Acórdão Nº 5019097-57.2020.8.24.0000 do Órgão Especial, 07-04-2021

Número do processo5019097-57.2020.8.24.0000
Data07 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualMandado de Segurança Cível (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão










Mandado de Segurança Cível (Órgão Especial) Nº 5019097-57.2020.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU


IMPETRANTE: SERVICO AUTONOMO MUNICIPAL DE AGUA E ESGOTO - SAMAE ADVOGADO: ALEXANDRE BARDINI DA RE (OAB SC041275) IMPETRADO: Governador - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis IMPETRADO: ESTADO DE SANTA CATARINA MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Cuida-se de Mandado de Segurança Preventivo impetrado pelo Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto - SAMAE em face de ato do Governador do Estado, Carlos Moisés da Silva.
Objetiva a impetrante, na condição de autarquia municipal responsável pela coleta e tratamento do esgoto sanitário, bem como pela captação e distribuição de água no município de Jacinto Machado - SC, a determinação para que a autoridade coatora se abstenha de praticar ato que imponha obstáculo à cobrança regular das faturas de água e esgoto e a realização de suspensão de fornecimento de água e esgoto em razão do não pagamento das respectivas faturas, com a declaração incidental de inconstitucionalidade das medidas concretas estabelecidas pelos artigos 1º e 2º da Lei Estadual nº 17.933/2020, com a consequente invalidação dos seus efeitos.
Sustenta que o referido diploma legal, publicado ante a situação de emergência em que se encontra o Estado, em virtude da pandemia do novo Coronavírus, causador da doença COVID-19, colocou em risco a continuidade dos serviços prestados pelo SAMAE. Isso porque teria causado uma queda em sua arrecadação e aumentado a possibilidade de não cumprimento contratual com seus fornecedores. Acrescentou que sem a possibilidade de corte, os usuários são estimulados a não honrarem com o pagamento das tarifas.
Salienta, ademais, que o Estado de Santa Catarina não reúne competência para legislar sobre serviço de captação e distribuição de água.
Requereu, desse modo, o deferimento de medida liminar e, ao final, a concessão da ordem.
O pedido liminar foi deferido, em decisão monocrática correspondente ao Evento n. 5.
Notificada, a autoridade coatora prestou informações, arguindo o não cobimento de mandado de segurança contra lei em tese; a ilegitimidade passiva do Governador de Santa Catarina e a existência de litisconsórcio passivo necessário do Presidente da Assembleia Legislativa. No mérito, defendeu a constitucionalidade da Lei n. 17.933/2020. Pugnou, ao final, pela extinção do feito, considerando-se as preliminares levantadas ou, não sendo este o entendimento, que seja denegada a ordem, ante a ausência de direito líquido e certo a ser amparado na demanda.
Intimado, o Estado de Santa Catarina manifestou interesse no feito.
Em parecer, o Ministério Público opinou pela denegação da ordem.
É o relatório

