Acórdão Nº 5017424-75.2021.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 18-08-2022

Número do processo5017424-75.2021.8.24.0038
Data18 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5017424-75.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: SANDRO LUIZ BUDAL (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Sandro Luiz Budal, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, inciso II da Lei n. 8.137/1990, por 10 (dez) vezes, na forma dos art. 71 do Código Penal, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (evento 1, Denúncia 3):

"O denunciado, na condição de procurador de 'DARCINO BUDAL O PINTOR ME', CNPJ n. 03.999.692/0001-11 e Inscrição Estadual n. 25.409.243-8, na época dos fatos estabelecida na Rua Fátima, n. 429, Bairro Fátima, em Joinville, atualmente cancelada por omissões de informações ao fisco, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 64.867,40 (sessenta e quatro mil oitocentos e sessenta e sete reais e quarenta centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, montante superior ao valor do capital social integralizado da empresa, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação por meio do PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório) quanto aos meses de apuração de dezembro de 2016 e janeiro, fevereiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2017, documentos geradores da Dívida Ativa n. 200001959738, inscrita em 29/04/2020.

É de se registrar que os débitos relacionados aos meses de apuração de dezembro de 2016 e janeiro, fevereiro e março de 2017 foram objetos do Parcelamento n. 001 (extrato anexo), o qual foi cancelado, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 30/05/2017 a 11/12/2017. E também os débitos referentes aos meses de dezembro de 2016 e janeiro, fevereiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2017 foram alvos dos Parcelamentos n. 002 e 003 (extratos anexos), os quais foram cancelados, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional nos períodos de 04/01/2018 a 04/07/2018 e 27/08/2019 a 22/01/2020, respectivamente, tudo conforme preceitua o §2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11."

Ocorreu a suspensão do processo em virtude da aceitação pelo acusado da proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério no dia 28.06.2021. Contudo, ante o não cumprimento de uma das condições impostas - efetuar o parcelamento do débito tributário que deu origem à ação penal -, revogou-se, no dia 03.03.2022, o benefício estampado no art. 89, § 3º, da Lei n. 9.099/95. (eventos 24 e 53).

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (evento 85):

"Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar Sandro Luiz Budal ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8.137/90, por 10 vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP).

Defiro ao acusado a gratuidade da justiça, isentando-o do pagamento das custas processuais.

Substituo a pena por restritiva de direito, nos termos da fundamentação. Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP), já que, para além da incompatibilidade da custódia com a reprimenda aplicada, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC nº 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca).

Inconformado, o acusado, por intermédio da Defensoria Pública interpôs recurso de apelação. Nas razões recursais defende a absolvição consubstanciada na atipicidade da conduta, nos moldes do art. 386, incisos II e III, do Código de Processo Penal: a) ante a impossibilidade da caracterização da figura do devedor contumaz; b) na insuficiência probatória em comprovar o dolo de apropriação; e c) por ausência da materialidade ao versar sobre mero inadimplemento fiscal. No mais, pugna pelo reconhecimento: d) da excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa diante da impossibilidade financeira em recolher os tributos; e) de crime único, com o afastamento da sistemática da continuidade delitiva (evento 100).

Em contrarrazões, o Ministério Público se manifestou pelo desprovimento do recurso (evento 104).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 9 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso.

1. De início, ao revés da interpretação dado pela defesa, o cerne da questão limita-se indagar acerca da contumácia do réu em sonegar o fisco, uma vez que, à luz do julgamento do RHC 163.334 do Supremo Tribunal Federal (julgado em 08.12.2019) a sonegação episódica não configura o crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/90.

Nessa ordem de ideias, referido julgado confirmou posição que já predominava nas Cortes superiores de que a apropriação indébita de ICMS configura delito, com fixação da tese de constitucionalidade do crime em comento.

Extraí-se que "o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990" (Rel. Min. Roberto Barroso).

Dito isso, publicado no dia 13.11.2020, a ementa do referido julgado assim dispôs:

DIREITO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. NÃO RECOLHIMENTO DO VALOR DE ICMS COBRADO DO ADQUIRENTE DA MERCADORIA OU SERVIÇO. TIPICIDADE.

1. O contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei no 8.137/1990.

2. Em primeiro lugar, uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, pois a lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos.

3. Em segundo lugar, uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta. De igual modo, do ponto de vista do direito comparado, constata-se não se tratar de excentricidade brasileira, pois se encontram tipos penais assemelhados em países como Itália, Portugal e EUA.

4. Em terceiro lugar, uma interpretação teleológica voltada à proteção da ordem tributária e uma interpretação atenta às consequências da decisão conduzem ao reconhecimento da tipicidade da conduta. Por um lado, a apropriação indébita do ICMS, o tributo mais sonegado do País, gera graves danos ao erário e à livre concorrência. Por outro lado, é virtualmente impossível que alguém seja preso por esse delito.

5. Impõe-se, porém, uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades.

6. A caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de "laranjas" no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc.

7. Recurso desprovido. [...]" - Grifou-se.

Observa-se, portanto, que o julgamento do RHC 163.344/SC pelo Supremo Tribunal Federal delimitou o tema acerca da classificação de devedor contumaz. Trouxe em seu bojo que o dolo de apropriação do infrator deve estar apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, aptas a determinar a intenção do agente em cometer o crime contra a ordem tributária.

Assim, dentre outros requisitos acima elencados, trouxe que, aquele que possui um inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos tributários e a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado, incide na figura de devedor contumaz.

No âmbito desta Corte, à luz da nova jurisprudência, esta Quinta Câmara Criminal compreendeu que a prática de 6 (seis) condutas distintas bastam à caracterização da sonegação reiterada, senão vejamos:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA PRATICADOS EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/1990 C/C ART. 71 DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DA DEFESA. ALEGADA A INÉPCIA DA INICIAL. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE TORNA PREJUDICADA A TESE. ADEMAIS, REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP VERIFICADOS. INICIAL QUE INDICA LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO ACERCA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DOS FATOS OBJETOS DA DENÚNCIA. PEÇA QUE APONTA A CONDIÇÃO DE SÓCIO ADMINSITRADOR OCUPADA PELO RÉU, OS VALORES DEVIDOS PELA EMPRESA QUE ADMINISTRAVA E AS DATAS EM QUE OCORRERAM OS FATOS. TESE AFASTADA.ADUZIDA A ATIPICIDADE DA CONDUTA. ACUSADO QUE DEIXOU DE RECOLHER ICMS PRÓPRIO, REGULARMENTE ESCRITURADO E DECLARADO. REPERCUSSÃO DO ICMS NO VALOR PAGO PELO CONSUMIDOR. TIPICIDADE DECORRENTE DA APROPRIAÇÃO...

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