Acórdão Nº 5019699-16.2021.8.24.0064 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 26-01-2023

Número do processo5019699-16.2021.8.24.0064
Data26 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5019699-16.2021.8.24.0064/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: LUCIA TERESINHA FRANZOI DE AZEVEDO (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)


RELATÓRIO


Lucia Teresinha Franzoi de Azevedo interpôs recurso de apelação da sentença, proferida pelo juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de restituição de valores cumulada com indenização por danos morais e pedido de anulação de cláusula contratual de cartão de crédito por ela ajuizada em face da instituição financeira apelada, Banco BMG SA, nos seguintes termos (evento 23, autos do 1º grau):
Cuida-se de ação movida por LUCIA TERESINHA FRANZOI DE AZEVEDO em face de BANCO BMG S.A.
Alegou que assinou contrato de empréstimo consignado junto à parte contrária, com pagamento através de desconto em seu benefício previdenciário.
Todavia, constatou posteriormente que foi induzido em erro, pois não se tratava propriamente do empréstimo consignado desejado, mas sim da aquisição de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), com encargos/retenção de valores não esperados, o que seria ilegal.
Requereu a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC, igualmente da reserva de margem consignável, com a restituição em dobro do que foi descontado a título do RMC e condenação da parte ré ao pagamento de danos morais.
Sucessivamente, postulou a readequação/conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado.
Citada, a instituição financeira contestou defendendo a higidez do contrato e da validade da reserva de margem consignável por terem sido confeccionados de acordo com a vontade dos envolvidos.
Discorreu sobre a repetição de indébito e sobre danos morais.
Houve réplica.
É o relatório.
DECIDO.
Do julgamento antecipado da lide.
A solução do feito passa unicamente pelo exame de prova documental, que possui momento oportuno para produção, mais especificamente a petição inicial e a contestação (art. 434 do CPC).
Por essa razão, resta autorizado o julgamento antecipado da lide, sem que se possa cogitar de cerceamento de defesa.
Da inépcia da inicial.
A petição inicial atende às disposições processuais pertinentes à espécie e está acompanhada dos documentos essenciais ao ajuizamento da ação, sendo descabida a declaração da sua inépcia.
Da ausência de interesse de agir.
A preliminar de ausência de interesse de agir se confunde com o mérito e com ele será apreciada.
Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Em se tratando de contrato bancário, incidente o Código de Defesa do Consumidor, figurando a parte autora, pessoa física ou jurídica, como consumidora e a instituição financeira como prestadora de serviços.
O Superior Tribunal de Justiça assim se pronunciou:
O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras (Súmula 297).
Dessa forma, o contrato será examinado à luz dos princípios norteadores do Direito do Consumidor, fato que viabiliza a revisão das cláusulas eivadas de nulidade (arts. 6º, V, e 51, IV, do CDC), sem que se possa cogitar de violação ao princípio "pacta sunt servanda".
Da legalidade do contrato.
A questão posta em discussão cinge-se à constatação da (ir)regularidade da contratação de mútuo e das consequências jurídicas decorrentes dessa conclusão.
Assim resumida a lide, a procedência dos requerimentos está atrelada à demostração de abusividades no decorrer da contratação, abusividades capazes de implicarem em desvantagem exagerada à instituição financeira.
Observo, inclusive, que a inversão do ônus da prova, por força de disposição legal, não assegura à parte autora o direito de atribuir à instituição ré o encargo de demonstrar a presença de algum vício na negociação. O ônus, nessa circunstância, é de quem alega.
Feitos esses esclarecimentos, destaco que a modalidade de contratação em discussão encontra respaldo nas normas legais, notadamente no art. 6º da Lei nº 10.820/2003:
Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.
[...]
§ 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
A Resolução nº 1.305/2009,0 do Conselho Nacional de Previdência Social, inclusive, recomenda ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável - RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito:
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009,
Resolveu:
Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável - RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito.
Art. 2º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Portanto, como bem se observa, a modalidade de contratação objeto deste procedimento, por si só, não é abusiva ou irregular, podendo ser, nos termos da Instrução Normativa do INSS nº 28, de 16 de maio de 2008, expressamente autorizada pelo interessado.
Tendo isso em consideração, extrai-se do estudo dos autos que a parte autora, manifestando livremente a sua vontade, firmou com a instituição financeira ré o contrato de reserva de margem consignável, por meio do qual lhe foi disponibilizada a quantia de dinheiro solicitada, cujo recebimento da importância não se questiona no feito.
O instrumento contratual, há que se afirmar, encontra-se assinado pela parte autora.
A assinatura constante no arquivo, aliás, não foi impugnada de maneira idônea, não havendo a indicação e a apresentação de argumentação específica capaz de ilidir a presunção legal de veracidade (art. 408 do CPC).
Aliado a isso, denota-se que o instrumento é claro quanto ao seu objeto, fazendo menção expressa e em destaque quanto à modalidade de contratação pactuada.
Portanto, é inequívoca a ciência da parte autora, que voluntariamente aderiu ao empréstimo via cartão de crédito, concedendo autorização expressa voltada à constituição de reserva de margem consignável e ao desconto mensal dos valores devidos, restando afastada qualquer insinuação de vício quando da contratação.
De mais a mais, não se vislumbram abusividades capazes de implicarem a anulação ou a revisão do pacto.
Diante disso, há que se concluir que os documentos colacionados pela parte ré, em cumprimento com o seu dever processual (art. 373 do Código de Processo Civil), são suficientes à comprovação da regularidade da contratação.
Inclusive, quanto à legalidade do pacto, a Turma de Uniformização dos Juizados Especiais de Santa Catarina reconheceu a validade do contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto, firmando a seguinte tese:
XIV - Observados os termos da Lei n. 10.820/03 a da Instrução Normativa n.28/2008-INSS, é válido o contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em benefício previdenciário, não havendo dano moral presumível no caso de sua contratação com inobservância daquelas regras.
De igual modo, atestando a regularidade e validade da contratação, colhe-se da Corte Catarinense:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO ANULATÓRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. CRÉDITO OBTIDO POR MEIO DE SAQUE EM CARTÃO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA. AUTORA QUE PRETENDE A DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DA OPERAÇÃO COM BASE EM VÍCIO NA AUTONOMIA DA VONTADE, SUSTENTANDO, PARA TANTO, TER SIDO LUDIBRIADA COM A PACTUAÇÃO DE CARTÃO, QUANDO, NA VERDADE, PRETENDIA APENAS A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA QUE CONVERTE A OPERAÇÃO DE SAQUE EM CARTÃO DE CRÉDITO EM OPERAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO, CONDENANDO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA, AINDA, À RESTITUIÇÃO/COMPENSAÇÃO DE EVENTUAIS VALORES COBRADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DA CONTRATAÇÃO DE OPERAÇÃO NÃO CONSENTIDA PELA CONSUMIDORA, BEM COMO AO PAGAMENTO DE DANOS MORAIS À PARTE CONTRÁRIA. RECURSOS INTERPOSTOS POR AMBOS OS LITIGANTES1. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRAALEGADA REGULARIDADE DO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES. TESE QUE SE MOSTRA ALICERÇADA NOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONTIDOS NOS AUTOS. DISPONIBILIZAÇÃO DE SAQUE DE VALOR EM CARTÃO DE CRÉDITO, COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, QUE NÃO EQUIVALE À VENDA CASADA, AINDA QUE O CONSUMIDOR NÃO UTILIZE O CARTÃO PARA PAGAMENTO DE DESPESAS, SEJA PORQUE O CARTÃO DE CRÉDITO NÃO TEM...

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