Acórdão Nº 5017388-96.2022.8.24.0038 do Segunda Câmara Criminal, 19-07-2022

Número do processo5017388-96.2022.8.24.0038
Data19 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5017388-96.2022.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVANTE) AGRAVADO: ALEXANDRE DE CAMPOS FERREIRA (AGRAVADO) ADVOGADO: RAFAELA FRANSOZI (OAB SC058400)

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução Penal interposto pelo Ministério Público, em face da decisão proferida pelo Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, ao deferir pedido de alteração da fração para progressão de regime do Apenado Alexandre de Campos Ferreira, em relação ao delito de tráfico de drogas, para 20%, por considerar que, diante das alterações promovidas pela Lei 13.964/19, a figura típica não pode ser equiparada a hedionda (Seq. 50 do PEP no SEEU).

Em suas Razões (Evento 1 dos autos de origem), o Agravante sustenta, em síntese, que a equiparação do delito de tráfico de entorpecentes ao rol dos crimes hediondos se dá pela própria Constituição Federal, não podendo ser afastada por alterações promovidas pela Lei 13.964/19.

Aponta, nesse sentido, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, bem como o entendimento unânime das Câmaras Criminais desta Corte de Justiça no sentido da manutenção da equiparação a hediondo do crime de tráfico de drogas.

Requer, assim, a reforma da decisão agravada "que afastou o caráter de equiparado a hediondo ao crime de tráfico de drogas" (Evento 1 dos autos de origem).

Apresentadas as Contrarrazões (Evento 5 do processo de origem), e mantida a Decisão por seus próprios fundamentos (Evento 7 daquele feito), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes, manifestou-se pelo conhecimento e provimento da insurgência (Evento 14).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Sustenta o Ministério Público, em síntese, que o delito de tráfico de entorpecentes possui natureza equiparada a hedionda por previsão constitucional, não sofrendo alteração pela Lei 13.964/2019.

O pleito, adianta-se, merece provimento. Vejamos.

Compulsando os autos de origem, observa-se que o reeducando Alexandre de Campos Ferreira atualmente cumpre pena privativa de liberdade de 22 (vinte e dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, pela prática de delitos previstos no art. 157, incisos I e II, do Código Penal, art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 10826/03, art. 35, caput, e art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, tendo cumprido, de acordo com as informações do PEP no SEEU, aproximadamente 20% da reprimenda imposta.

Ao analisar o pedido defensivo de afastamento da hediondez do delito de tráfico de drogas em razão das alterações promovidas pela Lei 13.964/19, o Magistrado de origem o deferiu pelos seguintes fundamentos (Seq. 50 do PEP no SEEU):

[...] No caso dos autos, o nó górdio da quaestio está na natureza do crime de tráfico (art.33, caput, da Lei n. 11.343/06), se equiparado ou não ao crime hediondo. E isso porque, conforme a resposta a ser dada, as frações para progressão de regime se alteram radicalmente.

Pois bem, segundo lembra Luciana Boiteux (Lemos, Clécio. et al. Drogas: uma nova perspectiva. São Paulo: IBCCRIM, 2014), "A partir da Constituição de 1988 constata-se um grande paradoxo na política criminal, pois ao mesmo tempo que houve grandes conquistas, como o reconhecimento de direitos e garantias individuais, inclusive dos presos, foram também previstos indicativos repressivos de grande impacto no texto constitucional, tal como os crimes hediondos, posteriormente definidos pela Lei (8.072/ 1990), ao qual o tráfico de drogas foi equiparado expressamente (...)" (pág.87).

Para a doutrinadora, cujo olhar crítico é necessário ressaltar, com o crescente encarceramento em razão do tráfico, há um aumento de gastos penitenciários e humanos, com maior número de pessoas submetidas a péssimas condições de vida carcerária, in verbis: "Trata-se de um custo muito alto arcado pelo Estado brasileiro, que vem demonstrando grandes dificuldades para melhorar as condições de suas prisões, o que já levou, inclusive, a denúncia perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com relação às terríveis condições da Penitenciária conhecida como 'Urso Branco', no Acre (...)"(pags.98-99).

Pontualmente, como anotado, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIII, estabeleceu que "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos."

Como se vê, a Constituição apenas apontou o tráfico como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Ela não o incluiu, porém, como crime hediondo, deixando em aberto a possibilidade de sua equiparação. Fosse contrária a intenção o constituinte teria feito constar expressamente a equiparação.

Destarte, foi apenas com a Lei dos Crimes Hediondos (8.072/1990), ainda em vigor, apesar de bastante alterada, que o crime de tráfico passou a ser considerado equiparado aos crimes hediondos, e isso pelas consequências idênticas a que restou incluído e não pela classificação, esta, até hoje inexistente.

O artigo 1º, da referida lei, aponta quais são os crimes considerados hediondos, como por exemplo o homicídio. No rol não está o tráfico de drogas, mas ele aparece, porém, expresso no caput do artigo 2º (Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de...), e o §2º o equipara, pelos efeitos: "A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal)."

Portanto, sem o artigo 2º, da Lei dos Crimes Hediondos, especificamente o seu 2º parágrafo, não haveria efeito algum e o crime de tráfico continuaria a ter status comum, inclusive e especialmente no respeitante à progressão de regime.

Entretanto, e essa a atual realidade, o dispositivo foi revogado pela Pacote Anticrime (Lei n.13.964/19). Independentemente da atecnia, contradição e ausência de fundamento científico, ao tratar da execução das penas, o referido diploma modificou o artigo 112 da Lei n.7.210/84 (Lei de Execução Penal), que assim passou a viger:

"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

§ 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes. .............................................................................................

§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

§ 6º O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente.

§ 7º O bom comportamento é readquirido após 1 (um) ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito.' (NR)"

Resta nítido, portanto, que o novo dispositivo em nenhum momento colocou o tráfico de drogas como equiparado ao crime hediondo, aliás, em nenhum momento o dispositivo se referiu ao tráfico de drogas, como até então toda a legislação vinha fazendo.

Certo é que há posicionamentos no sentido de que o atual artigo 112 da LEP se aplica ao tráfico de drogas , em uma interpretação mais flexível dos dispositivos legais.

Ocorre que, pelos princípios da legalidade e da proibição de indeterminação da lei penal (taxatividade da norma penal) (art. 5º, inciso XXXIX, da CF), não havendo mais na lei a especificação sobre quais seriam os crimes equiparados a hediondos, como antes do "Pacote Anticrime" acontecia, resta obstaculizada a...

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