Acórdão Nº 5019532-25.2021.8.24.0023 do Primeira Câmara Criminal, 04-11-2021

Número do processo5019532-25.2021.8.24.0023
Data04 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5019532-25.2021.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: WYLLIAN DE SOUZA MARTINS (RÉU) ADVOGADO: GABRIELA VIEIRA SERAFIN (OAB SC059806) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público da comarca de Florianópolis ofereceu denúncia em face de Wyllian de Souza Martins, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, em razão dos seguintes fatos:

I. No dia 24 de fevereiro de 2021, por volta das 21h, na proximidade do Trevo da Seta, no bairro Costeira do Pirajubaé, nesta Capital, o denunciado Wyllian de Souza Martins trazia consigo, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 06 (seis) buchas de substância conhecida como maconha, com massa de 6g (seis gramas), embrulhadas para a venda, conforme Auto de Constatação nº 0871/2021. Também foi apreendida a quantia de R$ 20,00 (vinte reais) em espécie, em poder do denunciado.

Ato contínuo, os policiais militares dirigiram-se até a residência localizada na Servidão São Vicente, nº 57, bairro Costeira do Pirajubaé, nesta Capital, local o denunciado residia, ocasião em que verificaram que o denunciado Wyllian de Souza Martins guardava e tinha em depósito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 95g (noventa e cinco gramas) de cocaína, além de semear e cultivar um pé de maconha.

Tais entorpecentes, capazes de causar dependência física e psíquica, eram destinados ao comércio, atividade exercida pelo denunciado. Destaca-se que na residência também foram apreendidos anotações do tráfico de drogas, balança para pesagem, material para embrulhar a substância ilícita, tesoura com resquício de droga, a quantia de R$ 142,00 (cento e quarenta e dois reais) em espécie, além de um simulacro de arma de fogo e um celular de marca Samsung.

II. Ao receber voz de prisão pela prática do crime de tráfico de drogas, o denunciado Wyllian de Souza Martins opôs-se à execução de ato legal, mediante violência contra os policiais militares Fábio Moreeuw Ribeiro e Leonardo Rosa da Silva, sendo necessária a utilização de técnicas policiais de abordagem para conter a agressividade do denunciado (evento 1/PG - em 1º-3-2021).

Sentença: a juíza substituta Cleni Serly Rauen Vieira julgou parcialmente procedente a denúncia para:

A) ABSOLVER o acusado WYLLIAN DE SOUZA MARTINS da prática do delito descrito no art. 329, caput, do Código Penal, com fulcro no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; e

B) CONDENAR o acusado WYLLIAN DE SOUZA MARTINS, já qualificado nos autos, como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 e, em consequência, aplicar-lhe a pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na época dos fatos.

Deixo de efetuar a substituição das penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos ou multa ou, ainda, conceder o sursis, eis que o acusado não preenche os requisitos legais para tanto, conforme acima explicitado.

Em atenção ao disposto no § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal, reconheço a detração da pena provisória cumprida pelo réu, pelo tempo de 4 (quatro meses) e 20 (vinte) dias. Entretanto, tal período não lhe confere o direito à imediata progressão da pena para o regime mais brando, pelas razões acima indicadas.

Considerando que o acusado permanece preso no momento, aliado ao regime prisional inicialmente ora fixado, além de sua dedicação contínua às atividades criminosas, não se verificando a modificação das razões pelas quais este permaneceu segregado, nego-lhe o direito de recorrer em liberdade (art. 387, § 1º, CPP), conforme razões já expostas acima.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais finais. Todavia, suspendo a exigibilidade de tais verbas, com fulcro no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, pois o acusado é beneficiário da justiça gratuita (ev. 39, item 8).

Quantos aos bens apreendidos nos autos, seguem os seguintes encaminhamentos, os quais devem ser efetivados após o trânsito em julgado, determino a destruição dos materiais tóxicos apreendidos, nos termos do art. 72, da Lei 11.343/06. Oficie-se à Delegacia de Polícia de origem para implementar esta determinação (evento 129/PG - em 15-7-2021).

Recurso de apelação de Wyllian de Souza Martins: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:

a) o agente deve ser absolvido, porque a materialidade delitiva se encontra maculada, haja vista que os policiais agiram sem justa causa quando do ingresso na sua residência, inclusive, agrediram e coagiram o agente a revelar o seu endereço;

b) se vencida a questão preliminar, e mantida a condenação, a pena comporta redução, na medida em que o agente faz jus à benesse do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, porque, em seu desfavor, houve apenas a lavratura de um "TC" por posse de drogas e há outra ação penal em curso, mas sem juízo de culpabilidade emitido, o que revela a precariedade de assentar sua dedicação criminosa como óbice para deferimento do benefício.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para declarar a nulidade do processo; subsidiariamente, reformar a sentença, nos termos da fundamentação (evento 133/PG - em 15-7-2021).

Trânsito em julgado: foi certificado o trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público (evento 148/PG - em 23-8-2021).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que a atuação policial foi precedida de justa causa, inclusive, a proprietária do imóvel (avó do apelante) franqueou a entrada dos policiais, de maneira que não há falar em nulidade da materialidade delitiva, tampouco é viável reduzir a reprimenda na forma buscada pela defesa, porque o agente responde a outra ação penal, em que se apura crime da mesma espécie.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 151/PG - em 31-8-2021).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Henrique Limongi opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 10/SG - em 1º-10-2021).

Este é o relatório que passo ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Revisor.

Documento eletrônico assinado por CARLOS ALBERTO CIVINSKI, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1501862v9 e do código CRC 7bba8167.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ALBERTO CIVINSKIData e Hora: 16/10/2021, às 17:54:30





Apelação Criminal Nº 5019532-25.2021.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: WYLLIAN DE SOUZA MARTINS (RÉU) ADVOGADO: GABRIELA VIEIRA SERAFIN (OAB SC059806) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Da questão preliminar

Contrariamente ao que foi aduzido pela defesa, não há falar em ilegalidade da atuação policial, muito menos do ingresso na residência do agente que culminou na descoberta de mais drogas.

De plano, cumpre destacar que o delito de tráfico de drogas, nas modalidades "trazer consigo", "guardar" e "manter em depósito" constitui crime permanente, cuja consumação prolonga-se no tempo.

Consequentemente, nos termos do art. 303 do Código de Processo Penal, observa-se que "nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência".

Portanto, o agente estará em situação de flagrante delito, hipótese autorizadora da entrada em domicílio alheio, ainda que desprovido de comando judicial ou da anuência do proprietário, por exceção constitucionalmente prevista (artigo 5º, inciso XI, da CF).

A propósito, é entendimento do Superior Tribunal de Justiça que "o crime de tráfico ilícito de entorpecentes é de natureza permanente, ficando o agente em estado de flagrância enquanto não cessada a permanência, o que autoriza a entrada dos policiais militares no imóvel, que se deu após informações anônimas de que o denunciado guardava/tinha em depósito, para posterior comercialização, substâncias entorpecentes em sua residência" (HC 338.978, de Minas Gerais, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 17/11/2015).

A este respeito do tema, cita-se precedente do Supremo Tribunal Federal:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. (RE 817338 RG, Relator Min. Dias Toffoli, j. em 27/08/2015) (grifou-se).

Cita-se, ainda, relevante precedente da lavra do ministro Rogério Schietti Cruz que traduz as limitações legais impostas ao procedimento conduzido pela força policial:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO PROVIDO.

1. O art. 5º, XI, da Constituição consagrou o direito fundamental à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, na...

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