Acórdão Nº 5017815-64.2020.8.24.0038 do Quinta Câmara de Direito Civil, 09-09-2021

Número do processo5017815-64.2020.8.24.0038
Data09 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5017815-64.2020.8.24.0038/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5017815-64.2020.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA

APELANTE: UNITED AIRLINES, INC. (RÉU) ADVOGADO: ALFREDO ZUCCA NETO (OAB SP154694) APELADO: NATASCHA DOUAT HANNEGRAF (AUTOR) ADVOGADO: GILSON LISANDRO SCHELBAUER JUNIOR (OAB SC040523) APELADO: VITOR HENRIQUE KORTMANN (AUTOR) ADVOGADO: GILSON LISANDRO SCHELBAUER JUNIOR (OAB SC040523)

RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada por NATASCHA DOUAT HANNEGRAF e VITOR HENRIQUE KORTMANN em face de UNITED AIRLINES, INC., em andamento perante a 7ª Vara Cível da comarca de Joinville.

Adoto o relatório da sentença por refletir com fidelidade os atos processuais (evento 37):

Vitor Henrique Kortmann e Natascha Douat Hannegraf ajuizaram a presente ação indenizatória contra United Airlines Inc., todos qualificados, aduzindo, em síntese, que: a) no dia 16/11/2018, programaram uma viagem de férias aos Estados Unidos da América, com a agência Olimpiatur, de Joinville, com partida agendada para o dia 13/12/2018 e retorno para 24/12/2018; b) no dia da partida, que aconteceria às 19h30, no aeroporto de Curitiba/PR, houve atraso de cerca de 30 minutos para a chegada em Guarulhos/SP; c) chegaram ao aeroporto de Guarulhos às 21 horas; d) o voo com destino a Houston/EUA partiria às 23h30; e) após despacharem as bagatens, dirigiram-se à área de embarque internacional do Aeroporto de Guarulhos, por volta das 22 horas, e aguardaram em frente ao portão indicado; f) até às 23h30 ainda não havia iniciado o procedimento de embarque do voo UA 64; g) após mais de uma hora do horário agendado, ouviram, pelo sistema de comunicação do aeroporto, que o portão de embarque havia sido alterado para outro localizado no piso inferior; g) devido ao atraso, a companhia ré disponibilizou vouchers de alimentação para os passageiros e atribuiu o atraso aos comissários, que estariam vindo de outra viagem; h) por volta das 3 horas do dia 14, a requerida noticiou um novo atraso decorrente de problemas mecânicos na aeronave, razão pela qual o voo foi cancelado; i) a ré arcou com a sua estadia em hotel, bem como com o traslado; j) chegaram ao hotel, em São Bernardo do Campo/SP, apenas às 5 horas; k) a requerida informou que, às 17 horas daquele dia, um ônibus os buscaria no local para o voo reagendado para às 23h30 daquele mesmo dia; l) ocorre que o ônibus responsável pelo seu traslado ao aeroporto chegou apenas às 18h30; m) após o embarque, a aeronave demorou para decolar e, então, receberam o aviso de que ela teria que retornar ao pátio por conta de problemas mecânicos; n) por volta da 1h30, foram comunicados que o problema estava solucionado e partiriam para a pista; o) novamente, após alguns minutos, às 2h15, foi necessário o retorno para reparo no radar do avião; p) em discussão com a equipe de bordo, já que a maioria dos passageiros estava com temor da viagem em razão de todo o ocorrido, chegaram ao ponto em que uma comissária atravessou um carrinho de alimentação no corredor e disse que dali ninguém sairia; q) chegaram a acionar a polícia, que informou que a situação deveria ser resolvida pela equipe do aeroporto; r) depois de muita discussão, notaram que a tripulação da aeronave tentou criar uma situação para aparentar que o voo teria sido cancelado por culpa dos passageiros; s) por volta das 3h15 do dia 15, cerca de dez passageiros deixaram a aeronave; t) quando estavam retirando suas bagagens, os demais também deixaram o avião em razão do cancelamento da viagem; u) alguns vouchers de hospedagem e alimentação foram distribuídos; v) como não receberam o abono, acabaram custeando a sua hospedagem; w) em razão de todo o transtorno, sobretudo porque já haviam perdido dois dias das suas férias, contrataram voo com a empresa American Airlines, para o mesmo dia, às 23h59; x) como a aquisição foi feita no dia da partida, arcaram com o custo de R$ 26.269,28. Requereram, ao final, a condenação da ré ao pagamento de compensação por danos morais, no valor mínimo de R$ 20 mil para cada, bem como de indenização por danos materiais, no valor de R$ 24.494,89. Valoraram a causa em R$ 64.494,89 e juntaram documentos.

Recebida a petição inicial, foi deferido o pedido de inversão do ônus da prova, determinando-se a citação da parte ré.

