Acórdão Nº 5018877-44.2020.8.24.0005 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 07-07-2022

Número do processo5018877-44.2020.8.24.0005
Data07 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5018877-44.2020.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: CARMES LURDES DA SILVA BRUM (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

CARMES LURDES DA SILVA BRUM e BANCO BMG S.A interpuseram recursos de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Osmar Mohr, nos autos da ação declaratória c/ indenizatíoria, em curso perante o juízo da Vara Regional de Direito Bancário da Comarca de Balneário Camboriú, que julgou procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

CARMES LURDES DA SILVA BRUM, devidamente qualificado(a) e representado(a) por procurador(a,es) habilitado(a,s), ajuizou contra BANCO BMG S.A, parte igualmente qualificada e representada, a presente ação declaratória de nulidade de contrato c/c repetição de indébito e indenização por danos morais, aduzindo, em síntese, que: I. percebe benefício previdenciário e sempre realizou empréstimos consignados junto às instituições financeiras mediante descontos mensais em seu benefício; II. constatou a existência de um desconto diferente, denominado "reserva de margem consignável" (RMC); III. buscando informação a respeito, obteve informação da instituição financeira ré que se tratava de um empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito/reserva de empréstimo cartão, o qual deu origem à constituição de "reserva de margem consignável" (RMC) no percentual de 5% (cinco por cento) sobre o seu benefício previdenciário; IV. nunca solicitou ou contratou essa modalidade de empréstimo consignado via cartão de crédito e jamais foi informada a respeito da constituição da "reserva de margem consignável" (RMC), porquanto requereu e autorizou apenas na modalidade "empréstimo consignado"; V. o desconto desse percentual decorreu de indução a erro, já que acreditava estar contratando empréstimo consignado, como sempre o fez, fato que acabou gerando uma "dívida eterna", porquanto deveria ser quitada pelo seu valor integral, bem como pela incidência de juros remuneratórios em percentual superior ao de empréstimo consignado em folha de pagamento; VI. a contratação dessa modalidade de empréstimo consignado e a respectiva constituição da "reserva de margem consignável" (RMC) é ilegal, porquanto não respeitou o direito do consumidor em ter informação clara e adequada a respeito do produto ou serviço adquirido, nos termos do Código de Defesa ao Consumidor; VII. a parte ré, ao disponibilizar serviço sem o seu real consentimento (não contratado) e sem autorização expressa da "reserva de margem consignável" (RMC), nos termos do art. 3º, inciso III, do ato normativo n. 28 do INSS, incorreu em falha na prestação de serviço e, por esse motivo, configurou ato ilícito passível de indenização moral e patrimonial; VIII. a contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito impõe ao consumidor ônus excessivo, já que o desconto mínimo não abate qualquer valor principal da dívida, mas tão somente os seus encargos, fato esse que configura prática abusiva da instituição financeira ré diante de manifesta vantagem excessiva; IX. essa contratação lhe trouxe prejuízos, por não conseguir realizar compras no comércio em face da inexistência de limite; X. os encargos incidentes nas faturas são elevados e ilegais, pois praticados acima dos limites estabelecidos na instrução normativa n. 28 do INSS. Ao final, discorreu sobre os fundamentos jurídicos da ação. Requereu a inversão do ônus da prova em seu favor em aplicação das normas de direito do consumidor. Pugnou pela concessão da antecipação dos efeitos da tutela de urgência, visando a abstenção da "reserva de margem consignável" (RMC), sob pena de imposição de multa diária. Postulou pela condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais em valor a ser fixado pelo Juízo, pela declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com "RMC" e da "reserva de margem consignável" (RMC), com a respectiva restituição do indébito em dobro ou, alternativamente, a sua readequação/conversão para empréstimo consignado, servindo os valores já quitados de "RMC" para amortizar o saldo devedor sem a inserção de juros e encargos. Requereu a concessão do benefício da gratuidade judiciária. Por fim, além dos pedidos de praxe, postulou pela procedência da ação com a condenação da parte ré nas verbas de sucumbência. Protestou pela produção de todos os meios de provas em direito admitidos, em especial a documental e depoimento pessoal. Valorou a causa. Juntou documentos.

Por decisão interlocutória, foi deferida a gratuidade judiciária à parte autora, indeferidos os pedidos de antecipação dos efeitos da tutela de urgência, concedida a inversão do ônus da prova em favor da parte autora e determinada a citação da parte ré para, querendo, apresentar resposta à ação, bem como a sua intimação para acostar ao feito os contratos de crédito em questão, sob pena da incidência dos efeitos do art. 400 do Código de Processo Civil.

