Acórdão Nº 5020247-39.2021.8.24.0000 do Sétima Câmara de Direito Civil, 21-10-2021

Número do processo5020247-39.2021.8.24.0000
Data21 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5020247-39.2021.8.24.0000/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0306187-33.2017.8.24.0091/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA

AGRAVANTE: EZANI AVILA DE OLIVEIRA AGRAVADO: PAUL OTTERSON (Espólio) AGRAVADO: MARCELA DE ALMEIDA OTTERSON DE BRITO (Inventariante)

RELATÓRIO

Ezani Avila de Oliveira interpôs recurso de agravo de instrumento contra decisão interlocutória (eventos 28, 38 e 44 dos autos de origem) proferida pelo Juízo da Vara de Sucessões e Registro Público da comarca de Florianópolis (Capital) - Eduardo Luz que, na ação de inventário dos bens deixados por Paul James Otterson, autuada sob o n. 0306187-33.2017.8.24.0091, rejeitou o pedido de reconhecimento do direito de moradia em imóvel deixado pelo de cujus e determinou a entrega de veículo partilhado à inventariante Marcela de Almeida Otterson de Brito.

Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, transcreve-se trecho da fundamentação da decisão recorrida:

Vistos, etc.

1) Efetue-se a requisição de transferência, via BACENJUD, de eventuais ativos financeiros existentes em nome do falecido Paul James Otterson, CPF 304.284.247- 91.

2) Da análise da impugnação de fls. 65-79, bem como da resposta apresentada pela inventariante às fls. 370-387, denota-se que o ponto central de divergência é a união estável do casal, que apesar de inconteste, não se sabe ao certo a data de seu início, o que influencia diretamente na correta partilha dos bens.

Todavia, não obstante a longa lista de documentos apresentadas pela companheira (fls. 81-369), a análise da matéria demanda dilação probatória, inclusive com oitiva de testemunhas, o que não possui espaço para realização dentro dos autos do inventário. Trata-se de fato que deverá ser reconhecido por meio de ação própria no juízo competente.

Não se olvida aqui o direito da companheira em participar da herança, o que é expressamente previsto pelo Código Civil, em seu artigo 1.790., tampouco a possibilidade de reserva de bens do espólio nos termos do art. 2.021, da mesma lei, e previsão no mesmo sentido, do art. 628, §2º, do CPC, o que poderá ser requerido pela interessada.

Assim, com base na disposição do art. 612, do CPC, remeto as partes às vias ordinárias.

Intimem-se.

3) No que se refere ao direito real de habitação, cujo reconhecimento foi requerido pela companheira às fls. 65-79, cumpre transcrever o artigo do Código Civil que dispõe sobre o instituto:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Por sua vez, o art. 7º da Lei n. 9.278/1996, estende o direito à união estável:

Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.

Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

Com efeito, é cediço que o direito real de habitação é conferido ao companheiro ou cônjuge sobrevivente sem nenhuma restrição quanto ao regime de bens do matrimônio, autorizando-se a permanência deste no imóvel que serviu de residência ao casal. Nesse sentido: TJSC, Apelação Cível n. 0000661-39.2012.8.24.0058, de São Bento do Sul, rel. Des. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 25-07-2017.

Nessa mesma linha, e por aplicável ao caso, vale transcrever:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. IMÓVEL OCUPADO PELA CONVIVENTE DO DE CUJUS. NÃO INCLUSÃO NA MEAÇÃO. PROPRIEDADE RECONHECIDA À AUTORA EM SENTENÇA QUE JULGOU O INVENTÁRIO. ÚNICA HERDEIRA. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO RECONHECIDO EM FAVOR DA RÉ. POSSE INJUSTA NÃO CONFIGURADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Nas causas em que há apenas interesse de particulares, não há necessidade de intervenção do Ministério Público, nos termos do artigo 82 do Código de Processo Civil.

No sistema da livre persuasão racional, abrigado pelo Código de Processo Civil, o juiz é o destinatário final da prova, cabendo-lhe decidir quais elementos são necessários ao deslinde da causa. Não há cerceamento de defesa se a diligência requestada não se apresenta como pressuposto necessário ao equacionamento da lide.

Se o imóvel sobre o qual controvertem as partes era utilizado como moradia de casal que convivia em sociedade conjugal de fato, com a morte do varão, é de ser assegurado à convivente o direito real de habitação, máxime sendo ele o único bem deixado pelo "de cujus", independentemente de ter a companheira sobrevivente contribuído para aquisição do mesmo. Interpretação analógica do art. 1.831 do Código Civil, coadjuvado com o art. 7º, § único, da Lei 9.278/96, e art. 226, § 3º, da Constituição Federal. (TJSC, Ap. Cív. n. 2011.002458-5, de Pinhalzinho, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 21.10.2011) (Ap. Cív. 2012.061591-8, de Itapema. Relator Des. Sebastião César Evangelista, j. 08/10/2015.

No caso em análise, não há nos autos qualquer prova/alegação de que o imóvel servia de residência ao casal.

Do próprio pedido extraio que o bem era utilizado para criação de alguns animais, além de armazenamento de móveis e outros objetos (fl. 70).

Além disso, foram juntadas fotos às fls. 348-360 que demonstram o evidente abandono do local, com grande acúmulo de lixo e falta de cuidados com a conservação do bem, o que demonstra que o local não era usado como moradia pelo casal.

Por fim, cumpre anotar que a própria companheira juntou aos autos comprovante de seu benefício previdenciário, dando conta do recebimento de valores suficientes à sua subsistência (fls. 161-165), o que afasta o reconhecimento do direito pelo seu caráter assistencial.

Assim, indefiro o reconhecimento do direito real de habitação à companheira Ezani Ávila de Oliveira em relação ao único imóvel inventariado.

Intime-se.

4) Sobre o seguro de vida contratado pelo de cujus, referidos valores não integram o espólio, uma vez que não podem ser equiparados a herança, na forma do art. 794, do Código Civil.

5) Já no que se refere às dívidas do espólio, todas aquelas que comprovadamente tiverem como devedor o falecido poderão ser habilitadas no presente inventário para fins de quitação, observada a forma prevista no art. 642 e seguintes, do CPC.

6) Quanto ao veículo inventariado, sendo certo que sua guarda e conservação é incumbência do inventariante (art. 618, II, do CPC), defiro o pedido de fl. 385, item "b", devendo referido bem ser entregue à inventariante no prazo de 15 (quinze) dias a contar da intimação do respectivo procurador, mediante prestação de contas, sob pena de expedição de mandado judicial para tanto.

7) Ademais, os outros pontos controvertidos serão resolvidos pela fixação do marco inicial da união estável entre Ezani Ávila de Oliveira e o...

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