Acórdão Nº 5016989-35.2020.8.24.0039 do Quinta Câmara Criminal, 16-12-2021

Número do processo5016989-35.2020.8.24.0039
Data16 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5016989-35.2020.8.24.0039/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: FELIPE OURIQUES VIEIRA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de FELIPE OURIQUES VIEIRA, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, conforme os seguintes fatos narrados na inicial acusatória (doc. 2 da ação penal):

"No dia 05 de outubro de 2020, por volta das 23h15min., durante o atendimento de uma ocorrência de furto, próximo a Igreja do bairro Itapuã, neste Município e Comarca de Lages-SC, a polícia militar obteve informações acerca de uma transação de substâncias entorpecentes entre o denunciado FELIPE OURIQUES VIEIRA e os usuários Guilherme Afonso Machado e Carlos Henrique de Souza.

Diante desses fatos, em face das informações obtidas, os agentes militares se deslocaram até a residência de FELIPE OURIQUES VIEIRA, situada na Rua das Camélias, n. 158, bairro Habitação, neste Município e Comarca de Lages-SC, momento em que, com auxílio do cão Sparta, constataram que este tinha em depósito, no interior do sofá, 02 [duas] pedras de 'cocaína', bem como em cima da geladeira, em um fundo falso, uma quantidade fracionada em pedras de 'cocaína', [pesando a quantidade da 'cocaína' apreendida, aproximadamente, 19 gramas], e 06g [seis] gramas de 'maconha', substâncias essas causadoras de dependência física e/ou psíquica, nos termos da Portaria n. 344/98, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, destinadas a narcotraficância nesta municipalidade.

Ademais, restou apreendido, ainda, o montante de de R$ 726,00 [setecentos e vinte e seis] em espécie, quantia percebida em razão da prática da narcotraficância; bem como uma balança de precisão, marca ASX, modelo GX, utilizada pelo denunciado FELIPE OURIQUES VIEIRA para pesagem de droga".

Defesa apresentada (doc. 25 da ação penal).

Em 16-3-2021, a denúncia foi recebida (doc. 30 da ação penal).

Durante a instrução, foram inquiridas duas testemunhas, bem como realizado o interrogatório (docs. 65 e 73 da ação penal).

Após as alegações finais (docs. 84 e 88 da ação penal), sobreveio sentença, cuja parte dispositiva segue parcialmente transcrita (doc. 89 da ação penal):

"1. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia (ev. 1) para CONDENAR FELIPE OURIQUES VIEIRA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 33, caput e §4º, da Lei n. 11.343/2006, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e pagamento de 375 (trezentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor mínimo legal. Fixo o regime semiaberto para o início do resgate da reprimenda.

A pena de multa deverá ser recolhida na forma do art. 50 do CP.

2. Em atendimento ao disposto nos artigos 387, §1º, e 316, parágrafo único, ambos do CPP, nego ao sentenciado o direito de aguardar em liberdade pelo julgamento de eventual recurso que porventura venha a ser interposto contra esta decisão. Isso porque sua prisão preventiva, nos presentes autos (ev. 103), foi decretada em razão do suposto envolvimento do sentenciado, por duas vezes, em crimes previstos na Lei n. 11.343/2003, durante a liberdade provisória concedida no momento da análise de sua prisão em flagrante (ev. 11, autos n. 5016924-40.2020.8.24.0039), o que evidencia a insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão aplicadas inicialmente.

Assim , ainda persistem os motivos que outrora ensejaram sua prisão preventiva (CPP, art. 312), notadamente a garantia da ordem pública.

[...]".

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu interpôs recurso de apelação (doc. 93 da ação penal).

Preliminarmente, postulou o reconhecimento da nulidade da prova apreendida, haja vista a violação de domicílio perpetrada. Assim, consequentemente, requereu a absolvição.

Aduziu, em suma, que os agentes policiais adentraram na sua casa, nada obstante inexistentes fundadas razões justificadas, nestes termos: "[...] é possível constatar que durante ambas as fases procedimentais a "justificativa" apresentada pelos milicianos para a mitigaVADOção da garantia constitucional de [Inviolabilidade do Domicílio], prevista no art. 5º, XI, da Constituição Federal, em horário noturno, ou seja, às 23h30min., consoante Boletim de Ocorrência Evento-1, dos autos de IPL, foram pautadas na procura de um (vídeo game) furtado, o qual não foi encontrado na posse do recorrente e muito menos no domicílio violado, bem como as ilações de que o Sr. Felipe ao ver a viatura policial correu para dentro da sua residência, foi desmentida pela Defesa frente ao exercício das garantias constitucionais da [Ampla Defesa e Contraditório], visto que o policial militar Avelino Amaral Campos Júnior responsável pela ocorrência confessa que primeiro entrou em uma outra casa e depois foi para casa do recorrente Felipe".

