Acórdão Nº 5019299-96.2019.8.24.0023 do Quarta Câmara de Direito Civil, 15-12-2022
Número do processo | 5019299-96.2019.8.24.0023 |
Data | 15 Dezembro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Quarta Câmara de Direito Civil |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 5019299-96.2019.8.24.0023/SC
RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
APELANTE: LOCALIZA RENT A CAR SA (RÉU) APELADO: MACENOR CHILE LOGISTICA SPA (AUTOR)
RELATÓRIO
Acolho o relatório da sentença (evento 50/1º grau), por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:
MACENOR CHILE LOGISTICA LIMITADA, qualificado(a, os, as) na inicial, ajuizou(aram) a presente "ação de responsabilidade civil por danos materiais c/c pedido de ressarcimento e perdas e danos" em face de LOCALIZA RENT A CAR SA, também qualificado(a, os, as) nos autos, alegando que no dia 06/04/2019 o veículo GM/Cobalt, placas QPM8770, conduzido por Bruce Muratone Vergani e de propriedade da ré, ao realizar uma ultrapassagem veio a colidir com o veículo Renault/Logan, placas IUN2381, o qual, por sua vez, foi projetado contra a carreta de propriedade da autora.
Aduziu que em razão da colisão o veículo da autora sofreu diversos danos materiais, bem como teve que permanecer 25 (vinte e cinco) dias parado para conserto, o que impediu de realizar os serviços de logística para o qual era utilizado.
Disse que após trâmites administrativos a parte ré autorizou o crédito de R$ 26.534,00.
Fundamentou os pedidos e requereu a procedência da ação com a condenação da ré ao pagamento dos danos materiais no importe de R$47.943,00 e lucros cessantes de R$ 38.711,64.
Citada, a ré apresentou contestação na qual alegou a sua ilegitimidade passiva e, no mérito, defendeu não haver dano a ser indenizado, porquanto não houve demonstração de nexo entre a conduta e o dano, ausente o ato ilícito, tampouco a comprovação dos lucros cessantes.
Realizada audiência de conciliação (evento 39), restou prejudicada em razão da ausência da parte autora.
A Magistrada julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:
Em face do que foi dito, julgo procedentes em parte os pedidos formulados por MACENOR CHILE LOGISTICA LIMITADA em face de LOCALIZA RENT A CAR SA para condenar o réu à indenização por danos materiais no valor de R$ 47.943,00 (quarenta e sete mil novecentos e quarenta e três reais), com correção monetária pelo INPC/IBGE desde a data do desembolso e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação, além de condenar ao pagamento de lucros cessante no valor de US$ 7.879,17 (sete mil oitocentos e setenta e nove dólares e dezessete centavos), convertido conforme câmbio vigente na data da publicação da sentença, sem prejuízo da correão monetária pelo INPC/IBGE desde a data da conversão e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação.
Condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, §§2º, do CPC).
Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a ré interpôs apelação, por meio da qual sustenta a proemial de ilegitimidade passiva. No mérito, aduz a ausência de responsabilidade civil pela reparação dos danos suportados pela autora. Defende, ademais, a improcedência do pleito de indenização por lucros cessantes pela inexistência de prova pericial das despesas hipoteticamente incorridas pela autora em sua atividade empresarial. Requer o acolhimento da prefacial suscitada e, subsidiariamente, a reforma do decisum (evento 58/1º grau).
Contrarrazões no evento 63/1º grau.
VOTO
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
1 PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
Sustenta a apelante ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação, porquanto é somente proprietária do veículo envolvido no sinistro, o qual se encontrava locado na data do evento danoso.
A questão foi assim apreciada na origem:
No tocante à preliminar de ilegitimidade passiva, sem razão a parte ré.
É cediço que a responsabilidade da locadora de veículos pelos danos eventualmente causados pelo locatário é de ordem objetiva e solidária, na forma regrada no art. 927, parágrafo único, do CC e em razão do risco da atividade. (...)
Assim, afasto a preliminar (evento 50/1º grau).
A respeito do tema, é sabido que a legislação processual aplicável preconiza que "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade" (CPC, art. 17). Nessa esteira, consabido que o art. 17 "deve, pois, ser interpretado como significando que o autor só tem direito de ação se for legitimado ativamente e se a propuser contra um réu que tenha legitimação passiva, isto é, que seja o outro sujeito da relação jurídica, objeto da demanda" (BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. 14. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2010, v. 1. p. 31).
