Acórdão Nº 5016133-71.2020.8.24.0039 do Segunda Câmara Criminal, 16-11-2021

Número do processo5016133-71.2020.8.24.0039
Data16 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5016133-71.2020.8.24.0039/SC

RELATORA: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: NATANAEL CLEMENTE ALVES (ACUSADO) ADVOGADO: PATRICK DE OLIVEIRA ZANDONOTO (OAB SC043331) INTERESSADO: JEAN ANDREI DE SOUSA (INTERESSADO) INTERESSADO: ALEX SANDRO SOUZA JUNIOR (INTERESSADO) INTERESSADO: BUIU (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Denúncia (Evento 1 dos autos originários): o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Natanael Clemente Alves, nos autos n. 5016133-71.2020.8.24.0039, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I (torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido), c/c artigo 14, inciso II, e art. 61, inciso I, todos do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

No dia 17 de setembro de 2020, por volta das 15h15min, a vítima Alex Sandro Souza Júnior se dirigiu até a residência do denunciado, que fica localizada na avenida Manoel Antunes Pessoa, s/n°, bairro Penha, nesta municipalidade, para acertos de contas sobre dívida contraída preteritamente com ele relativa à aquisição de drogas, em comércio ilícito.

Ocorre que, lá chegando, a vítima foi surpreendida pelo denunciado, uma vez que esse, negando-se a receber o pagamento e irresignado com a dívida, no intuito de se vingar e agindo com manifesto animus necandi, assim que a avistou, apossou-se de uma faca e, inopidamente, desferiu inúmeros golpes (no mínimo, 5 [cinco]) em seu desfavor, produzindo-lhe as lesões corporais descritas no laudo pericial que segue em anexo.

Não obstante, a vítima conseguiu se desvencilhar do denunciado e sair em disparada do local.

De tal modo, o denunciado deu início a uma prática homicida que somente não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, quais sejam, o fato dos golpes não terem atingido regiões vitais do corpo da vítima, por essa ter conseguido se defender e sair em disparada, assim como o pronto e eficiente atendimento médico prestado em favor dela.

Merece ser frisado que, investindo contra Alex Sandro Souza Júnior em virtude de vingança por acerto de dívidas de aquisição de entorpecentes, e não tendo o ofendido motivo para esperar tamanha agressão naquele momento, até porque estava se dirigindo ao local para efetuar o pagamento, o denunciado agiu por motivo torpe e utilizou-se de recurso que dificultou sua defesa.

Ainda, que o denunciado é reincidente em crime doloso, conforme comprovam as certidões juntadas no evento 3.

Sentença de pronúncia (Evento 245 dos autos originários): O Juiz de Direito de Primeiro Grau julgou admissível a denúncia e pronunciou Natanael Clemente Alves, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I (torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido), c/c artigo 14, inciso II, ambos do Estatuto Repressivo Penal, para ser submetido a julgamento pelo Tribunal de Júri da comarca de Lages.

Recurso em sentido estrito de Natanael Clemente Alves (Evento 258 dos autos originários): em suas razões, o recorrente requereu a absolvição sumária alegando que as provas colhidas durante a fase instrutória não foram suficientes para comprovar o animus necandi do acusado, notadamente diante da manifesta presença da excludente da ilicitude da legítima defesa (art. 25, do Código Penal).

Subsidiariamente, postulou seja desclassificado o crime imputado para o do tipo penal previsto no art. 129, caput, do Código Penal, haja vista a ausência de provas quanto à intenção homicida do insurgente.

Por fim, pugnou pelo afastamento das qualificadoras do motivo torpe e do recurso que dificultou a defesa da vítima por entender que ambas não restaram configuradas nos autos.

Contrarrazões do Ministério Público (Evento 265 do presente feito): a acusação impugnou as razões recursais e postulou pela manutenção da sentença de pronúncia na íntegra.

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça (Evento 18 do presente feito): o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Dr. Genivaldo da Silva opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por Natanael Clemente Alves, contra a sentença que o pronunciou como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I (torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido), c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, submetendo-o a julgamento pelo Tribunal de Júri.

1. Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual é conhecido.

2. Do mérito

Em suas razões, a defesa requereu a absolvição sumária, sustentando a tese da excludente da ilicitude da legítima defesa (art. 25, do Código Penal).

Em caráter subsidiário, pugnou pela desclassificação do delito de homicídio qualificado tentado para lesão corporal, por entender que não restou evidenciado o animus necandi, ou seja, o dolo do agente em atentar contra a vida da vítima.

