Acórdão Nº 5018318-51.2021.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 14-07-2022

Número do processo5018318-51.2021.8.24.0038
Data14 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5018318-51.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: GILBERTO DE SOUZA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

GILBERTO DE SOUZA interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Yhon Tostes, nos autos da ação declaratória de invalidade de negócio jurídico c/c restituição de valores, indenização por danos morais proposta contra BANCO BMG S.A, em curso perante o juízo da 1º Vara de Direito Bancário da Comarca de Joinville, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Trata-se de "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INVALIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES, INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA" ajuizada por GILBERTO DE SOUZA em face de BANCO BMG S.A.

A parte autora sustenta, em apertada síntese, que pretendia firmar com a instituição financeira ré um contrato de empréstimo consignado, porém, acabou contratando sem saber um cartão de crédito com reserva de margem consignada (RMC) em sua pensão/aposentadoria.

Afirma que jamais solicitou tal cartão de crédito e que sequer fez uso dele, tendo sido vítima de uma fraude.

Pleiteia, ao final, a declaração de nulidade da contratação do RMC e do cartão de crédito, a devolução dos valores descontados em seu benefício previdenciário sob a rubrica de RMC e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Decisão deferindo a justiça gratuita ao autor (evento 5).

Embora ausente a determinação de citação, a ré compareceu espontaneamente ao feito.

Contestação no evento 13, através da qual a instituição financeira ré sustenta que a parte autora realizou a contratação do RMC vinculado a cartão de crédito e, por isso, refutou integralmente os argumentos contidos na inicial e os pedidos nela formulados.

Réplica no evento 27.

Vieram os autos conclusos.

É a síntese do necessário. DECIDO:

DAS PRELIMINARES

a) Do interesse de agir

Quanto a carência da ação pela falta de interesse ad causam da autora, igualmente deve ser rechaçada. O interesse de agir relaciona-se a necessidade e a utilidade da demanda judicial para tutelar o direito nela perseguido.

Nesse sentido, o CPC/15 em seu art. 17 dispõe o seguinte: "Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade".

Relevante para a abordagem que ora se faz é a lição de Marcus Vinicius Rios Gonçalves sobre o interesse de agir:

"É constituído pelo binômio necessidade e adequação. Para que se tenha interesse é preciso que o provimento jurisdicional seja útil a quem o postula.

A propositura da ação será necessária quando indispensável para que o sujeito obtenha o bem desejado. Se o puder sem recorrer ao Judiciário, não terá interesse de agir. É o caso daquele que propõe ação de despejo, embora o inquilino proceda a desocupação voluntária do imóvel, ou do que cobra dívida que nem sequer estava vencida.

A adequação se refere à escolha do meio processual pertinente, que produza um resultado útil. A escolha inadequada da via processual torna inútil o provimento e enseja a extinção do processo sem resolução de mérito." (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo Curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral e processo de conhecimento (1ª parte). 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. evento 118). (Destaquei).

Sobre o tema, Medina aponta que:

"A ausência de legitimidade e interesse, indicados pelo art. 17 do CPC/2015 como requisitos da ação, conduz à prolação de decisão terminativa, que, na dicção do art. 485, VI do CPC/2015, não resolve o mérito". (MEDINA, José Miguel Garcia Medina. Direito processual civil moderno. Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, em e-book, 2016, capítulo I, 2.1.5.3, s/ p.).

In casu, intentou a autora com a demanda judicial para que fosse revisado o contrato celebrado com o Banco réu, sendo a via judicial meio útil e necessário para a tutela da pretensão postulada. Resta, portanto, afastada esta preliminar.

b) Da prescrição/decadência

Aduz a instituição financeira demandada que o pleito referente à revisão do contrato, devolução de valores e indenização por danos morais foi atingido pela prescrição, nos moldes do art. 206, § 3º, IV e V, do Código Civil, que prevê o prazo de 3 (três) anos.

No entanto, não merece guarida a prejudicial apresentada, tendo em vista que o art. 206, § 3º, IV e V, não se aplica a este processo, uma vez que a pretensão de revisão de contrato versa sobre direito pessoal, cujo prazo prescricional obedece à regra do art. 205 do CC/02. Neste ponto vale esclarecer que os pedidos de repetição do indébito e indenização por danos morais decorrem do pleito de revisão do contrato, portanto obedecem o mesmo prazo.

