Acórdão Nº 5017479-23.2021.8.24.0039 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 07-07-2022

Número do processo5017479-23.2021.8.24.0039
Data07 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5017479-23.2021.8.24.0039/SC

RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO

APELANTE: TEREZINHA DE JESUS FAGUNDES DOS SANTOS (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

TEREZINHA DE JESUS FAGUNDES DOS SANTOS e BANCO BMG S.A interpuseram recursos de apelação contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na "ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), inexistência de débito com tutela de urgência antecipada c/c restituição de indébito e indenização por dano moral" ajuizada pela primeira em desfavor da instituição financeira.

O dispositivo da sentença foi redigido nos seguintes termos (evento 21, SENT1):

Isso posto, nos autos nº 50174792320218240039, em que é parte autora TEREZINHA DE JESUS FAGUNDES DOS SANTOS, e RÉU BANCO BMG SA, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para:

1. Reconhecer a nulidade do contrato, com o cancelamento do cartão de crédito e liberação da margem consignável de cartão de crédito no benefício previdenciário do autor;

2. Determinar a migração do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável para empréstimo consignado "comum", com os juros remuneratórios de acordo com a tabela da taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil para o mês de assinatura do contrato (outubro/2018 - 25,11% a. a.), em tantas parcelas quantas se mostrarem necessárias para quitar o empréstimo, sendo que não existirão valores de parcelas devidos em favor do autor até que seja efetuada a quitação total do contrato;

3. O número de parcelas será fixado com base no primeiro valor descontado a título de reserva de margem consignável, podendo haver acréscimo de parcelas, observada a necessidade de quitação do empréstimo consignado;

4. Quitado o contrato de empréstimo, condeno o réu a restituição das parcelas quitadas a maior, de forma simples, corrigidos os valores pelo INPC desde o desconto e juros (1%) desde a citação.

Ante a sucumbência recíproca, CONDENO ambas as partes ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 86, caput, do CPC), estes fixados na forma do art. 85, § 8º, do CPC, em R$ 1.000,00, divididas as obrigações na proporção de 60% suportadas pela parte autora e 40% suportadas pela parte ré, observada, quanto à parte autora, a justiça gratuita já deferida.

Em suas razões recursais (evento 27, APELAÇÃO1), a instituição financeira apelante alegou, em síntese, ter firmado com a parte autora contrato de cartão de crédito consignado, "oportunidade em que originou a averbação da reserva de margem consignável e, consequentemente, os descontos". Defendeu que "divulgou todas as informações necessárias para a correta compreensão do produto que estava sendo adquirido". Salientou a impossibilidade de declaração de inexistência contratual e a legalidade do saque mediante uso do cartão de crédito, com fulcro na Lei n. 10.820/2003, com as alterações dadas pela Lei n. 13.172/2015. Explanou a diferença entre os contratos de cartão de crédito consignado e de empréstimo consignado. Afirmou, ainda inexistir dano moral a ser ressarcido, porquanto teria atuado em exercício regular de direito, pois decorrente de contratação válida. Pleiteou, subsidiariamente, a redução do quantum indenizatório. Por fim, requereu o afastamento da restituição dos valores em dobro e, subsidiariamente, a possibilidade de compensação das quantias reciprocamente devidas pelas partes.

A autora, por sua vez, em suas razões recusais (evento 34, APELAÇÃO1), defendeu que o banco não demonstrou, na ocasião da subscrição do contrato, inexistir margem de reserva em seu benefício previdenciário para contratação de empréstimo comum. Pleiteou, então, a reforma da sentença para que sejam julgados procedentes os pedidos exordiais na íntegra, "especialmente a fim de que seja declarado completamente nulo o contrato havido de forma ilegítima, extinguindo-se a relação jurídica entre as partes, condenando-se o banco apelado na repetição do indébito de forma dobrada [...]". Requereu, também, a condenação da casa bancária ao pagamento de indenização por danos morais, e a majoração dos honorários advocatícios, a título de verba honorária recursal.