Por derradeiro, pleiteou o afastamento das qualificadoras do motivo torpe e do recurso que dificultou a defesa da vítima.

Razão não lhe assiste.

Inicialmente, convém ressaltar que o art. 413 do Código de Processo Penal dispõe que "O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação".

Salienta-se, outrossim, que o disposto no art. 413 do Código de Processo Penal estipula que o magistrado ao efetuar a sentença de pronúncia, deve estar convencido acerca da materialidade do crime, bem como sobre os indícios de autoria deste.

Sobre o tema, colhe-se da doutrina de Fernando da Costa Tourinho Filho:

Dês que haja prova da materialidade do fato e indícios suficientes de que o réu foi o seu autor, deve o Juiz pronunciá-lo. A pronúncia é decisão de natureza processual (mesmo porque não faz coisa julgada), em que o Juiz, convencido da existência do crime, bem como de que o réu foi seu autor (e procura demonstrá-lo em sua decisão), reconhece a competência do Tribunal do Júri para proferir o julgamento (Código de processo penal comentado. Saraiva. 14 ed. São Paulo, 2012. v. 2, p. 80).

Ainda, destaca-se a lição de Hermínio Alberto Marques Porto:

A classificação penal apresentada pela petição inicial deve merecer da pronúncia aprofundado estudo. O Juiz da pronúncia, aceitando ou afastando em parte o quadro classificatório debatido, dará os motivos de acolhimento e de repulsa. Na fundamentação, a valoração das provas, envolvendo indícios de autoria relacionados com a culpabilidade, é expressada nos limites de uma verificação não aprofundada, mas eficiente à formalização de um esquema classificador. Nem só ao rebater os argumentos das partes, como ao oferecer o seu convencimento, o Juiz na pronúncia, para não ultrapassar o permissivo à decisão interlocutória de encaminhamento da imputação, e para não influir, indevidamente, no espírito dos jurados, deve ter o comedimento das expressões, para que não sejam ultrapassados os limites de decisão marcantemente de efeitos processuais. Somente assim receberão os jurados a pronúncia, como uma esquematizada formulação de fontes do questionário, não como decisão que tenha por afastadas, porque absolutamente inviáveis, a absolvição, a impronúncia, a desclassificação, possíveis na fase em que foi proferida, e também como soluções que podem inspirar a decisão do Conselho de Sentença; assim, a decisão de pronúncia tem somente por admissível a acusação, sem sobre ela projetar um definitivo juízo de mérito" (Júri: procedimentos e aspectos do julgamento. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 75).

No mesmo sentido, tem-se o ensinamento de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alecar:

[...] Se, de plano, o juiz vê que não há possibilidade de condenação válida, mecê da insuficiência probatória, não deverá pronunciar o acusado. É o que dispõe explicitamente o art. 414, CPP, ao dizer que "não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado", ressalvando que, "enquanto não ocorrer extinção da punibilidade poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova " (parágrafo único). Nota-se que vigora, nesta fase, a regra do in dubio pro societate: existindo possibilidade de se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao acusado, o juiz deve admitir a acusação, assegurando o cumprimento da Constituição, que reservou a competência para o julgamento de delitos dessa espécie para o tribunal popular (Távora, Nestor. Alencar, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal, 10ª ed. Rev. E ampl., Juspodivm, Salvador, 2015. p. 1128).

O Superior Tribunal de Justiça não destoa:

A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo exigido tão somente a certeza da materialidade do crime e indícios suficientes de sua autoria. Nesta fase processual, de acordo com o art. 413 do Código de Processo Penal, qualquer dúvida razoável deve ser resolvida em favor da sociedade, remetendo-se o caso à apreciação do seu juiz natural, o Tribunal do Júri (HC n. 223.973, Mina. Marilza Maynard - convocada do TJSE, j. 27-6-2014).

Esta Corte segue o mesmo entendimento:

A pronúncia é mero juízo de admissibilidade; certa a existência do crime, toda e qualquer discussão que se distancie dos indícios da autoria (CPP, art. 408), deve ser feita perante o Tribunal do Júri. A liminar absolvição, portanto, em sede provisional, exige cabal demonstração da excludente de criminalidade ou causa de isenção, sem o que não pode ser admitida' (Recurso criminal n. 03.018784-7, de Itaiópolis, rel. Des. Irineu João da Silva)" (Recurso Criminal n. 2015.029774-0, Des. Jorge Schaefer Martins, j. 2-7-2015).

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO, FURTO QUALIFICADO TENTADO E COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. DECISÃO DE IMPRONÚNCIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO...

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