Acórdão Nº 5020360-73.2021.8.24.0038 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 31-03-2022

Número do processo5020360-73.2021.8.24.0038
Data31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5020360-73.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador RODOLFO TRIDAPALLI

APELANTE: ROMILDA LIRA (AUTOR) ADVOGADO: FELIPE DOS PASSOS SILVA (OAB SC058547) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Da ação

Adoto o relatório da sentença recorrida (Evento 19), em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, por retratar com fidedignidade o trâmite processual no primeiro grau, in verbis:

I - ROMILDA LIRA propôs ação conhecimento submetida ao procedimento comum contra BANCO BMG S.A por meio da qual requer a declaração de inexistência da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável; a repetição em dobro do montante descontado indevidamente; e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Para tanto, alegou que i) contratou um empréstimo consignado com a parte ré; ii) por meio do pacto, vem sofrendo descontos excessivos em seu benefício previdenciário, sob a denominação "reserva de margem consignável"; iii) referida cobrança está relacionada a suposto cartão de crédito; iv) não contratou a aquisição de cartão de crédito da parte ré, tampouco autorizou os descontos; v) a cobrança é ilícita e configura a prática de venda casada.

Recebida a petição inicial, negou-se a antecipação da tutela e deferiu-se o benefício da gratuidade da justiça.

Na contestação, BANCO BMG S.A arguiu, em preliminar, as teses aventadas, conforme resposta do réu. No mérito, alegou que i) a parte autora, diversamente do que alega, não firmou contrato de empréstimo consignado, mas sim "termo de adesão cartão de crédito consignado"; ii) ela estava ciente de todas as cláusulas e especificações contratuais; iii) está comprovada a formalização do contrato de cartão, bem como a expressa autorização para a reserva de margem consignável de acordo com o limite de 5% estabelecido para beneficiários do regime geral de previdência; iv) por se tratar de um cartão consignado, o banco realiza o desconto mínimo em folha, cabendo ao cliente o pagamento do restante via fatura enviada para o seu endereço; v) o não pagamento do valor integral da fatura do cartão acarreta a incidência de encargos sobre o saldo devedor, conforme previsão contratual; vi) não praticou ato ilícito, sendo indevidos os pedidos de indenização por danos morais e de repetição do indébito. Requereu a rejeição do pedido com a inversão dos ônus sucumbenciais.

Ambas as partes juntaram documentos.

Houve réplica.

É o relatório.

Da sentença

O Juiz de Direito, Dr. FERNANDO SEARA HICKEL, da 2º Vara de Direito Bancário da Comarca de Joinville, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (Evento 19):

III - Pelo exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo procedentes os pedidos formulados por ROMILDA LIRA contra BANCO BMG S.A e, em consequência, i) declaro a ilegalidade da reserva de margem consignável no benefício previdenciário da parte autora (pensão por morte do trabalhador rural n. 912019646); ii) condeno o réu à restituição dos valores debitados do benefício previdenciário da parte autora, quantia essa que deverá ser corrigida monetariamente pelo INPC-IBGE, a partir da data do desembolso, com incidência de juros moratórios desde a citação, mediante compensação, tudo a ser apurado em execução de sentença. Eventuais valores obtidos com o mútuo e passíveis de compensação deverão observar o mesmo índice de correção monetária, ou seja, o INCP-IBGE a partir da data do desembolso; iii) condeno a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10 mil reais, valor este acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso (6/8/2018, evento n. 1, extrato n. 6); iv) determino que o banco requerido se abstenha de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC), devendo comprovar nos autos, em 15 dias, o cancelamento da limitação acima citada, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada ao montante de R$ 25 mil. O termo inicial para incidência da multa será após o trânsito em julgado e deverá observar a súmula 410 do STJ.

Condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da condenação, tendo em vista a sua simplicidade aliada à ausência de produção de provas em audiência (art. 85, § 2º, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intime-se. Transitada em julgado e mantida esta sentença em eventual sede recursal, cumpram-se eventuais providências pendentes e arquivem-se os autos.