Apenas o banco apresentou contrarrazões (evento 39, CONTRAZ1), pleiteando, ao final, a expedição de mandado de intimação à parte autora, para que informe se tem conhecimento do ajuizamento da ação, assim como seja designada audiência de instrução e julgamento para depoimento pessoal. E, em caso de negativa, a condenação do advogado por litigância de má-fé, além da comunicação à OAB e ao Ministério Público "para que apure os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica".

Ascenderam os autos a esta Corte.

VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com margem consignável (RMC) e de inexistência de débito com tutela de urgência antecipada c/c restituição do indébito e indenização por dano moral.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço parcialmente do recurso do banco réu e conheço integralmente do recurso da autora, conforme fundamentação a seguir. Saliento que a parte autora está dispensada do recolhimento do preparo recursal, na medida em que lhe foi concedido o benefício da justiça gratuita (evento 5, DESPADEC1).

I Pleito formulado em contrarrazões pelo banco

Em suas contrarrazões, a instituição financeira requereu a intimação da parte autora para que esta informe se detém conhecimento, ou não, acerca da presente ação. Pleiteou, ainda, a expedição de ofícios à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial, para apuração de "indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica", ao argumento de que a exordial sub examine se assemelha a de diversas outras ações ajuizadas "em lote" por advogados "captadores".

Os pedidos, contudo, não comportam guarida.

Isso, porque se revela inócua a intimação da autora para o fim pretendido, diante da procuração anexada ao feito (evento 1, PROC3), atestando a outorga de poderes aos causídicos.

Ad argumentandum tantum, como bem já decidiu esta Corte, em análise à idêntico pedido, "o próprio insurgente, caso entenda haver indícios de infrações e de tipos penais (o que, por ora, não se pode aferir à luz do que foi anexado), pode buscar diretamente as autoridades administrativamente ou o órgão de classe competentes, conforme o caso" (TJSC, Apelação n. 5008333-39.2021.8.24.0012, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Tulio Pinheiro, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 14-6-2022).

Rejeitados os pedidos, passa-se à análise do mérito recursal.

II Insurgências comuns às partes

1 Do contrato de cartão de crédito consignado

Inicialmente, necessário referir que a denominada "reserva de margem consignável" (RMC) é o "limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito" (art. 2º, XIII, da Instrução Normativa n. 28/INSS/PRES, de 16 de maio de 2008).

E tal desconto possui previsão legal, conforme disposto no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, com a redação dada pela Lei n. 13.172/2015:

Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.

[...]

§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (grifei).

No caso concreto, as partes firmaram o "termo de adesão cartão de crédito consignado emitido pelo Banco BMG S.A. e Autorização para desconto em folha de pagamento", na data de 17-10-2018 (evento 15, CONTR2).

Trata-se de contrato de cartão de crédito consignado, com reserva de margem consignável, que ensejou a averbação, no benefício previdenciário da parte autora, de um limite mínimo de R$ 47,40 (quarenta e sete reais e quarenta centavos) junto à RMC, conforme extrato juntado pela autora na inicial (evento 1, EXTR4).

Além disso, o comprovante de TED apresentado (evento 15, COMP6) comprova a efetivação do depósito do valor referente ao "saque complementar", no montante de R$ 1.390,00 (mil trezentos e noventa reais) em conta-corrente de titularidade da parte autora.

Assim, infere-se que houve a formalização de contrato entre as partes, bem como a liberação de valores referentes ao saque do cartão de crédito na conta-corrente da parte autora, no total de R$ 1.390,00 (mil trezentos e noventa reais).

Ressalta-se, no entanto, que a parte autora não nega ter celebrado contrato de empréstimo com o réu, o qual afirma ter pactuado (evento 1, INIC1 - fl. 2). A sua irresignação diz respeito à modalidade do empréstimo realizado, haja vista que sua intenção era contratar um empréstimo consignado "padrão", e não um empréstimo via "saque" em cartão de crédito, com reserva de margem consignada (RMC) de 5% (cinco por cento) de seu benefício, a qual somente abate parcela mínima da fatura do cartão.

Com efeito, ao que se infere das faturas juntadas pelo réu/apelado (evento 15, FATURA3), o pagamento mínimo da fatura - que é aquele descontado pela reserva de margem consignável - mal serve para abater os encargos...

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