Acórdão Nº 5017200-33.2021.8.24.0008 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 03-05-2022

Número do processo5017200-33.2021.8.24.0008
Data03 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5017200-33.2021.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: ARLETE FLORENTINO PEREIRA (AUTOR) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Arlete Florentino Pereira interpôs Recurso de Apelação contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na Unidade Estadual de Direito Bancário que, nos autos da "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" proposta pelo ora Recorrente em face de Banco Cetelem S.A., julgou improcedentes as pretensões vertidas na exordial, cuja parte dispositiva restou vazada nos seguintes termos:

III - DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais formulados por ARLETE FLORENTINO contra BANCO CETELEM S.A., nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Em consequência, revogo os efeitos da tutela de urgência deferida.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, do CPC), cuja exigibilidade fica suspensa em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita (evento 4).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se.

Em caso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, em seguida, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

(Evento 19, autos de origem, grifos no original).

Em suas razões recursais a Requerente aduz, em síntese, que: a) "nunca sequer utilizou ou desbloqueou cartão algum, sendo, porém, descontado todos os meses de seu benefício valores referentes a empréstimo desta modalidade"; b) "a prática realizada pela ré induz o consumidor a acreditar ter realizado um empréstimo consignado "padrão", porém que os descontos realizados diretamente do benefício previdenciário da parte autora se limitam a pagar apenas os encargos do cartão supostamente utilizado, tornando, assim, a dívida impagável"; c) "jamais utilizou o cartão de crédito supostamente disponibilizado pelo Requerido, evidente que não havia qualquer interesse do consumidor em arcar com empréstimo via cartão de crédito, que possui juros absurdamente superiores ao empréstimo consignado, se não fosse para utilizar o referido cartão"; d) a prática é abusiva e configura venda casada; e) "Em que pese os inúmeros indícios apontados acima que demonstram que o contrato realizado entre as parte foi totalmente desvirtuado, verifica-se que a contrato apresentado pelo Requerido, que permite o desconto de débito oriundo de cartão de crédito diretamente no benefício previdenciário, é nulo, já que tal cláusula coloca a parte autora em exagerada desvantagem perante a instituição financeira, além de não preencher os requisitos legais."; e f) "Diante da falha na prestação do serviço do réu, o dano moral é claro em face da postura desrespeitosa e abusiva da empresa, da sensação de vergonha, impotência e revolta infligida ao cliente que, sem opção para solução do problema, é levada a buscar patrono e ingressar com demanda judicial a fim de ver atendido seu pleito.".

Empós, com contrarrazões (Evento 29), os autos ascenderam a este grau de jurisdição, sendo distribuídos a esta relatoria por sorteio na data de 7-3-22.

É o necessário escorço.

VOTO

Ab initio, gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em novembro de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.



1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

A Demandante ajuizou "ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, cumulada com obrigação de fazer, restituição de valores e compensação por danos morais" em face do Banco Cetelem S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado até o cancelamento dos descontos; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na exordial (Evento 19).

Brota do caderno processual ser incontroverso que as Partes firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto a Autora sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira, por sua vez, defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia de cartão de crédito consignado.

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao Consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Merece ênfase que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de Aposentados e Pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

Com efeito, a Demandante é aposentada por tempo de contribuição e detentora da benesse da gratuidade da justiça.

Do extrato de pagamento do benefício n. 165.931.296-2 (Evento 1, EXTR9), constato a existência de: (a) empréstimos consignados ativos; e (b) descontos a título de empréstimo sobre a RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito à Demandante e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

Também, deve ser destacado que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que o Consumidor efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

E isso porque não é lógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Aposentada realmente estava disposto a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Deve ser gizado que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que o Consumidor possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos acima destacados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que a Hipossuficiente tenha tido a real dimensão das implicações de tal contratação e condições de manifestar sua livre vontade ao assinar o contrato.

Ora, o Pergaminho Consumerista...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT