Acórdão Nº 5020107-82.2020.8.24.0018 do Quarta Câmara Criminal, 09-12-2021
Número do processo | 5020107-82.2020.8.24.0018 |
Data | 09 Dezembro 2021 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Quarta Câmara Criminal |
Classe processual | Recurso em Sentido Estrito |
Tipo de documento | Acórdão |
Recurso em Sentido Estrito Nº 5020107-82.2020.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: LEANDRO AFONSO DOS SANTOS (RÉU) ADVOGADO: VILMAR ARAUJO DE SOUZA (OAB SC016587) INTERESSADO: WOLMIR VALENTIM PEREIRA (INTERESSADO) INTERESSADO: JULIO HENRIQUE MIRANDA (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Na comarca de Chapecó, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Leandro Afonso dos Santos, imputando-lhe a prática do delito capitulado no art. 155, caput, do Código Penal, pois, segundo consta na inicial:
No dia 15 de agosto de 2020, por volta das 17h15min, no estabelecimento comercial denominado Supermercado Brasão, situado na Avenida Getúlio Dorneles Vargas, em Chapecó/SC, o denunciado LEANDRO AFONSO DOS SANTOS de forma consciente e voluntária, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, agindo em flagrante demonstração de ofensa ao patrimônio alheio, subtraiu, para si, coisa alheia móvel, consistente em 8 (oito) pacotes de carne 1 bovina, do tipo picanha, marca "Best Beef", avaliadas em R$ 360,80.
Na ocasião, o denunciado subtraiu os pacotes de carne, acondicionando-os em sua mochila, em seguida dirigindo-se à parte externa do mercado.
Ato contínuo, uma funcionária desconfiou da ação de Leandro, momento em que ele tentou empreender fuga correndo, porém, foi alcançado e detido por outros funcionários, na posse da res furtiva (Evento 1, DENUNCIA1, autos originários).
O Magistrado a quo rejeitou a denúncia com fulcro no art. 395, III, do Código de Processo Penal, ante a atipicidade da conduta em decorrência do princípio da insignificância (Evento 4, DESPADEC1, autos originários).
Inconformado com a prestação jurisdicional, o representante do Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, objetivando o recebimento da exordial acusatória e o regular processamento da ação penal, com fundamento, sobretudo, na contumácia delitiva (Evento 7, RAZRECUR1, autos originários).
Apresentadas as contrarrazões (Evento 26, CONTRAZ1, autos originários) e mantida a decisão por seus próprios fundamentos (Evento 29, DESPADEC1, autos originários), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Gilberto Callado de Oliveira, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do reclamo (Evento 12, PROMOÇÃO1).
VOTO
Presentes os requisitos legais de admissibilidade, conhece-se do reclamo.
A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da tipicidade material do delito imputado ao acusado, afastada pelo Magistrado a quo, em face do reconhecimento do princípio da insignificância.
Aludido instituto se insere no rol dos mecanismos que a moderna dogmática jurídico-penal elaborou para tornar efetiva a tarefa político-criminal de descriminalização, sem que se abandone a segurança jurídica do sistema.
Como decorrência dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima no direito penal, o princípio da insignificância atua "como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal" (MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 56).
Funda-se, portanto, na concepção material do tipo penal, por meio da qual a tipicidade não se esgota no juízo lógico-formal de subsunção do fato à norma. Exige que a conduta nela enquadrável revele-se, ainda, ofensiva para o bem jurídico protegido pela lei penal, sem o que a intervenção criminal não se justifica.
Tendo por consequência a exclusão da tipicidade material, no âmbito do Pretório Excelso, estabeleceu-se alguns parâmetros para a sua aplicação, a saber: a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) ausência de periculosidade social da ação, c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Veja-se:
[...] PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DA HABITUALIDADE DELITIVA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos. 3. O princípio da bagatela é afastado quando comprovada a contumácia na prática delitiva. Precedentes: HC nº 133.566, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 12/05/2016, ARE nº 849.776-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 12/3/2015, HC nº 120.662, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 21/8/2014, HC nº 120.438, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 12/03/2014, HC nº 118.686, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 04/12/2013, HC nº 112.597, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 10/12/2012 (STF, Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 129.813/MS. rel. Min. Luiz Fux. j. em 31/5/2016).