A ré ofereceu contestação defendendo que: a) a discussão acerca de atraso de voo internacional deve ser analisada sob a ótica do Convenção de Montreal; b) o voo entre São Paulo e Chicago, contratado pelos autores, foi cancelado por conta de uma manutenção extra na aeronave, quando eles foram realocados para o voo "extra section" UA 2809, que não estava programado; c) referido voo também foi cancelado em razão de problemas mecânicos, quando os autores pugnaram pelo reembolso dos bilhetes, o que foi atendido, descartando a realocação para outro itinerário; d) qualquer defeito mecânico apresentado pelas aeronaves é avaliado diante de um grande risco, razão pela qual, pela segurança de seus passageiros, realizou os cancelamentos; e) a sua responsabilidade, portanto, não é objetiva, demandando da comprovação da culpa; f) em cumprimento à Resolução n. 400/16 da Anac, ofertou reacomodações aos seus passageiros e providenciou vouchers de alimentação, traslado e hospedagem; g) os autores não comprovaram os danos materiais que alegaram ter sofrido; h) o dano moral, no caso de cancelamento de voo, não pode ser presumido e necessita de comprovação; i) em razão dos prejuízos suportados pelas companhias aéreas em decorrência da pandemia, a eventual procedência do pedido deve ser pautada no bom senso e na prudência. Culminou por requerer a rejeição do pedido (Evento 16).

Houve réplica (Evento 22).

Determinada a especificação de provas (Evento 27), as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (Eventos 33 e 25).

Os autos vieram-me conclusos.

Sobreveio sentença de parcial procedência dos pedidos iniciais, constando em seu dispositivo:

Posto isso:

1. Julgo procedente o pedido formulado e, em consequência condeno a ré United Airlines Inc. a pagar aos autores Vitor Henrique Kortmann e Natascha Douat Hannegraf as seguintes verbas:

a) R$ 22.565,05, a título de indenização por danos materiais, corrigidos monetariamente pelo INPC a partir de 15/12/2018;

b) R$ 30 mil (R$ 15 mil para cada um), a título de compensação por danos morais, corrigidos monetariamente pelo INPC a partir deste arbitramento.

2. Os valores acima serão acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

3. A parte ré deverá arcar, também, com o pagamento das despesas processuais e honorários, que arbitro em 12% sobre o valor da condenação, tendo em vista o zeloso trabalho realizado em contraposição à simplicidade da causa, o que faço com fulcro no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

4. P.R.I.

5. Transitada em julgado esta sentença: a) verifique-se a regularidade do lançamento dos dados essenciais à cobrança despesas processuais (arts. 320 e 321, CNCGJ); b) promova-se o saneamento das providências pendentes de cumprimento; e, c) nada sendo requerido, arquivem-se os autos.

Insatisfeita, a requerida apelou (evento 47), sustentando que: a) os apelados desistiram do voo e que procedeu ao reembolso proporcional dos valores pagos pelos passageiros, para que pudessem adquirir novos bilhetes; b) tomou todas as providências necessárias na ocasião, realocando os passageiros no próximo voo, visando acima de tudo a segurança destes, além de ter fornecido assistência aos recorridos, sendo que esta foi negada por eles; c) os danos fixados em R$ 30.000,00 são desproporcionais; d) reembolsou a integralidade dos valores aos passageiros poucos dias após solicitado, sendo descabida a condenação em indenização por danos materiais no valor de R$ 22.656,05, vez que os autores estão se enriquecendo ilicitamente; e) as novas passagens adquiridas pelos requerentes partiram na mesma hora do voo ofertado pela United; f) deve ser afastada a indenização por danos morais ou, alternativamente, minorado o quantum fixado.

Requereu, assim, a reforma da sentença, julgando-se improcedentes os pedidos exordiais.

Os recorridos apresentaram contrarrazões (evento 54).

Os au8tos vieram conclusos para julgamento.

VOTO

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

De plano, cumpre consignar que a relação jurídica havida entre as partes é tipicamente de consumo, compreendendo-se os autores e a demandada os conceitos de consumidor e fornecedor estabelecidos, respectivamente, nos arts. e , do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Portanto, admite-se a aplicabilidade da lei consumerista ao caso.

Saliente-se que o Supremo Tribunal Federal, em recente julgado, firmou a seguinte tese: "Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor" (RE n. 636.331, representativo do tema 210: Limitação de indenização por danos decorrentes de extravio de bagagem com fundamento na Convenção de Varsóvia).

Não obstante, tal julgamento não nega aplicabilidade do CDC à espécie, já que a Convenção de Montreal é restrita à tarifação dos danos materiais, pois omissa quanto à responsabilidade pelos danos morais e também porque a fixação de um limite quantitativo não condiz com a natureza do bem jurídico tutelado. Portanto, no que se refere aos...

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