Acórdão Nº 5018987-43.2020.8.24.0005 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 27-09-2022

Número do processo5018987-43.2020.8.24.0005
Data27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5018987-43.2020.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: LUCIANE QUINTINO (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: LEANDRO SCHIEFLER BENTO APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por LUCIANE QUINTINO e BANCO PAN S.A. contra sentença de parcial procedência (evento 18) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE a presente Ação Declaratória de Nulidade de contrato e indenização por Danos Morais proposta por LUCIANE QUINTINO em face de BANCO PAN S.A. para declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, em consequência:

a) condenar o réu a restituir em favor da parte autora, na forma simples, os descontos indevidamente promovidos do benefício previdenciário do mutuário, acrescidos de juros moratórios de 1% do trânsito em julgado (efeito ex nunc da anulabilidade - art. 177 do Código Civil) e de correção monetária pelo INPC/IBGE a partir de cada desconto (pagamento/desembolso);

b) condenar o réu ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais em favor da parte autora, acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação (ilícito contratual) e correção monetária pelo INPC/IBGE a partir da data desta sentença (súmula 362 do STJ);

c) determinar à parte autora a restituição ao réu dos valores sacados e/ou utilizados do limite do cartão de crédito, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês da data do trânsito em julgado (efeito ex nunc da anulabilidade - art. 177 do Código Civil) e correção monetária pelo INPC/IBGE da data do saque ou utilização do crédito;

d) autorizar a compensação na forma do art. 368 do Código Civil;

e) condenar a instituição financeira ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios à razão de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação - montante dos valores descontados da parte autora e do dano moral, forte no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais (evento 30), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, a autora (evento 21) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 41 e 46).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Ofensa ao princípio da dialeticidade - preliminar formulada em contrarrazões

Em sede de resposta, a parte recorrida afirma a ausência de dialeticidade entre o comando sentencial e as razões recursais, argumentando que não impugna especificamente os fundamentos da decisão recorrida.

Entretanto, não há motivo para o não conhecimento do recurso por ofensa ao art. 1.010 do Código de Processo Civil.

De acordo com referido dispositivo, "a apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: os nomes e a qualificação das partes; a exposição do fato e do direito; as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; o pedido de nova decisão" (incisos I a IV).

A esse respeito, leciona Daniel Amorim Assumpção Neve:

Em decorrência do principio da dialeticidade, todo o recurso deverá ser devidamente fundamentando, expondo o recorrente os motivos pelos quais ataca a decisão impugnada e justificando seu pedido de anulação, reforma, esclarecimento ou integração. Trata-se, na realidade, da causa de pedir recursal. A amplitude das matérias dessa fundamentação divide os recursos entre aqueles que tem fundamentação vinculada e os que tem fundamentação livre. [...]

Costuma-se afirmar que o recurso e composto por dois elementos: o volitivo (referente a vontade da parte em recorrer) e o descritivo (consubstanciado nos fundamentos e pedido constantes do recurso). O principio da dialeticidade diz respeito ao segundo elemento, exigindo do recorrente a exposição da fundamentação recursal (causa de pedir; error in judicando e error in procedendo) e do pedido (que podera ser de anulação, reforma, esclarecimento ou integração).

Tal necessidade se ampara em duas motivações: permitir ao recorrido a elaboração das contrarrazões e fixar os limites de atuação do Tribunal no julgamento do recurso. [...]

Por outro lado, o pedido se mostra indispensável na formulação de qualquer recurso porque, ao lado da fundamentação, limita a atuação e decisão do Tribunal, considerando-se a regra do tantum devolutum quantum appelatum (art. 515, caput, do CPC), Em decorrência do principio dispositivo, que norteia a existência e os limites - ao menos em regra - do recurso, a atuação jurisdicional do Tribunal estará vinculada a pretensão do recorrente, exposta em sua fundamentação e em seu pedido, o que demonstra claramente a importância do principio da dialeticidade. (Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 570 e 599/560)

No caso em análise, verifica-se a pertinência dos fundamentos constantes nas razões recursais - nas quais fora pleiteada a declaração de inexistência de contratação e condenação da adversa à restituição dos valores e a título de danos morais -, havendo conexão entre os argumentos deduzidos e os fundamentos do "decisum" que julgou procedentes os pedidos iniciais.

Assim sendo, evidencia-se que as razões recursais não estão dissociadas do fundamento utilizado na sentença impugnada, restando cumprido o requisito previsto no art. 1.010, II, da Lei Adjetiva Civil.

Portanto, a tese sustentada deve ser rejeitada, de modo que se avança à análise do apelo interposto pela parte acionante.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e...

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