Acórdão Nº 5020018-45.2022.8.24.0000 do Segunda Câmara de Direito Público, 05-07-2022

Número do processo5020018-45.2022.8.24.0000
Data05 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5020018-45.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador CID GOULART

AGRAVANTE: CLESIO SALVARO AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por CLÉSIO SALVARO contra decisão interlocutória que, na ação civil pública por ato de improbidade administrativa n. 0118529-84.2014.8.24.0020, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA em desfavor do ora agravante, LUIZ JUVENTINO SELVA, ABRAHAO ARTUR SOUZA, JOSE SERGIO BURIGO, CARLESSI ENGENHARIA COMERCIO E CONSTRUÇÕES LTDA E MUNICÍPIO DE CRICIÚMA, decidiu que, "não constatada a inércia do titular do direito, indefiro o pedido de reconhecimento da prescrição intercorrente".

Irresignado, o recorrente alegou que em decorrência das alterações trazidas pela Lei n. 14.230/2021, há que ser reconhecida a prescrição intercorrente no caso concreto.

Argumentou que da leitura atenta do art. 23 e seus parágrafos, em nem um momento o legislador induz à interpretação de que o espaço de tempo, com vistas ao reconhecimento da prescrição, há que ser fruto de uma paralisação por inércia do autor da ação, conforme decidiu o magistrado prolator da decisão agravada.

Em razão disso, registrou que a ação foi proposta em 22-04-2014, estando os autos sobrestados e pendentes de julgamento desde 11 de março de 2015 (Evento 49, Inf. 2114).

Requerer o provimento do recurso para que a sentença seja reformada, com a consequente improcedência dos pedidos.

Contrarrazões juntadas a contento (Evento 18).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Doutor Rogê Macedo Neves, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 33).

É a síntese do essencial.

VOTO

De início, observa-se que o recurso é próprio, tempestivo, e se enquadra na hipótese de cabimento do art. 1.015, parágrafo único, do Código de Processo Civil, bem como preenche os requisitos de admissibilidade trazidos pelo art. 1.017, caput e § 5º, do mesmo Código, motivos que sustentam o seu conhecimento.

Adianta-se, inclusive, que este merece provimento, em decorrência da consumação da prescrição intercorrente, nos termos da fundamentação exposta a seguir.

Principia-se traçando uma breve exposição das alterações legislativas relacionadas ao tema da improbidade administrativa e aplicáveis ao caso concreto.

É notório que a Lei n. 14.230/2021 apresentou uma quantidade importante de alterações à redação da Lei n. 8.429/1992, na intenção de sanar excessos e conceituações genérico-subjetivas apresentadas anteriormente.

É que em razão do caráter repressivo e sancionatório inerente às ações de improbidade, conforme dispõe o art. 17-D do novo texto legal, vislumbra-se a importância da presença de critérios objetivos no texto normativo, com o fito de evitar excessos ou obscuridades tanto no conteúdo relacionado à tipificação dos atos considerados ímprobos, quanto para a aplicação do conteúdo sancionador da norma.

Dentre as principais alterações percebidas na legislação supracitada está a exigência da presença do elemento subjetivo dolo para caracterização do ato considerado como ímprobo.

Além disso, há nova previsão de impossibilidade de ajuizamento de ação de improbidade administrativa nos casos em que o agente público for absolvido, na esfera penal, por órgão colegiado e em razão dos mesmos fatos, representando, portanto, uma maior preocupação do legislador com a antiga independência entre as instâncias penal, administrativa e civil.

É certo que o legislador, ao dispor expressamente que os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador se aplicam às ações de improbidade administrativa, o fez na clara intenção de defender a aplicação dos princípios constitucionais da vedação ao bis is idem, da proporcionalidade e, novamente, da retroatividade da norma mais benéfica aos demandados.

Colhe-se da disposição do art. 1º, § 4º, da Lei n. 14.230/2021: "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".

Depreende-se que os princípios supracitados, com foco no da retroatividade da norma mais benéfica ao acusado, em muito são utilizados na esfera penal. Nada impede, no entanto, - e este é o defendido por este julgador - que sejam igualmente aplicados ao Direito Administrativo Sancionador.

Tal entendimento é, inclusive, adotado por diversos doutrinadores. Isso porque raciocínio contrário representaria afronta direta aos princípios da isonomia e proporcionalidade. Não se pode considerar plausível que alguns sejam penalizados por determinada conduta que sequer poderia ser objeto de ajuizamento de nova ação de improbidade. É o raciocínio defendido por Fábio Medina Osório:

Não há dúvidas de que, na órbita penal, vige, em sua plenitude, o princípio da retroatividade da norma benéfica ou descriminalizante, em homenagem a garantias constitucionais expressas e a uma razoável e racional política jurídica de proteger valores socialmente relevantes, como a estabilidade institucional e a segurança jurídica das relações punitivas. Se esta é a política do Direito Penal, não haverá de ser outra a orientação do Direito Punitivo em geral, notadamente do Direito Administrativo Sancionador, dentro do devido processo legal. Se há uma mudança nos padrões valorativos da sociedade, nada mais razoável do que estender essa mudança ao passado, reconhecendo uma evolução do padrão axiológico, preservandose, assim, o princípio constitucional da igualdade e os valores relacionados à justiça e à atualização das normas jurídicas que resguardam direitos fundamentais. O engessamento das normas defasadas e injustas não traria nenhuma vantagem social. A retroatividade decorre de um imperativo ético de atualização do Direito Punitivo, em face dos efeitos da isonomia (Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. p. 300)

Perfilhando desse mesmo entendimento, Heraldo Garcia Vitta apregoa que o princípio da retroatividade de lei mais benéfica deve ser aceito "a fim de prestigiar a nova realidade imposta pelo legislador; o qual tem a incumbência de acolher os anseios da sociedade num dado tempo e lugar", à guisa que seria injustificável a punição "quando o legislador valora a conduta (antes ilícita ou...

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