É que "parte, em sentido processual, é um dos sujeitos da relação processual contrapostos diante do órgão judicial, isto é, aquele que pede a tutela jurisdicional (autor) e aquele em face de quem se pretende fazer atuar dita tutela (réu). Mas, para que o provimento de mérito seja alcançado, para que a lide seja efetivamente solucionada, não basta existir um sujeito ativo e um sujeito passivo. É preciso que os sujeitos sejam, de acordo com a lei, partes legítimas, pois se tal não ocorrer o processo se extinguirá sem julgamento do mérito" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, v. 1. p. 53).
Ainda, ao discorrer sobre legitimidade processual, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam: "tanto o que propõe quanto aquele em face de quem se propõe a ação devem ser partes legítimas para a causa. Somente é parte legítima aquele que é autorizado pela ordem jurídica a postular em juízo". (Código de Processo Civil Comentado, 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 215), de sorte que, a contrario sensu, se inocorrente tal pressuposto, redundaria na extinção do processo pelo Estado-Juiz sem a resolução do mérito por ausência de legitimidade (CPC, arts. 337, XI, e 485, VI).
Assim, caso evidenciado que a matéria não se desvincula do próprio meritum causae, deve ser aplicada a teoria da asserção ou da prospettazione, pois constatada a necessidade de o julgador analisar a prova amealhada aos autos para concluir se as partes são legítimas, de forma a estabilizar os polos processuais e resolver definitivamente a quaestio, prestigiando a solução definitiva da demanda - princípio da primazia da resolução do mérito -, nos termos da legislação processual (Lei n. 13.105/15, arts. 4º, 6º, 317, 488 e 1.029, § 3º).
Nesse sentido a lição de Fredie Didier Jr:
Sem olvidar o direito positivo, e considerando a circunstância de que, para o legislador, carência de ação é diferente de improcedência do pedido, propõe-se que a análise das condições da ação, como questões estranhas ao mérito da causa, fique restrita ao momento de prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento. Essa análise, então, seria feita à luz das afirmações do demandante contidas em sua petição inicial (in statu assertionis). "Deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação. O que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria problema de mérito" (Curso de direito processual civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 14. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Podivm, 2012, vol. I. p. 213).
No mesmo diapasão, o Superior Tribunal de Justiça...
RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
APELANTE: LOCALIZA RENT A CAR SA (RÉU) APELADO: MACENOR CHILE LOGISTICA SPA (AUTOR)
RELATÓRIO
Acolho o relatório da sentença (evento 50/1º grau), por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:
MACENOR CHILE LOGISTICA LIMITADA, qualificado(a, os, as) na inicial, ajuizou(aram) a presente "ação de responsabilidade civil por danos materiais c/c pedido de ressarcimento e perdas e danos" em face de LOCALIZA RENT A CAR SA, também qualificado(a, os, as) nos autos, alegando que no dia 06/04/2019 o veículo GM/Cobalt, placas QPM8770, conduzido por Bruce Muratone Vergani e de propriedade da ré, ao realizar uma ultrapassagem veio a colidir com o veículo Renault/Logan, placas IUN2381, o qual, por sua vez, foi projetado contra a carreta de propriedade da autora.
Aduziu que em razão da colisão o veículo da autora sofreu diversos danos materiais, bem como teve que permanecer 25 (vinte e cinco) dias parado para conserto, o que impediu de realizar os serviços de logística para o qual era utilizado.
Disse que após trâmites administrativos a parte ré autorizou o crédito de R$ 26.534,00.
Fundamentou os pedidos e requereu a procedência da ação com a condenação da ré ao pagamento dos danos materiais no importe de R$47.943,00 e lucros cessantes de R$ 38.711,64.
Citada, a ré apresentou contestação na qual alegou a sua ilegitimidade passiva e, no mérito, defendeu não haver dano a ser indenizado, porquanto não houve demonstração de nexo entre a conduta e o dano, ausente o ato ilícito, tampouco a comprovação dos lucros cessantes.
Realizada audiência de conciliação (evento 39), restou prejudicada em razão da ausência da parte autora.
