueles agentes políticos, já que na condição de relatores de Recursos Administrativos de Infração de Trânsito, preferiram diversas decisões ideologicamente falsas em benefício do esquema criminoso montado.

Já os denunciados MAURÍCIO OLÍVIO BROCKVELD (2012-2014) e NILTON DJHONE SOARES (2010-2012), quando Diretores do DETRAPEN, foram responsáveis por inserir as decisões ideologicamente falsas no sistema de informática do DETRAN de Santa Catarina DETRANNET, vez que o cargo de Diretor era o único na Administração Municipal com autorização de acesso ao sistema.

O objetivo dos denunciados DÉBORA FERNANDA DO NASCIMENTO, ELOÍZE ALBANO, EVALDO EREDES DOS NAVEGANTES, MAURÍCIO OLÍVIO BROCKVELD, MÔNICA MARIA DE SOUZA SIMÕES, NERI ANTÔNIO DOMICIANO, NILTON DJHONE SOARES, RAFAEL VILMAR MACIEL, REGINALDO WALTRICK e SIDNEI FRANCISCO, era o de se manter por mais tempo possível em seus cargos em comissão, na medida em que tal situação, dependia da vontade dos agentes políticos envolvidos no esquema, demonstrando de forma inequívoca a hierarquização da Organização Criminosa, na qual aqueles (agentes políticos) eram "CHEFES" e estes (servidores em cargos de comissão) "CHEFIADOS".

I I . Falsidade I deológica

O crime em comento foi realizado essencialmente pelos membros da Comissão da JARI, a quem cabiam a análise dos Recursos Administrativos interpostos.

Certo é que as decisões ideologicamente falsas proferidas pelos membros da JARI restaram cometidas a mando dos agentes políticos, já que beneficiários diretos da vantagem indevida.

Muito embora devessem analisar o Processo Administrativo com isenção, baseada em critérios técnicos e legais, restou comprovado que tudo não passava de um grande "faz de conta", em que todo e qualquer Recurso Administrativo, desde de que patrocinado por um dos agentes políticos, era aceito e deferido pelos membros da JARI envolvidos no esquema criminoso, apesar das grosseiras irregularidades de ordem formal e material que apresentavam.

Assim, o denunciado EVALDO EREDES DOS NAVEGANTES, como membro da Comissão Julgadora da JARI do Município de Penha, cumprindo com o seu papel dentro da Organização Criminosa, proferiu decisões ideologicamente falsas nos seguintes Processos:

Processo nº 143/ 2012 (fls. 2.273-2.279): restou aceito e deferido apesar das irregularidades formais (ausência da notificação) e materiais (razão recursal inconsistente: " Saindo de minha residência com minha esposa passando mal de saúde sendo transportada para o pronto atendimento motivo indicio parada cardiaca. Em que fiquei nervoso foi quando não coloquei o cinto de segurança nunca levei nada de infração a não ser por esse motivo de doença obrigado pelo período de defesa ");

Processo nº 148/ 2012 (fls. 2.104-2.110): restou aceito e deferido apesar das irregularidades formais (ausência da notificação) e materiais (folha de Recurso sem assinatura e sem data, e razão recursal inconsistente: " O proprietário nunca deixou de usar o cinto ");

Processo nº 154/ 2012 (fls. 2.0088-2.094): restou aceito e deferido apensar da irregularidade material (razão recursal inconsistente: " Caros membros da Jari não me recordo desta multa pois não fui parada e abordada por nenhum policial. O pedestre fez que iria atravessar a faixa, mas continuou a caminhar pela calçada. Pelo fato da não abordagem peço deferimento da mesma ");

Processo nº 161/ 2012...

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