Comungando desse entendimento, cumpre agora perscrutar se o desvalor da ação/resultado estampado no caso sub examine, embora enquadrável no enunciado normativo do art. 155, caput, do CP (tipicidade...
RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: LEANDRO AFONSO DOS SANTOS (RÉU) ADVOGADO: VILMAR ARAUJO DE SOUZA (OAB SC016587) INTERESSADO: WOLMIR VALENTIM PEREIRA (INTERESSADO) INTERESSADO: JULIO HENRIQUE MIRANDA (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Na comarca de Chapecó, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Leandro Afonso dos Santos, imputando-lhe a prática do delito capitulado no art. 155, caput, do Código Penal, pois, segundo consta na inicial:
No dia 15 de agosto de 2020, por volta das 17h15min, no estabelecimento comercial denominado Supermercado Brasão, situado na Avenida Getúlio Dorneles Vargas, em Chapecó/SC, o denunciado LEANDRO AFONSO DOS SANTOS de forma consciente e voluntária, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, agindo em flagrante demonstração de ofensa ao patrimônio alheio, subtraiu, para si, coisa alheia móvel, consistente em 8 (oito) pacotes de carne 1 bovina, do tipo picanha, marca "Best Beef", avaliadas em R$ 360,80.
Na ocasião, o denunciado subtraiu os pacotes de carne, acondicionando-os em sua mochila, em seguida dirigindo-se à parte externa do mercado.
Ato contínuo, uma funcionária desconfiou da ação de Leandro, momento em que ele tentou empreender fuga correndo, porém, foi alcançado e detido por outros funcionários, na posse da res furtiva (Evento 1, DENUNCIA1, autos originários).
O Magistrado a quo rejeitou a denúncia com fulcro no art. 395, III, do Código de Processo Penal, ante a atipicidade da conduta em decorrência do princípio da insignificância (Evento 4, DESPADEC1, autos originários).
Inconformado com a prestação jurisdicional, o representante do Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, objetivando o recebimento da exordial acusatória e o regular processamento da ação penal, com fundamento, sobretudo, na contumácia delitiva (Evento 7, RAZRECUR1, autos originários).
Apresentadas as contrarrazões (Evento 26, CONTRAZ1, autos originários) e mantida a decisão por seus próprios fundamentos (Evento 29, DESPADEC1, autos originários), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Gilberto Callado de Oliveira, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do reclamo (Evento 12, PROMOÇÃO1).
VOTO
Presentes os requisitos legais de admissibilidade, conhece-se do reclamo.
A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da tipicidade material do delito imputado ao acusado, afastada pelo Magistrado a quo, em face do reconhecimento do princípio da insignificância.
Aludido instituto se insere no rol dos mecanismos que a moderna dogmática jurídico-penal elaborou para tornar efetiva a tarefa político-criminal de descriminalização, sem que se abandone a segurança jurídica do sistema.
Como decorrência dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima no direito penal, o princípio da insignificância atua "como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal" (MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 56).
Funda-se, portanto, na concepção material do tipo penal, por meio da qual a tipicidade não se esgota no juízo lógico-formal de subsunção do fato à norma. Exige que a conduta nela enquadrável revele-se, ainda, ofensiva para o bem jurídico protegido pela lei penal, sem o que a intervenção criminal não se justifica.
Tendo por consequência a exclusão da tipicidade material, no âmbito do Pretório Excelso, estabeleceu-se alguns parâmetros para a sua aplicação, a saber: a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) ausência de periculosidade social da ação, c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Veja-se:
[...] PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DA HABITUALIDADE DELITIVA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos. 3. O princípio da bagatela é afastado quando comprovada a contumácia na prática delitiva. Precedentes: HC nº 133.566, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 12/05/2016, ARE nº 849.776-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 12/3/2015, HC nº 120.662, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 21/8/2014, HC nº 120.438, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 12/03/2014, HC nº 118.686, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 04/12/2013, HC nº 112.597, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 10/12/2012 (STF, Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 129.813/MS. rel. Min. Luiz Fux. j. em 31/5/2016).
Comungando desse entendimento, cumpre agora perscrutar se o desvalor da ação/resultado estampado no caso sub examine, embora enquadrável no enunciado normativo do art. 155, caput, do CP (tipicidade...
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