A Magistrada julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:
Em face do que foi dito, julgo procedentes em parte os pedidos formulados por MACENOR CHILE LOGISTICA LIMITADA em face de LOCALIZA RENT A CAR SA para condenar o réu à indenização por danos materiais no valor de R$ 47.943,00 (quarenta e sete mil novecentos e quarenta e três reais), com correção monetária pelo INPC/IBGE desde a data do desembolso e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação, além de condenar ao pagamento de lucros cessante no valor de US$ 7.879,17 (sete mil oitocentos e setenta e nove dólares e dezessete centavos), convertido conforme câmbio vigente na data da publicação da sentença, sem prejuízo da correão monetária pelo INPC/IBGE desde a data da conversão e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação.
Condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, §§2º, do CPC).
Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a ré interpôs apelação, por meio da qual sustenta a proemial de ilegitimidade passiva. No mérito, aduz a ausência de responsabilidade civil pela reparação dos danos suportados pela autora. Defende, ademais, a improcedência do pleito de indenização por lucros cessantes pela inexistência de prova pericial das despesas hipoteticamente incorridas pela autora em sua atividade empresarial. Requer o acolhimento da prefacial suscitada e, subsidiariamente, a reforma do decisum (evento 58/1º grau).
Contrarrazões no evento 63/1º grau.
VOTO
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
1 PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
Sustenta a apelante ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação, porquanto é somente proprietária do veículo envolvido no sinistro, o qual se encontrava locado na data do evento danoso.
A questão foi assim apreciada na origem:
No tocante à preliminar de ilegitimidade passiva, sem razão a parte ré.
É cediço que a responsabilidade da locadora de veículos pelos danos eventualmente causados pelo locatário é de ordem objetiva e solidária, na forma regrada no art. 927, parágrafo único, do CC e em razão do risco da atividade. (...)
Assim, afasto a preliminar (evento 50/1º grau).
A respeito do tema, é sabido que a legislação processual aplicável preconiza que "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade" (CPC, art. 17). Nessa esteira, consabido que o art. 17 "deve, pois, ser interpretado como significando que o autor só tem direito de ação se for legitimado ativamente e se a propuser contra um réu que tenha legitimação passiva, isto é, que seja o outro sujeito da relação jurídica, objeto da demanda" (BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. 14. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2010, v. 1. p. 31).
É que "parte, em sentido processual, é um dos sujeitos da relação processual contrapostos diante do órgão judicial, isto é, aquele que pede a tutela jurisdicional (autor) e aquele em face de quem se pretende fazer atuar dita tutela (réu). Mas, para que o provimento de mérito seja alcançado, para que a lide seja efetivamente solucionada, não basta existir um sujeito ativo e um sujeito passivo. É preciso que os sujeitos sejam, de acordo com a lei, partes legítimas, pois se tal não ocorrer o processo se extinguirá sem julgamento do mérito" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, v. 1. p. 53).
Ainda, ao discorrer sobre legitimidade processual, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam: "tanto o que propõe quanto aquele em face de quem se propõe a ação devem ser partes legítimas para a causa. Somente é parte legítima aquele que é autorizado pela ordem jurídica a postular em juízo". (Código de Processo Civil Comentado, 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 215), de sorte que, a contrario sensu, se inocorrente tal pressuposto, redundaria na extinção do processo pelo Estado-Juiz sem a resolução do mérito por ausência de legitimidade (CPC, arts. 337, XI, e 485, VI).
Assim, caso evidenciado que a matéria não se desvincula do próprio meritum causae, deve ser aplicada a teoria da asserção ou da prospettazione, pois constatada a necessidade de o julgador analisar a prova amealhada aos autos para concluir se as partes são legítimas, de forma a estabilizar os polos processuais e resolver definitivamente a quaestio, prestigiando a solução definitiva da demanda - princípio da primazia da resolução do mérito -, nos termos da legislação processual (Lei n. 13.105/15, arts. 4º, 6º, 317, 488 e 1.029, § 3º).
Nesse sentido a lição de Fredie Didier Jr:
Sem olvidar o direito positivo, e considerando a circunstância de que, para o legislador, carência de ação é diferente de improcedência do pedido, propõe-se que a análise das condições da ação, como questões estranhas ao mérito da causa, fique restrita ao momento de prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento. Essa análise, então, seria feita à luz das afirmações do demandante contidas em sua petição inicial (in statu assertionis). "Deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação. O que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria problema de mérito" (Curso de direito processual civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 14. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Podivm, 2012, vol. I. p. 213).
No mesmo diapasão, o Superior Tribunal de Justiça...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO