Acórdão Nº 5017634-83.2021.8.24.0020 do Sétima Câmara de Direito Civil, 20-04-2023

Número do processo5017634-83.2021.8.24.0020
Data20 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5017634-83.2021.8.24.0020/SC



RELATOR: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR


APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU) ADVOGADO: PAULO EDUARDO SILVA RAMOS (OAB RS054014) APELADO: MARLENE BORGES LIMA (AUTOR) ADVOGADO: ESTHER ESPINDOLA CALDAS CAVALER (OAB SC029101)


RELATÓRIO


Trato de recurso de apelação interposto por Facta Financeira S/A - Crédito, Financiamento e Investimento contra a sentença que, nos autos de ação declaratória de inexistência de relação contratual c/c indenização por danos morais e materiais, julgou procedentes os pedidos formulados por Marlene Borges Lima em seu desfavor, nos termos assim sintetizados na parte dispositiva da decisão (evento 82):
Pelo exposto, e com base nos artigos 373 e 429, inciso II, ambos do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido e, em consequência,:
a) declaro a inexistência do débito que originou o desconto no benefício previdenciário do autor, tornando definitiva a tutela de urgência concedida ao evento 14;
b) condeno o réu a pagar ao autor a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, valor este corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora, tudo a partir desta data,
c) determino que o réu restitua de forma dobrada ao demandante os valores dele cobrados relativos a estas contratações, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora desde cada cobrança, o que deverá ser apurado em liquidação de sentença.
d) deverá o autor devolver de forma simples os valores depositados em sua conta bancária (R$ 834,94), sendo que, desde já, autorizo a compensação com os valores dos itens 'b' e 'c' deste dispositivo.
Condeno a parte ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, conforme art. 85 § 2° do CPC.
P.R.I
Em suas razões recursais (evento 90), a instituição financeira ré reforça as teses de defesa, alegando que comprovou a legítima contratação do empréstimo, de modo que agiu no exercício regular de direito.
Nesse cenário, pretende a reforma da sentença, para que seja a regularidade da sua conduta reconhecida, com o consequente afastamento das condenações por danos materiais e morais. Subsidiariamente, pleiteia a restituição simples das quantias e a minoração da verba compensatória, com a autorização para que haja a compensação dos valores. Por fim, pretende também a minoração da verba honorária sucumbencial arbitrada.
Com as contrarrazões (evento 98), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça e vieram conclusos para julgamento.
É o relatório

