Acórdão Nº 5018637-98.2020.8.24.0023 do Quinta Câmara de Direito Público, 02-02-2021

Número do processo5018637-98.2020.8.24.0023
Data02 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5018637-98.2020.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador ARTUR JENICHEN FILHO


APELANTE: MARCOS BIANQUE ASSUMPCAO SANTOS (AUTOR) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) APELADO: FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SÓCIO ECONÔMICAS - FEPESE (RÉU)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de apelação interposto por Marcos Bianque Assumpção Santos contra sentença proferida pelo juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, assim relatada:
MARCOS BIANQUE ASSUMPCAO SANTOS ajuizou ação anulatória de ato administrativo com pedido de tutela de urgência em face da FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SÓCIO ECONÔMICAS - FEPESE e do ESTADO DE SANTA CATARINA objetivando o seguinte:
b) A concessão da medida liminar inaudita altera pars para afastar o ato administrativo ilegal que considerou correta as questões 31,56 e 66, fim de que seja atribuída a pontuação referente a essas questões e, ao final, sejam devidamente anuladas (e.1.1).
O pedido de tutela antecipada foi indeferido. Por outro lado, o pedido de gratuidade da justiça feito pelo autor foi deferido (e.3).
Interposto agravo de instrumento (e.8), o TJSC indeferiu a antecipação da tutela recursal (e.10).
Citados, os réus contestaram. A FEPESE defendeu o posicionamento adotado por si na correção da prova objetiva, bem assim que não seria dado ao Judiciário rever os critérios adotados pela banca examinadora. Ressaltou não ter ocorrido qualquer vício na correção, razão pela qual postulou pela improcedência dos pedidos iniciais (e.16.1). Já o Estado arguiu preliminares (ilegitimidade passiva e litisconsórcio passivo necessário) e, no mérito, defendeu que há vedação ao controle judicial das questões e critérios adotados em concurso público, devendo limitar-se aos casos teratológicos, e que inexistiu erro ou vício na correção da prova objetiva (e.18).
Não houve réplica (e.22).
O Ministério Público deixou de se manifestar, invocando o Ato PGJ/CGMP nº 103/04 (e.29).
Em arremate o douto magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos formulados pela parte autora.
O apelante, em suas razões recursais, reiterou o pedido de anulação das questões n. 31, 56 e 66 da prova objetiva.
Contrarrazões no Evento n. 47.
O representante do Ministério Público, Procurador de Justiça Dr. Plínio Cesar Moreira, se manifestou pelo conhecimento e parcialmente provimento do recurso de apelação a fim de declarar nula a questão n. 66 (Evento n. 7)

VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Acerca da temática, vale introduzir o entendimento geral desta Câmara acerca de anulações de questões em provas de concurso público:
1. Todo ato administrativo é passível de questionamento judicial: não há antecipado veto ao direito de ação (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Daí não se tira, porém, a aptidão do Poder Judiciário para se colocar na posição de administrador, como se fosse necessariamente mais sábio ou altruísta, censurando por mera valoração diferente do fato ou do direito as opções dos demais Poderes.
Além das lícitas escolhas que cabem notadamente ao Executivo no campo dos atos discricionários, há atos vinculados que não indicam antecipadamente uma solução unívoca, haja vista o emprego de conceitos juridicamente indeterminados.
A correção de uma prova de concurso público é missão administrativa. Não que exista potestatividade na outorga de notas. Trata-se de reconhecer que em campo sujeito a interpretações (notadamente em provas de concursos na área do direito) dificilmente se alcançarão respostas alheias a polêmicas.
Há necessidade de autocontenção do Judiciário, ou se trasladará para os tribunais a tarefa de fixação dos resultados em concursos públicos. Foi a posição assumida pelo STF, tal como se tornou notório.
Se é necessário impedir que assumamos a recorreção das provas (uma espécie de extensão da banca examinadora), fixando gabarito, identicamente se deve debitar à Administração a atribuição de conferir se as respostas estão rentes ao padrão previamente exposto.
A partir daí, existem fronteiras bem demarcadas em que a solução parece transparecer nítida pela necessidade de revisão. São situações nas quais a interpretação adotada pelo avaliador fuja de uma razoabilidade mínima, de um sentimento de justiça evidente. Outras, quando se verifica a cobrança de matéria não prevista na relação listada pelo edital, o qual, naturalmente, não ostenta papel figurativo e deve ser seguido na elaboração das provas.
Há, porém, casos em que não se pode afirmar que a banca tomou decisão manifestamente extravagante - aquelas deliberações desarrazoadas, que rumem para a teratologia. Nesses situações deve ser prestigiada a decisão encampada pela Administração. O ato administrativo, afinal, presume-se legítimo e não deve ser desacreditado como se fosse um obstáculo menor.
Essas, aliás, foram as bases firmadas pelo STF na repercussão geral conferida ao RE 632.853, de relatoria do Min. Gilmar Mendes. A tese fixada foi: "Os critérios adotados por banca examinadora de concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário". Os fundamentos, contudo, são melhores explicitados pelo teor dos votos, sinteticamente deduzido pelo Min. Fux (e que aparenta ter sido seguido pelos demais): "em todo caso, não compete ao Poder Judiciário interpretar a doutrina prevista no edital para avaliar o acerto das questões formuladas pela banca examinadora, reservando-se a anular questões evidentemente teratológicas ou flagrantemente incompatíveis com o conteúdo previsto no Edital".
A propósito, há de se obedecer estritamente à ideia que governou o julgamento realizado pelo STF. Não se pode, dito de outra forma, dizer que se está sendo rente àquela compreensão, mas simultaneamente criar tamanha abertura que vá de encontro à deliberação - à sua ratio decidendi, para usar de chavão.
Além disso, ao interferir em resultados de concurso fora dos estritos limites possíveis, não se estará apenas beneficiando um candidato, mas simultaneamente prejudicando outros.
There´s no such thing as a free lunch, notabilizou Milton Friedman. (A parábola leva em conta restaurantes que forneciam refeições gratuitas, mas salgadas. O lucro vinha da venda de bebidas!). Ao se prestigiar uma visão distinta, trazida a juízo por um candidato, estar-se-á simultaneamente prejudicando um outro, malgrado ele (o concorrente) tenha sido, sob os critérios de correção a todos aplicados, melhor posicionado no concurso.
Já decidimos assim nesta 5ª Câmara de Direito Público:
CONCURSO PÚBLICO - PROCURADOR DO ESTADO - PROVA OBJETIVA - ANULAÇÃO DE QUESTÃO - INVIABILIDADE - AUSÊNCIA DE FUGA DO EDITAL OU ERRO GROSSEIRO - LIMITES À ATUAÇÃO JUDICIAL - AUTOCONTENÇÃO.
Todo ato administrativo é passível de questionamento judicial: não há veto apriorístico ao direito de ação (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Daí não se tira, porém, a aptidão do Poder Judiciário para se colocar na posição de administrador, como se fosse necessariamente mais sábio ou altruísta, censurando por valoração diferente do fato ou do direito as opções dos demais Poderes.
Além das lícitas escolhas que cabem notadamente ao Executivo no campo dos atos discricionários, há atos vinculados que não indicam antecipadamente uma solução unívoca, haja vista o emprego de conceitos juridicamente indeterminados. A correção de uma prova de concurso público é missão administrativa. Não que exista potestatividade na outorga de notas. Trata-se de reconhecer que em campo sujeito a interpretações (notadamente em provas de concursos na área do direito) dificilmente se alcançarão respostas alheias a polêmicas.
Há necessidade de autocontenção do Judiciário, ou se trasladará para os tribunais a tarefa de fixação dos resultados dos certames. Foi a posição assumida pelo STF em repercussão geral, ainda que se possam ressalvar as avaliações quanto à fuga dos temas editalícios e os caminhos desarrazoados (que se aproximem da teratologia).
Se é necessário impedir que assumamos a recorreção das provas (uma espécie de extensão da banca examinadora), fixando gabarito, identicamente se deve debitar à Administração a atribuição de conferir se as respostas estão rentes ao padrão previamente exposto. "Não compete ao Judiciário, no controle...

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