VOTO


A ordem deve ser concedida.
Objetiva a parte a impetrante a concessão da segurança, a fim de que não lhe seja impedida a cobrança regular de faturas de consumo de água e dos serviços de esgoto e, ainda, que não seja impedida de promover a interrupção no fornecimento caso haja falta de pagamento das unidades consumidoras.
Sabe-se que a via do mandado de segurança é destinada à proteção de direito líquido e certo, cuja comprovação dos fatos e situações concretas para exercício do direito é verificada de plano, por prova pré-constituída incontestável, para que não pairem dúvidas ou incertezas sobre esses elementos. O direito líquido e certo protegido pela via mandamental
é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para se amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa, se sua extensão ainda não estiver delimitada, se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser definido por outros meios processuais (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 34ªed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 37).
Destaca-se que o pleito que ora se analisa não é novo nesta Corte, eis que, desde a edição da Lei n. 17.933/2020, foram propostas demandas de naturezas diversas visando obstar os seus efeitos e, ainda, reconhecer a sua inconstitucionalidade, o que efetivamente ocorreu, em 16 de setembro de 2020, em votação unânime, no julgamento do mandado de segurança n. 5010030-68.2020.8.24.0000, sob a relatoria do Desembargador Jaime Ramos, neste Órgão Especial.
De todo modo, antes de se adentrar no mérito propriamente, é necessário afastar as preliminares invocadas pela autoridade.
Inicialmente, sustenta que não seria cabível mandado de segurança, pois se trata de demanda proposta contra lei em tese. Porém, razão não lhe assiste.
Em que pese a Súmula n. 266, do Supremo Tribunal Federal, haver consolidado que "não cabe mandado de segurança contra lei em tese", o caso em tela não trata de lei em tese, como já consignado em outros precedentes, mas sim de lei de efeitos concretos, diretos e imediatos. Nesse sentido, consignou-se no mandado de segurança n. 5011456-18.2020.8.24.0000, também sob a relatoria do Desembargador Jaime Ramos:
Todavia, razão não assiste ao impetrado porque, no caso em questão, não se trata de lei em tese, mas de lei de efeitos concretos, diretos e imediatos.HELY LOPES MEIRELLES explica a diferença entre "lei em tese" e "lei de efeitos concretos":"A lei em tese, como norma abstrata de conduta, não é atacável por mandado de segurança (STF, Súmula 266), pela óbvia razão de que não lesa, por si só, qualquer direito individual. Necessária se torna a conversão da norma abstrata em ato concreto para se expor à impetração, mas nada impede que na sua execução venha a ser declarada inconstitucional pela via do mandamus. Somente as leis e decretos de efeitos concretos se tornam passíveis de mandado de segurança desde sua publicação, por serem equivalentes a atos administrativos nos seus resultados imediatos. Por 'leis e decretos de efeitos concretos' entendem-se aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam Municípios ou desmembram Distritos, as que concedem isenções fiscais, as que proíbem atividades ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os que fazem nomeações, e outros dessas espécies. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de leis ou decretos por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente [...]" (Mandado de segurança e ações constitucionais. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 39/40).Com base nessas lições, no caso aqui analisado não se trata de lei em tese, mas de lei de efeitos concretos, diretos e imediatos, os quais decorrem do fato de a Lei Estadual n. 17.933/2020, expressamente prever, de forma cogente, que as empresas distribuidoras de energia elétrica, água, esgoto e gás estão proibidas de "cortar" ou suspender o fornecimento dos serviços a partir do mês de março/2020; além de autorizar a postergação do pagamento dos débitos tarifários dos meses de março e abril de 2020, os quais somente poderão ser cobrados dos consumidores a contar de maio de 2020, em doze (12) parcelas iguais e sucessivas, mas sem juros, encargos ou multas.Então, não há nenhuma dúvida de que a Lei Estadual n. 17.933/2020 possui efeitos concretos e imediatos, atingindo diretamente as empresas do setor elétrico, motivo pelo qual contra ela é cabível a impetração.Assim, rejeita-se essa preliminar (TJSC, Mandado de Segurança Cível (Órgão Especial) n. 5011456-18.2020.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jaime Ramos, Órgão Especial, j. 16-09-2020).
Noutro prisma, afirma a parte demandada que o Governador do Estado de Santa Catarina não teria legitimidade como autoridade coatora, o que, igualmente, não deve ser acolhido.
Isso porque a Lei n. 17.933/2020 foi sancionada pelo próprio Governador, portanto, autoridade que praticou o ato impugnado, nos termos do art. 6º, §3º, da Lei Federal n. 12.016/2009. A respeito, o mandado de segurança n. 5011946-40.2020.8.24.0000, sob a relatoria da Desembargadora Denise Volpato, abordou a matéria, que aqui se transcreve, adotando a referida fundamentação:
Nesse sentido, convém destacar que a sanção do Chefe do Poder Executivo, autoridade coatora impetrada, foi o ato que trouxe ao mundo dos fatos os efeitos concretos do então projeto de lei aprovado pela casa legislativa.Tendo a lei efeitos concretos, equiparando-se a ato administrativo, conforme já explanado, a sanção representa ato pelo qual o Governador do Estado impinge aos cidadãos o efeito executivo concreto do dispositivo legal impugnado. [...]No aspecto, ainda que a lei em exame tenha se originado de iniciativa parlamentar, foi a partir da sanção do governador que se concretizou a aventada violação a direito líquido e certo dos associados da impetrante. [...]Demais disso, o Governador do Estado é o único legitimado a propor lei que corrija a distorção, na medida em que tem a exclusividade da iniciativa de proposta legislativa que importe na gestão dos serviços públicos (inclusive os delegados). [...]Não obstante, imperioso destacar que a jurisprudência pátria reconhece a legitimidade passiva da autoridade que encampar e defender o ato, o que na espécie verifica-se, com as devidas informações prestadas pelo Governador do Estado.A teoria da encampação teve seus critérios definidos pelo Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula n. 628, verbis:'A teoria da encampação é aplicada no mandado de segurança quando presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) existência de vínculo...

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