Acórdão Nº 5020110-42.2021.8.24.0005 do Primeira Câmara Criminal, 24-11-2022

Número do processo5020110-42.2021.8.24.0005
Data24 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5020110-42.2021.8.24.0005/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: FRANK REGIS MARCOS (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na 2ª Vara Criminal da Comarca de Balneário Camboriú o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de FRANK REGIS MARCOS pelo cometimento, em tese, do crime de racismo, nos termos do artigo 20, caput, da Lei 7.716/89, em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória e em sua emenda (respectivamente os Eventos 01 e 21, dos autos originários):

"[...] No dia 31 de outubro de 2021, por volta das 23h, na rua Miguel Matte, em via pública, em frente ao n. 485, Balneário Camboriú/SC, o Denunciado FRANK REGIS MARCOS injuriou a vítima Iracema Maria da Silva, utilizando-se de elementos referentes a cor e raça, afirmando que aquela não poderia transitar pela calçada da rua haja vista ser "negra", ofendendo, assim, a dignidade desta.

Na ocasião, a vítima passava pela rua quando foi surpreendida pelo denunciado, o qual passou a gritar com aquela e determinou que ela deixasse a calçada, afirmando que "ali só passavam pessoas branquinhas, sua negra"; "que lhe daria um tiro caso passasse pela calçada" e, dessa forma, fez com que ela deixasse o local.

As injúrias foram flagradas por terceira pessoa, a qual acionou a guarda municipal e, verificada a veracidade dos fatos por meio de filmagens, o denunciado foi preso em flagrante delito. [...]".

E mais:

"[...] Por outro lado, entretanto, necessário adequar o tipo penal em que enquadrado o crime, devendo o fato ser tratado como racismo, na forma do art. 20, caput, da Lei n. 7.716/89, que prevê o tal o ato de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Isso porque, conforme depoimentos prestados na fase indiciária, o denunciado indicou que naquela calçada só passavam pessoas branquinhas, ou seja, embora as palavras tenham sido dirigidas à vítima Iracema, seu intento foi de discriminar toda uma coletividade.

Acerca da diferenciação entre o tipo penal do art. 140, § 3º do Código Penal (injúria racial) e aquele previsto no art. 20 da Lei n. 7.716/89 (racismo), Nucci1 esclarece que se o agente pretender ofender um indivíduo, valendo-se de caracteres raciais, aplica-se o art. 140, § 3º, do Código Penal. No entanto, se o seu real intento for discriminar uma pessoa, embora ofendendo-a, para que, de algum modo, fique segregada, o tipo penal aplicável é o do art. 20.

É o caso dos autos, uma vez que a intenção fim não era ofender a vítima, mas sim discrimina-la (a ela e toda a coletividade, já que mencionou que a aquela calçada era apenas para pessoas branquinhas).

[...]

Outrossim, considerando-se o princípio da consubstanciação, que em linhas gerais prevê que o acusado defende-se dos fatos e não da capitulação legal dada, não há qualquer prejuízo advindo da presente retificação.

E mais, dispõe o art. 383 do Código de Processo Penal que o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.

Evidente, portanto, que estando adequada a indicação dos fatos e sendo possível a modificação da tipificação legal na sentença, também o é nesse momento processual. [...]".

Encerrada a instrução e apresentadas alegações finais orais pelas partes, sobreveio a sentença oral com o seguinte dispositivo (Eventos 90 e 97, idem):

"[...] Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a denúncia e em consequência CONDENO o réu FRANK REGIS MARCOS (reincidente), qualificado na inicial, como incurso nas sanções do artigo 20, caput da Lei n. 7.716/89, a uma pena privativa de liberdade de 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime SEMIABERTO, sendo incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ou o sursis, pelos motivos já expostos na fundamentação; bem como a pena de multa de 11 (onze) dias-multa, sendo cada dia-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

CONDENO o réu ao pagamento das custas processuais.

O réu encontra-se preso desde 01.11.2021, cumprindo até a presente data o lapso temporal suficiente para alteração do regime inicial fixado para o resgate da reprimenda, passando a cumpri-la, assim, em regime ABERTO. EXPEÇA-SE alvará de soltura, se não estiver preso por outro motivo.