Mutatis mutandis, já decidiu o TJSC:

"Sustenta o apelante que está prescrito o direito de ação do apelado, eis que aplica-se o disposto no artigo 206, §3º, inciso IV, do CC, transcorrendo mais de 3 (três) anos, da data da assinatura do contrato e do ajuizamento da presente ação. Conforme se percebe do autos, o contrato foi firmado em 11/01/2006, ou seja, na vigência do novo Código Civil, pretendo o apelado a revisão das cláusulas contratuais. Como bem se observa da ação firmada, a mesma é de cunho pessoal, aplicando-se a ela, o lapso decenário, posto que diante da ausência de prazo prescricional específico para ações desta natureza, aplica-se a regra do artigo 205, do Código Civil." (Apelação Cível n. 2011.070423-6, de Abelardo Luz, rel. Des. Guilherme Nunes Born, j. em 19/03/2012)

Realmente, a mais percuciente lição pretoriana reza que "as ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, cujo prazo prescricional é decenal, conforme o art. 205 do Código Civil". (STJ, AgRg no Ag 1291146/MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 18.11.2010).

Com clareza solar, o Min. Sidnei Beneti expõe que "o prazo prescricional para as ações revisionais de contrato bancário, nas quais se pede o reconhecimento da existência de cláusulas contratuais abusivas e a conseqüente restituição das quantias pagas a maior, é vintenário (sob a égide do Código Civil de 1916) ou decenal (na vigência do novo Codex) pois fundadas em direito pessoal". (AgRg no REsp 1057248/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. em 26/04/2011).

Portanto, considerando que o contrato foi firmado em m 21/11/2016 e que ajuizada a ação em 30/04/2021, não há que se falar em prescrição, pois não transcorridos dez anos.

c) Da multiplicidade de processos

A hipótese suscitada pelo Banco réu se enquadra no inciso IX, do art. 337 do CPC, mais precisamente, a hipótese de defeito de representação ou falta de autorização.

Sobre o ônus da prova, dispõe o art. 373, II, do CPC que incumbe a parte ré quanto "à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor".

A concentração de um tipo de ação num escritório de advocacia não encontra vedação legal, mas tão somente a captação indevida de cliente, que é uma infração ético-disciplinar, não gerando mácula processual de per si.

Todavia, vale destacar que não é obrigação deste Juízo suspender o curso de uma ação com base em alegação perfunctória despida de maiores fundamentos, acrescido o fato que o próprio Banco réu tem o poder-dever ético e profissional, através de seus representantes legais, de se dirigirem a subseção da OAB e formalizarem as acusações que entenderem pertinentes perante o Conselho de Ética.

E, se acharem que há ocorrência de algo mais grave, caracterizador de figura típica penal, também devem se dirigir ao representante do Ministério Público ou Autoridade Policial competente, lembrando sempre que essa omissão pode ser considerada penalmente relevante (CP, art. 13, § 2º.), quando o agente assumir a responsabilidade de impedir o resultado. Se sabem e possuem documentação configuradora de crime, devem efetuar a comunicação as autoridades competentes criminais, não do cível.

Vale registrar, que há mais de dois mil anos os romanos já diziam que "allegatio et non probatio quasi non allegattio", ou seja, não basta simplesmente sair dizendo algo, mas há que se apresentar um mínimo de prova indiciária do que se está afirmando com a intenção de produzir algum resultado útil legalmente.

No caso, seria a juntada de documentos apontando a existência de ações da parte autora em outros foros de forma fraudulenta; a indicação precisa de como está sendo feita a captação indevida de clientes (num exercício de imaginação, podem ter sido irregularmente localizados até por alguma falha na proteção de dados individuais dos consumidores de serviços bancários da própria instituição financeira) ou apresentação de algo que indique que a parte autora efetivamente não tem o menor conhecimento da procuração outorgada e da ação em andamento.

O Judiciário não pode ser incitado à função de columbofilia, destarte, por completa ausência de prova da ocorrência de crime, rejeito o pedido de expedição de ofício a terceiros.

DO JULGAMENTO DE MÉRITO

Cuida-se de mais uma "ação de massa", qual seja, uma ação anulatória sobre a operação bancária conhecida por "reserva de margem consignada" (RMC), em que a parte autora sustenta de forma bastante genérica ter sido realizado o negócio jurídico eivado de vício de consentimento por não ter compreendido o pacto eis que é aposentada, idosa e acreditava estar diante de um singelo empréstimo consignado.

Se alguém duvida da escalada dos litígios dessa natureza basta verificar o número de novas ações envolvendo RMC, que só no último trimestre (mar/mai), na 1a. VDB, alcançaram quase 200 (duzentas) por mês, gerando um número total de entrada de novas ações de quase 600 (seiscentas), incluídas as redistribuídas (que giram em torno de 30/40 por mês). Isso deve implicar em repensar cautelosamente até mesmo o inovador projeto de estadualização das varas bancárias pois não temos estrutura para suportar tamanha quantidade de litígios, uma vez que os números previstos nos relevantes estudos que foram brilhantemente apresentados não comportavam essa mudança...

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