Citada, apresentou a parte ré, tempestivamente, resposta sob a forma de contestação, sustentando, em resumo, que, contrariamente ao afirmado pela parte autora, os documentos devidamente por ela subscritos e encartados em anexo demostram claramente a sua ciência quanto à modalidade de crédito consignado a que estava aderindo (cartão de crédito consignado), autorização expressa para a "reserva de margem consignável (RMC) e a disponibilização dos créditos em favor da parte autora através de saques com o cartão de crédito. Por esse motivo, descabida a pretensão da alteração da modalidade do contrato de crédito. Discorreu sobre o conceito de cartão de crédito consignado, a ausência de dano moral ou, na hipótese de seu reconhecimento, a fixação de indenização em valor condizente com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Impugnou o pedido de repetição/compensação do indébito e requereu a compensação do valor obtido pela parte autora na contratação questionada. Ao cabo, postulou pela improcedência dos pedidos formulados na peça vestibular, com a condenação da parte autora nos consectários legais. Protestou pela realização de todos os meios de prova em direito admitidos. Juntou documentos.

Réplica apresentada pela parte autora ratificando os termos da inicial.

Vieram os autos conclusos.

É, em escorço do necessário, o relatório.

Do julgamento antecipado

O feito comporta julgamento no estado em que se encontra, nos termos do artigo 355, I, do Código de Processo Civil, pois a questão dos autos é unicamente de direito e não há necessidade de produção de outros meios de prova além da documental constante dos autos para o convencimento do julgador acerca do conteúdo da lide.

A respeito, colhe-se da Corte Catarinense:

Não há cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide, quando os elementos constantes dos autos são suficientes para formar o convencimento do magistrado e a matéria a ser apreciada dispensa a produção da prova testemunhal. (Apelação cível n. 2010.049153-2, rel. Des. Janio Machado, j. 03.05.11).

Do mérito

A controvérsia que ensejou o ajuizamento da presente ação versa sobre o vício de consentimento da parte autora, alegando que buscava a obtenção de empréstimo consignado, mas que acabou sendo instrumentalizado como contrato de cartão de crédito com margem consignável (RMC).

Primordialmente, há que se distinguir tais modalidades de crédito visando à análise do alegado vício de consentimento.

Colhe-se do Banco Central do Brasil, que empréstimo consignado, in verbis:

É uma modalidade de empréstimo em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente do empréstimo e da existência de convênio entre a fonte pagadora e a instituição financeira que oferece a operação. (https://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).

Constata-se que essa espécie de contrato de crédito possui uma garantia infinitamente maior de recebimento dos valores creditados pela instituição financeira, uma vez a quantia ajustada é repassada pelo empregador ou entidade de previdência sem necessidade de anuência do tomador do empréstimo.

Diante da diminuição sensível dos riscos de inadimplência, a instituição financeira oferece condições mais atraentes que várias outras modalidades de contratos, especialmente pela taxa de juros remuneratórios bem mais módica.

Por outro lado, o cartão de crédito, diferentemente do do empréstimo consignado, não possui qualquer garantia, ostentando um dos maiores riscos de inadimplemento, razão pela qual, em consequência, apresenta uma das maiores taxas de juros remuneratórios.

A distinção de tais contratos reside, também, na forma em que se dá a quitação, ou não, do valor devido, com bem acentuado na Apelação Cível n. 0313097-43.2017.8.24.0005, de relatoria do Desembargador Guilherme Born, in verbis:

O contrato de empréstimo consignado, após estabelecido o valor pretendido pelo consumidor, faz-se incidir a taxa de juros para o período de contratação, avalia-se a existência de margem consignável e, subscrita a avença, passa-se a fazer o desconto mensal do valor da parcela (já com a incidência dos encargos contratuais). Já, em relação ao contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o valor deduzido do benefício previdenciário do consumidor está adstrito aos encargos mensais do valor auferido, mantendo-se intacto o capital devido. Naquele, os descontos mensais realizados, além do pagamento dos encargos ajustados, culmina na amortização do saldo devedor. Neste, o valor consignado no benefício previdenciário do consumidor redunda no pagamento único e exclusivo dos encargos mensais, permanecendo hígido o capital devedor. Isto é, mantida a consignação como ajustado, o saldo devedor será eterno, consequentemente, permanecerá hígido ainda que decorridos...

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