Acórdão Nº 5016742-92.2023.8.24.0930 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 26-10-2023

Número do processo5016742-92.2023.8.24.0930
Data26 Outubro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5016742-92.2023.8.24.0930/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: BANCO PAN S.A. (RÉU) APELADO: VALDECIR GOLO (AUTOR)


RELATÓRIO


Banco Pan S/A interpôs recurso de apelação cível em face da sentença pelo juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor Valdecir Golo na "ação declaratória de nulidade de contrato cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais", nos seguintes termos (evento 15, autos do 1º grau):
VALDECIR GOLO ajuizou a presente "ação declaratória de nulidade de contrato c/c repetição do indébito c/c indenização por danos morais", contra BANCO PAN S.A., ambos qualificados nos autos.
Alegou a parte autora que, na condição de beneficiária do INSS, realizou empréstimo consignado com a instituição ré, todavia, foi surpreendida com um desconto diferenciado em seus proventos, denominado "Empréstimo RMC", o qual resultava em baixa mensal no valor do seu benefício previdenciário.
Aduziu que tal modalidade contratual (empréstimo consignado via cartão de crédito) jamais foi solicitada, tampouco utilizou-se de qualquer cartão fornecido pelo Réu para esta finalidade, tendo sido induzido a erro, motivo pelo qual ajuizou a presente demanda.
Diante disso, requereu: a) a declaração de nulidade do negócio jurídico; b) subsidiariamente, a conversão do contrato de Reserva de Margem Consignada em Empréstimo Consignado; c) a condenação do réu ao pagamento de danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais); d) a concessão do benefício da justiça gratuita; e) a inversão do ônus da prova. Valorou a causa e juntou documentos (evento 1).
Foi concedida a gratuidade da justiça e determinada a citação do requerido para que apresentasse resposta e trouxesse o instrumento contratual objeto dos autos (evento 4).
Citado (evento 10), o réu apresentou contestação (evento 11), em que alegou, preliminarmente: 1) a falta de interesse de agir; 2) a inépcia da inicial; 3) a procuração para foro geral; 4) a impugnação à justiça gratuita. No mérito, se contrapôs aos argumentos trazidos pela parte autora, sustentando que a demandante anuiu expressamente com o contrato de cartão de crédito consignado e seus termos, bem como com o cartão de crédito consignado, não tendo que se falar em ilegalidade da contratação; que a autora utilizou dos serviços do cartão de crédito na realização de "saque autorizado"; expedição de ofício para provar que não possuía limite para empréstimo consignado à época da contratação; a inexistência de danos morais; o descabimento da repetição de indébito; a condenação da parte autora em litigância de má-fé; a necessidade de devolução, pela parte autora, dos créditos por ela recebidos ou a compensação com o valor da condenação, na hipótese de ser reconhecida a inexistência do contrato. Por fim, pugnou a total improcedência dos pedidos, com a condenação da autora ao pagamento das verbas sucumbenciais. Juntou documentos.
A parte autora apresentou réplica (evento 12), na qual impugnou os argumentos trazidos em defesa e ratificou o já exposto em sede de inicial.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Fundamento e decido.
O feito comporta julgamento antecipado do mérito, conforme o artigo 355, I, do CPC, pois a questão não demanda produção de provas em audiência, sendo suficientes para o deslinde do caso as provas documentais já acostadas aos autos.
Tal situação não importa cerceamento de defesa, tendo em vista que para o deslinde da controvérsia a produção de prova oral torna-se prescindível.
Nesse sentido, os princípios da livre admissibilidade da prova e da persuasão racional autorizam o julgador a determinar as provas que repute necessárias ao deslinde da controvérsia.
Ainda, o juiz tem o poder-dever de julgar a lide antecipadamente, quando constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir o seu entendimento. (STJ, AgRg no AREsp 177142/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, j. 12.08.14).
Das Preliminares
Da aplicação da tese provisória do IRDR Nº 5040370-24.2022.8.24.0000
O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (GRUPO CIVIL/COMERCIAL) Nº 5040370-24.2022.8.24.0000/SC, em que pese ter fixado tese provisória no sentido de que a invalidação do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável em benefício previdenciário não caracteriza, por si só, o dano moral in re ipsa, não houve determinação de suspensão dos processos em trâmite que tratem de idêntica questão.
Por outro lado, é certo que a tese nesse sentido, fixada em IRDR, ainda é provisória e, por isso, ainda sem efeito vinculante, de modo que cada questão controvertida comportará análise individualizada de acordo com as suas particularidades, o que tem sido feito por este juízo, ao analisar cada contrato e caso concreto para verificar a ocorrência ou não do dano moral.