Após o trânsito em julgado: Lance-se o nome do réu no rol dos culpados; Expeça-se o PEC definitivo e remeta-se à execução penal; Oficie-se o T.R.E. Proceda-se às demais determinações da Corregedoria Geral. Intime-se o réu para o pagamento das custas e da multa, no prazo de 10 (dez) dias.

CONCEDO ao condenado o direito de recorrer em liberdade, em razão do regime prisional fixado para o inicio do resgate da reprimenda, considerando-se a detração.

Registrada eletronicamente. Publicada no presente ato. Intimados presentes.

Intime-se pessoalmente o Ministério Público, em respeito à jurisprudência do STJ, REsp 1.349.935-Tema 959.

O réu já manifestou o interesse de recorrer, ficando o defensor intimado para apresentação da razões recursais, no prazo de 8 (oito) dias.

Nada mais. [...]".

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, nos termos do artigo 600, do Código de Processo Penal, arguindo, em suas razões recursais (Evento 110, idem), a nulidade do processo por recebimento da denúncia antes da citação e apresentação de defesa prévia pelo réu.

Também, pretendeu a nulidade da sentença por ausência de manifestação acerca de todas as teses defensivas suscitadas pela defesa, bem como por ausência de exposição de todas as alegações sustentadas pelas partes.

No mérito, pleiteou a absolvição do réu diante da insuficiência probatória capaz de sustentar o decreto condenatório imposto, bem como a ausência de dolo específico na conduta perpetrada.

Por seu turno, a acusação também interpôs recurso de apelação nos termos do artigo 600, do Código de Processo Penal, pretendendo, em sede de dosimetria, o acirramento do regime de resgate da reprimenda imposta para o fechado.

Contrarrazões das partes em consonância com os seus interesses expostos (Eventos 114, idem, e 32, dos autos recursais).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese, que se manifestou pelo conhecimento de ambos os recursos, bem como desprovimento do apelo da defesa, e provimento do apelo da acusação (Evento 35, idem).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2963612v12 e do código CRC b5eb84cd.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIROData e Hora: 24/11/2022, às 13:10:43





Apelação Criminal Nº 5020110-42.2021.8.24.0005/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: FRANK REGIS MARCOS (RÉU) APELADO: OS MESMOS

VOTO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos pela defesa e pela acusação em face de sentença proferida pela 2ª Vara Criminal da Comarca de Balneário Camboriú que, julgando procedente a pretensão acusatória, condenou FRANK REGIS MARCOS ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicialmente semiaberto, bem como ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, fixados no valor mínimo legal, por infração ao previsto no caput do artigo 20, da Lei 7.716/89.



1. Dos fatos sob recurso.

Conforme consta do incluso caderno indiciário, na data de 31 de outubro de 2021, por volta das 23:00h, a vítima Iracema Maria da Silva estava caminhando pelo passeio público localizado na Rua Miguel Matte, em frente ao n. 485, município e comarca de Balneário Camboriú/SC, quando foi interpelada e hostilizada por Frank Régis Marcos, o qual, utilizando-se de elementos referentes à cor e raça da transeunte, afirmou que esta não poderia transitar pela calçada da rua haja vista ser "negra", esbravejando que "ali só passavam pessoas branquinhas, sua negra", bem como "que lhe daria um tiro caso passasse pela calçada".

A situação foi flagrada por terceira pessoa, a qual filmou a ação e acionou a guarda municipal, que conduziu Frank até a delegacia de polícia.



2. Da admissibilidade recursal.

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço dos recursos e passo ao exame dos pleitos recursais.



3. Das preliminares.

Em sede de preambular, a defesa arguiu a nulidade do processo por recebimento da denúncia antes da citação e apresentação de defesa prévia pelo réu.

Também, pretendeu a nulidade da sentença por ausência de manifestação acerca de todas as teses defensivas suscitadas pela defesa, bem como por ausência de exposição de todas as alegações sustentadas pelas partes.

Assim, passo à análise das preliminares suscitadas.

3.1 Da nulidade do processo por recebimento da denúncia antes da citação e apresentação de defesa prévia pelo réu (Apelante Frank).

Acerca desse ponto, salutar esclarecer que a arguição sustentada pela defesa embasou-se na previsão contida no caput artigo 81, da Lei 9.099/95, que assim dispõe:

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa...

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