Ainda, alegou que "[...] foi possível extrair que os policias militares adentraram antes em uma residência diversa do recorrente Felipe, conforme relatado pelo policial Avelino, frente aos questionamentos da Defesa sob o crivo do contraditório, ficando evidente que os milicianos não visualizaram o Sr. Felipe na frente da residência, e muito menos que este correu para dentro desta no momento em que supostamente teria visualizado a viatura policial [...]".

Como também que: "[...] não há provas acerca da existência do dinheiro e da droga na posse de Carlos e/ou Guilherme [usuários], supostamente negociada, ausente também quaisquer mídias capturadas com a câmera acoplada na farda do Cabo Moser, acerca dos relatos informais prestados pelas testemunhas Carlos e Guilherme, visto que na delegacia os depoimentos dos milicianos não foram corroborados". Ainda, asseverou que: "[...] ambos milicianos afirmaram que cada guarnição possui uma câmera móvel acoplada na farda, e neste sentido o Soldado Avelino AFIRMOU que o comandante Cabo Moser estava com a câmera, mas em juízo o Cabo Moser relata em sentido contrário dizendo que não estava com a câmera, contrariando o seu próprio colega que compõe sua guarnição = (Cabo Moser e Soldado Avelino)".

No mérito, requereu a absolvição do crime imputado, em virtude da carência probatória acerca da autoria delitiva.

Nesse ponto, asseverou que "a "credibilidade da palavra dos agentes" nesta ação penal deve sim ser analisada com a máxima cautela, pois estes ora dizem que não conheciam o acusado e depois dizem que por nome, e por fim argumentam que estava sendo investigado pelo setor de inteligência e pela polícia civil, contudo nenhuma investigação formal ou qualquer documentação foi requerida pela Acusação neste sentido, e por derradeiro NADA foi aportado nos autos neste sentido, sendo assim os relatos confusos dos milicianos encontram-se totalmente isolados nos autos sob exame".

Subsidiariamente, insurgiu-se em relação à fração aplicada na terceira fase dosimétrica, no tocante à minorante do tráfico privilegiado. Aduziu que a natureza da droga não pode ser vetor para fixação da fração, "quando no caso concreto se tratar de apreensão de pequena quantidade de entorpecente". Assim, pediu a fixação do patamar máximo de diminuição de 2/3.

Ainda, pugnou pela fixação de regime inicial aberto. Nessa toada, alegou que "necessário ainda se faz a análise o período cumprido entre a data da prisão 05/05/2021 até o dia do julgamento, para fins de fixação do regime inicial com fulcro no art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal".

Também, pleiteou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e a restituição do valor apreendido (R$ 726,00).

Ao final, postulou a concessão do direito de recorrer em liberdade, "visto que a prisão preventiva impõe ao recorrente regime mais rigoroso ao que fora imposto no título judicial que lastreia a execução da pena".

Bem como, requereu o prequestionamento da "[...] matéria de direito, processual e constitucional ventilada pela Defesa técnica [art. 33, § 2º, alíneas "c", e art. 44, I, II e III, ambos do Código Penal, e previstas nos [arts. 157, 240, 241, 242, 243, 244 e 245, e art. 283, § 2º, art. 386, II, V, e VII, art. 387, § 1º, § 2º, todos do Código de Processo Penal e art. 5º, LVI, LVII, da Constituição Federal de 1988], e § 4º, do art. 33, da Lei 11.343/06. Vejamos: art. 5º, XI e LVI, da CF/88" (doc. 9 da apelação criminal).

Contrarrazões ministeriais apresentadas (doc. 12 da apelação criminal).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Excelentíssimo Senhor Doutor Raul Schaefer Filho, o qual se manifestou pelo conhecimento e provimento do apelo, "em face da irrefragabilidade da ilicitude das provas consubstanciadas à hipótese" (doc. 15 da apelação criminal).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANTONIO ZOLDAN DA VEIGA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1597601v23 e do código CRC 589b603c.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANTONIO ZOLDAN DA VEIGAData e Hora: 29/11/2021, às 16:52:11





Apelação Criminal Nº 5016989-35.2020.8.24.0039/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: FELIPE OURIQUES VIEIRA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

1. Violação domiciliar

A defesa sustentou a ocorrência de violação domiciliar no presente caso, haja vista que os agentes policiais adentraram na residência do acusado sem fundadas razões para tanto.

É consabido que "o crime de tráfico de drogas possui caráter permanente, e sua consumação se estende pelo tempo: o estado de flagrância perdura enquanto não cessar a conduta delitiva. Vale lembrar que o direito à inviolabilidade do domicílio não é absoluto, porquanto...

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