A propósito em caso análogo:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Declinada a competência para o Colégio Recursal do juízo de origem, com ulterior redistribuição para uma das Varas do Juizado Especial da Fazenda Pública, porque o valor da causa, dividido pelo número de autores, não ultrapassa o valor de alçada de sessenta salários mínimos. Tese nesse sentido, fixada em IRDR, ainda é provisória e por isso ainda sem efeito vinculante, mas como não foi determinada a suspensão dos processos que tratam dessa questão, continua tendo que ser decidida caso a caso, de modo que foi aplicada, não uma tese provisória e ainda sem efeito vinculante, mas um entendimento sobre a questão, que é o mesmo da referida tese provisória e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Para tal acréscimo, são acolhidos os embargos, mas sem efeito modificativo. (TJSP; Embargos de Declaração Cível 1030806-51.2014.8.26.0053; Relator (a): Edson Ferreira; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 11ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/08/2019; Data de Registro: 27/08/2019).
Assim, afasto a prefacial.
Impugnação à Justiça Gratuita
O autor comprovou ter como renda mensal líquida inferior a 4 salários mínimos, razão pela qual sua hipossuficiência é evidente, não tendo o réu, de outro lado, carreado qualquer prova da capacidade financeira do autor.
A Corte Catarinense, a contrario sensu, decidiu:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ANULABILIDADE DE CLÁUSULA PACTUADA EM ACORDO DE DIVÓRCIO. DECISÃO AGRAVADA QUE INDEFERIU A JUSTIÇA GRATUITA À REQUERIDA. RECURSO DA DEMANDADA. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM DESPESAS PROCESSUAIS SEM PREJUÍZO DE SUSTENTO PRÓPRIO. TESE REPELIDA. ACERVO DOCUMENTAL QUE INDICA PERCEBIMENTO DE RENDA SUPERIOR À 4 SALÁRIOS MÍNIMOS. GASTOS MENSAIS COMPROVADOS QUE NÃO INDICAM CARÊNCIA FINANCEIRA. INVIABILIDADE DE CONCESSÃO DA BENESSE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4023951-48.2019.8.24.0000, de Balneário Camboriú, rel. Des. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 21-05-2020).
Logo, rejeito a impugnação.
Do interesse de agir
O(a) advogado(a) do(a) mutuário(a) juntou procuração ad judicia, devidamente assinada (evento 1 - PROC 2), cuja autenticidade não foi impugnada, razão pela qual predomina a presunção de que o autor tem conhecimento da existência da presente ação judicial.
Sendo assim, rejeito o pleito.
Da procuração para foro geral
O autor anexou procuração válida em nome do advogado com os poderes necessários para presente processual (evento 1 procuração 2).
Com efeito, afasto a prefacial.
Inépcia da Inicial
O autor anexou o Histórico de Créditos (ev. 1, doc 7) e delimitou os pedidos sem controvérsia com os fatos narrados.
Portanto, afasto a preliminar.
Do mérito
Trata-se de ação declaratória e condenatória proposta por consumidor em face de instituição financeira fornecedora, fundada em vício de consentimento, visando à declaração de nulidade do negócio jurídico, bem como à reparação dos danos morais sofridos.
O cerne do presente conflito gravita em torno da análise da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, cuja concessão ocorre mediante reserva de margem consignável em benefício previdenciário, ou seja, a existência de vício de consentimento, uma vez que a parte autora afirma que sua intenção era contratar um empréstimo consignado, de modo que não foi informada pela ré acerca da modalidade do contrato firmado, sendo induzida a erro, e que jamais recebeu cartão algum para uso e por consequência lógica não realizou o desbloqueio do referido cartão. Ademais, alega que os encargos incidentes sobre o saldo devedor do cartão de crédito são abusivos, tornando a dívida impagável.
Dessa forma, a parte autora pugnou a declaração de nulidade da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável junto ao seu percebimento de previdência pública, com a consequente suspensão dos valores consignados do benefício de sua aposentadoria denominados "Empréstimo RMC", sendo condenado o réu ao pagamento de indenização por danos morais.
A instituição financeira ré, de outra banda, refutou os argumentos expendidos pela parte autora, defendendo a validade do pacto e dos descontos efetuados junto ao benefício previdenciário, visto que a contratante tinha plena ciência do objeto avençado, aderindo voluntariamente aos serviços de cartão de crédito consignado, de modo que plenamente válido o negócio jurídico firmado entre as partes litigantes. Pontuou, ainda, a ausência dos requisitos autorizadores da responsabilidade civil, além da inexistência de danos morais passíveis de indenização, ao passo que agiu no exercício regular de direito.
Primeiramente, é de se esclarecer que, em análise mais detida da celeuma e da jurisprudência pacificada atualmente no egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina sobre a questão, melhor exposta a seguir, esta subscritora...

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