Acórdão Nº 5016822-04.2021.8.24.0000 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 11-11-2021

Número do processo5016822-04.2021.8.24.0000
Data11 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5016822-04.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador MARIANO DO NASCIMENTO

AGRAVANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL AGRAVADO: INDUSTRIA E COMERCIO DE CALCADOS TANIA LTDA. (Em Recuperação Judicial)

RELATÓRIO

Caixa Econômica Federal interpôs agravo de instrumento da decisão que acolheu em parte a impugnação de crédito n. 5000400-59.2021.8.24.0062, oposta contra Indústria e Comércio de Calçados Tânia LTDA. - em recuperação judicial, "para determinar a retificação do valor do crédito desta, passando a constar como sendo R$ 656.603,83, mantendo-se-o na classe dos créditos quirografários" (evento 39).

Sustenta a agravante que há expressa previsão legal de afastamento dos efeitos da recuperação judicial de créditos garantidos por alienação fiduciária e que o simples fato de ter manejado ação de execução não pode ser interpretado como renúncia tácita à garantia. Alega que na execução n. 5000138-83.2018.4.04.7215 - movida em desfavor da agravada e de seus avalistas -, "jamais manifestou qualquer (sic) renúncia à garantia fiduciária conferida pela empresa quando da pactuação do contrato 20.3533.650.0000005/98". Requer a concessão de efeito suspensivo e, ao final, o provimento do recurso, "para declarar como extraconcursal o crédito da CEF no importe de R$ 656.603,83, oriundo do contrato n. 20.3533.650.0000005/98" (evento 1).

O pedido de efeito suspensivo foi indeferido (evento 7).

A agravada ofertou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do reclamo (evento 12).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Procuradora de Justiça Monika Pabst, pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 19).

É, no essencial, o relatório.

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento manejado contra decisão exarada na impugnação de crédito oposta por Caixa Econômica Federal em face de Indústria e Comércio de Calçados Tânia LTDA, para o fim de afastar dos efeitos da recuperação judicial os créditos de sua titularidade garantidos por alienação fiduciária.

A insurgência recursal repousa no fato de ter o juízo a quo acolhido a impugnação penas para retificar o valor do seu crédito para o importe de R$ 656.603,83, mantendo porém a sua sujeição aos efeitos da recuperação judicial na classe dos credores quirografários - apesar de garantido por alienação fiduciária -, sob o fundamento de que com o ajuizamento de ação de execução da integralidade do crédito, teria a instituição financeira agravante renunciado tacitamente à garantia (evento 39 da origem).

Em suas razões, a instituição financeira agravante defende que o ajuizamento da ação de execução de título extrajudicial não implica à renúncia das garantias, de modo que o seu crédito não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial porque garantido por alienação/cessão fiduciária. Com efeito, o cerne da questão cinge-se em aferir se o fato de ter a instituição financeira movido ação de execução em busca do crédito garantido por cessão/alienação fiduciária - e, portanto, excluído da recuperação judicial -, tem o condão de representar renúncia tácita às garantias do contrato, e, consequentemente, fazer com que seja reinserida na recuperação judicial na classe de credores quirografários.

De plano adianto que razão assiste à agravante.

Vislumbra-se dos documentos colacionados ao feito (evento 1, anexo 7 e 8), que o crédito em comento decorre do contrato de "empréstimo/financiamento PJ" com cédula de crédito bancário n. 20.3533.650.0000005/98, firmado entre as partes com garantia integral da dívida por meio de alienação fiduciária de maquinários e, assim, não se submete ao quadro geral de credores.

Isso porque de acordo com a Lei nº 11.101/2005 - que regula a recuperação judicial e extrajudicial, e a falência do empresário e da sociedade empresária - embora, via de regra, estejam sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, são contempladas exceções dentre as quais as previstas no seu § 3º, verbis:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

[...] § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. (grifei).

A propósito, leciona a doutrina:

Determinados créditos são imunes aos efeitos da recuperação judicial. Segundo o art. 49, § 3º da LREF, o credor titular da posição titular de bens móveis e imóveis não é afetado pelos efeitos modificativos da recuperação judicial, mantendo-se as condições originalmente contratadas (inclusive com a manutenção dos juros estipulados).

No sistema vigente podem ser objeto de alienação fiduciária tanto bens móveis e imóveis corpóreos, como máquinas, equipamentos, veículos terrenos e prédios, quanto bens móveis incorpóreos, entre eles direitos (v.g. recebíveis de cartão de crédito) e títulos de crédito (v.g. notas promissória, cheques, duplicatas, CDB, VGBL. Estes últimos são objeto da chamada "cessão fiduciária" (conhecida pelo mercado como "trava bancária") (SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de empresas e falências: teoria e prática na Lei n. 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2016. p. 246).

Como se vê, portanto, não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial os credores que ocupam posição de proprietários fiduciários de bens móveis, aí incluídos aqueles que possuem crédito garantido por alienação fiduciária e por cessão fiduciária de títulos de crédito.

A propósito, do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO FALIMENTAR. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA DE CRÉDITOS. NÃO SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DO DEVEDOR-CEDENTE. REGISTRO NO CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS. DESNECESSIDADE. [...] 3 - A alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou títulos de créditos não estão submetidas aos efeitos da recuperação judicial (inteligência do art. 49, § 3º, da Lei 11.101/05). Precedentes. [...] (REsp 1592647/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 28/11/2017)(grifei).

No caso sub judice, equivocou-se o juízo a quo acolher parcialmente a impugnação, no ponto em que modificou a classificação dos créditos da agravante para a classe dos créditos quirografários, de modo a sujeitá-lo aos efeitos da recuperação judicial da devedora, sob o fundamento de que o credor, ao fazer opção pela execução da dívida não renuncia ao seu direito de crédito, mas perde a proteção legal conferida aos credores fiduciários no § 3º, do art. 49, da Lei 11.101/2005.

A esse respeito, Fábio Ulhôa Coelho comenta que "a recuperação atinge, como regra, todos os credores ao tempo da impetração do benefício. Os credores cujos créditos se constituírem depois de o devedor ter ingressado em juízo com o pedido de recuperação judicial estão absolutamente excluídos dos efeitos deste. Quer dizer, não poderão ter os seus créditos alterados ou novados pelo Plano de Recuperação Judicial. Aliás, esses credores por terem contribuído com a tentativa de reerguimento da empresa em crise terão seus créditos reclassificados para cima, em caso de falência" (Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 180).

Ocorre que o ajuizamento da execução antes do pedido de recuperação não implica renúncia tácita à garantia fiduciária, pois, apesar de a tese arguida em defesa pela agravada ter respaldo em julgados do tribunal paulista, a lei expressamente exclui dos efeitos recuperacionais os créditos garantidos por alienação e cessão fiduciárias.

Além da intelecção de que a lei prevalece sobre a interpretação jurisprudencial...

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