Da Apelação do BANCO BMG S/A

Inconformado com a prestação jurisdicional, o BANCO BMG S.A, ora Apelante, interpôs recurso de Apelação (Evento 26), alegando, em suma, a legalidade do contrato celebrado. Aduz que o contrato de cartão de crédito consignado com possibilidade de saque é suficientemente claro e preciso ao identificar a modalidade que está se contratando, os mecanismos de pagamento e a cobrança dos débitos correspondentes.

Acrescenta que os documentos anexados aos autos demonstram que o contrato não dá margem a interpretação equivocada, existindo autorização expressa da Autora, ora Apelada, para o desconto em folha de pagamento.

Aduz que a Apelada efetuou saques complementares, utilizando-se do cartão de crédito contratado junto ao Banco, sendo pertinentes os descontos efetuados.

Assevera que inexistente a prática de ato ilícito, sendo indevida a condenação por dano moral. Caso mantida a condenação, requer a minoração do quantum indenizatório arbitrado na sentença, tendo em vista não ter sido demonstrado nenhum prejuízo efetivo em razão dos fatos reclamados que sustente o valor tão elevado arbitrado frente aos critérios e princípios que norteiam a fixação do valor da compensação por dano moral. Ainda, aduz que impossível a incidência de juros moratórios em momento anterior a sentença.

Argumenta que a restituição dos valores descontados somente é possível quando há cobrança de quantia indevida, o que não é o caso dos autos.

Da Apelação de ROMILDA LIRA

A Autora interpôs recurso de Apelação (Evento 31), sustentando que a restituição dos valores descontados indevidamente do benefício do Apelante deve ocorrer de forma dobrada, a teor do disposto no art. 42 do CDC, visto que a Instituição Financeira incorreu em prática abusiva.

Das contrarrazões

A Autora e o BANCO BMG S/A apresentaram contrarrazões no Evento 41 e no Evento 42, respectivamente, refutando as teses dos Apelos contrários às suas pretensões.

Após, vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

I - Da admissibilidade

Os recursos preenchem os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merecem ser conhecidos.

II - Do julgamento conjunto dos recursos

a) Da nulidade contratual

Inicialmente, imperioso destacar que a relação existente entre as partes está sob o albergue do Código de Defesa do Consumidor, subsumindo-se Apelante e Apelado aos conceitos de fornecedor e consumidor prescritos nos artigos 2° e 3°, ambos do Diploma Protetivo.

Ademais, quanto à aplicabilidade das normas consumeristas às Instituições Financeiras, incide na espécie a Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça: "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Superada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento, passo à análise da discussão vertida nos autos.

No caso em comento, a Instituição Financeira, ora Apelante, defende a regularidade da contratação, a legalidade na reserva de margem consignável, bem como a inexistência de dano moral.

Por outro lado, o Autor/Apelado alegou que tinha pretensão de firmar contrato de empréstimo consignado, com desconto direto em seu benefício previdenciário, porém, foi surpreendido com a liberação de um cartão de crédito com reserva de margem consignada (Cartão de Crédito Consignado), com juros claramente mais onerosos.

Pois bem.

Da análise da documentação constante nos autos, verifico que o Autor/Apelado firmou com o banco Apelante, na data de 03/08/2018, "Termo de Adesão de Crédito Consignado e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" (Evento 13 - CONTR2), sob o número 52959969, acreditando, segundo alega, ter contratado empréstimo consignado com descontos mensais em seu benefício previdenciário.

Do extrato de pagamentos apresentado pela parte Autora/Apelada, denoto que além de empréstimos consignados contratados com outra Instituição Financeira, existe o desconto sob a rubrica "Empréstimo RMC" no valor de R$ 47,70 (quarenta e sete reais e setenta centavos) (Evento 1 - EXTR6 e EXTR7).

Em que pese o banco Apelante tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa de reserva consignável, tal fato, por si só, não comprova a sua validade. É inconteste o defeito na prestação de serviço, pois, decorre da análise detida dos autos, que não...

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