VOTO


1. ADMISSIBILIDADE
No tocante ao pleito da ré referente à compensação de valores, saliento que o recurso não pode ser conhecido por absoluta falta de interesse recursal, uma vez que a sentença já autorizou a medida.
Atendidos os demais requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à sua análise.
2. MÉRITO
2.1 falha na prestação do serviço
A controvérsia inicial cinge-se em verificar a (i)licitude dos descontos efetuados pelo banco réu no benefício previdenciário da autora, circunstância inconteste na lide.
A princípio, é importante ressaltar que se aplicam ao caso em tela as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, conforme acertadamente consignou o togado singular, uma vez que as partes envolvidas na demanda condizem com os conceitos de consumidor e fornecedor apontados, respectivamente, pelos arts. 2º e 3º do referido diploma legal.
Ao contrário do Código Civil, a Lei n. 8.078/90 optou pela responsabilidade objetiva, retirando a necessidade de comprovação do elemento subjetivo, em razão da manifesta vulnerabilidade do consumidor. Dessarte, basta que este comprove o dano e o nexo de causalidade com o serviço oferecido para que o fornecedor responda pelos prejuízos causados, ainda que não tenha incidido em uma das formas de culpa. A responsabilidade somente poderá ser afastada quando comprovada a inexistência de defeito no serviço ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Em análise dos substratos probatórios colacionados aos autos, verifico que a autora alegou não ter realizado a contratação que ocasionou os descontos em seu benefício previdenciário.
A fim de corroborar suas premissas, apresentou junto à inicial o mínimo que era de sua incumbência, carreando aos autos elementos que comprovam o fato constitutivo do seu direito.
Diante da impossibilidade em produzir prova de fato negativo, incumbia ao banco réu atestar a regularidade na cobrança da dívida, expondo causa que excluísse a sua responsabilidade (art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor) e apresentando, assim, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do requerente, nos moldes do art. 373, II, do Código de Processo Civil.
Constato que a instituição financeira requerida trouxe aos autos o contrato que teria sido supostamente assinado pela requerente (evento 22, contrato 17).
Todavia, a autor impugnou a veracidade da marca aposta no instrumento. E, assim sendo, consoante acertadamente fundamentou o togado singular, é pacificado o entendimento de que o ônus de comprovação de autenticidade de assinatura impugnada pelo consumidor é do fornecedor.
A respeito, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1846649, Tema 1.061, definiu que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. , 369 e 429, II)".
Sendo assim, coaduno com o entendimento do togado singular no tocante à declaração de ilicitude da cobrança, devendo a sentença ser mantida incólume no ponto.
2.2 DANOS MORAIS
A instituição financeira se insurge, também, contra a parte da sentença que reconheceu a existência de abalo anímico sofrido pela requerente em virtude dos descontos indevidos.
Pois bem.
É cediço que, conforme determina o art. 5º, X, da Constituição da República, "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
O Código Civil, em seu art. 186, preceitua que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" e, em razão disso, consoante prevê o art. 927 do mesmo diploma, "fica obrigado a repará-lo".
No mesmo diapasão, o art. 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, também dispôs acerca do assunto, asseverando que constitui direito básico do consumidor "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".
Como se sabe, as relações norteadas pelo diploma consumerista são disciplinadas pela responsabilidade civil objetiva, bastando que fique comprovado o dano sofrido pelo consumidor e o nexo de causalidade deste com o produto ou serviço oferecido pelo fornecedor para que sobrevenha a obrigação de indenizar.
No presente caso, resta analisar a (in)ocorrência do dano, uma vez que, não obstante a existência de entendimento contrário, esta Sétima Câmara de Direito Civil adota a tese de que o abalo anímico decorrente de desconto indevido em benefício previdenciário não é presumido.
E assim sendo, registro não ser qualquer melindre que se configura apto a justificar a compensação pecuniária a título de danos morais, sob pena de banalização do referido instituto, uma vez que a ofensa, muitas vezes, pode ser tão insignificante que sequer gere prejuízo imaterial.
O abalo anímico somente restará caracterizado quando houver uma ofensa aos direitos da personalidade da parte, em virtude da colocação deste diante de situação vexatória que chegue ao ponto de lhe perturbar o íntimo, intensificando a naturalidade dos fatos cotidianos, provocando fundadas aflições e angústias.
Nesse diapasão, leciona Antônio Jeová Santos:
Diante da possibilidade de um ganho fácil, pessoas se colocam como vítimas de danos morais e tudo fazem par lograr o intento principal, que é a indenização. [...] Ocorrem certas situações em que a primeira indagação do juiz quando tem contato com a demanda é a de saber até que ponto a vítima contribuiu para que o dano (ou suposta lesão) acontecesse? A moda do dano moral é tão rútila que, não raro, em qualquer petição inicial, embute-se pedido de indenização por dano moral, sem que exista a causa de pedir, ou fundamentos jurídicos do pedido. O requerimento é feito apenas para seduzir e impressionar a parte contrária. De outra banda, o suposto dano é tão insignificante, aquilo representou tão pouco no espírito ofendido, que não deveria estar no estrado judicial. De minimis non curat praetor. Já foi afirmado neste trabalho que para o dano moral subsistir é necessário que ele tenha algum substrato, certa magnitude. O simples enfado não configura o dano moral. (Dano moral indenizável. 5. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015. p. 87-88).
Na espécie, a parte ré realizou descontos indevidos no benefício previdenciário da autora a título de empréstimo não contratado. O valor dos descontos era de R$ 246,41, enquanto o valor da aposentadoria daquela alcançava a monta de R$ 1.100,00. Isto é, os débitos representavam quase 23% da remuneração da demandante.
Nesse contexto, entendo que a autora foi financeiramente prejudicada a ponto de experimentar abalo anímico indenizável.
No tocante à verba compensatória, é cediço que a lei não previu critérios legais específicos para a fixação desta, mas tão somente dispôs que "a indenização mede-se pela extensão do dano" (art. 944 do Código Civil), aspecto que deve ser aferido em cada caso.
Assim, diante da ausência de parâmetros, o montante ressarcitório deve ser arbitrado pelo magistrado de acordo com as peculiaridades da situação sob enfoque, levando em...

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