Acórdão Nº 5021036-48.2020.8.24.0008 do Segunda Câmara Criminal, 07-06-2022

Número do processo5021036-48.2020.8.24.0008
Data07 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5021036-48.2020.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: GUILHERME DE OLIVEIRA DOS SANTOS (ACUSADO) ADVOGADO: ALTAMIR FRANÇA (OAB SC021986) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Blumenau, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Guilherme de Oliveira dos Santos, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, nos seguintes termos:

No dia 25 de julho de 2020, por volta das 19h50min., em residência na Rua Imgard Carl, n. 87, Bairro Escola Agrícola, Blumenau/SC, o denunciado Guilherme de Oliveira dos Santos guardava, tinha em depósito e vendia drogas (ecstasy, cocaína e maconha) sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, portanto, para fins de comércio.

Na ocasião, em virtude de informações preliminares que davam conta de que no local acima declinado era realizado o tráfico de entorpecentes, policiais militares para lá se deslocaram e realizaram breve campana.

Durante tal ação (campana), observaram que, de fato, havia uma intensa movimentação e, em dado momento, visualizaram o exato momento no qual um táxi, automóvel Chevrolet Ônix Plus, placas RDW-9162, estacionou em frente à residência em questão e, poucos instantes depois, um indivíduo veio até a janela do carro e aparentemente lhe entregou algo, ao que, em seguida, o condutor do automóvel rapidamente saiu do local.

Diante desse cenário, os policiais militares procederam à abordagem do veículo e seu condutor poucos instantes após ter saído do ponto onde fora visualizado em aparente negociação de compra e venda de drogas e, desse modo, identificaram Isac Souza da Silva como sendo o aparente comprador. Embora na busca pessoal a ele nada de ilícito tenha sido encontrado, no console central do carro se encontrou e apreendeu (I) 04 (quatro) buchas de cocaína - que, no caso, seriam as adquiridas na residência que era monitorada (do denunciado).

Pelas notáveis e fundadas suspeitas decorrentes do apurado, os agentes da lei decidiram retornar ao local monitorado e proceder à incursão domiciliar e, quando a iniciavam, o morador da habitação já especificada percebeu a presença policial, correu até uma estante, muniu-se com um cinzeiro e danificou a tela de (II) um aparelho celular que possuía (e que foi devidamente apreendido), mas isso não impediu sua abordagem pelos policiais militares, os quais o identificaram como sendo o denunciado Guilherme de Oliveira dos Santos.

Em busca pessoal nada de ilícito foi encontrado, porém o denunciado apontou aos policiais militares o exato local onde guardava e tinha em depósito drogas que vendia, qual seja, dentro de uma estante e em um pote, no qual foram encontrados e apreendidos os seguinte itens: (III) 45 (quarenta e cinco) comprimidos de ecstasy, com peso total aproximado de 17,67 gramas; (IV) 01 (uma) porção de cocaína, com peso total aproximado de 9,78 gramas; (V) 01 (um) porção de maconha, com peso total aproximado de 15,34 gramas, drogas essas (III, IV e V) que seriam destinadas à comercialização; e (VI) 3.970,00 (três mil, novecentos e setenta reais) em espécie, sem origem lícita comprovada e, pelas circunstâncias, provenientes da mercancia espúria exercida pelo denunciado (Evento 1, doc2).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito Rafael de Araújo Rios Schmitt julgou procedente a exordial acusatória e condenou Guilherme de Oliveira dos Santos à pena de 3 anos e 4 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 333 dias-multa, substituída a privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de valor equivalente ao do salário mínimo, pelo cometimento do delito previsto no art. 33, caput, c/c seu § 4º, da Lei 11.343/06 (Evento 104).

Insatisfeito, Guilherme de Oliveira dos Santos deflagrou recurso de apelação (Evento 109).

Em suas razões, aponta a nulidade da confissão feita aos Policiais Militares porque "em momento algum [...] foi informado pelos agentes do seu direito ao silêncio e de ser assistido por um advogado durante o informal interrogatório", na verdade, "a todo o tempo os agentes de polícia [...] forçavam a confissão [...] valendo-se de pressão psicológica e moral", devendo ser reconhecida a "nulidade dos atos de interrogatório informal e, consequentemente o reconhecimento de ilicitude das provas por derivação".

Suscita "a quebra da cadeia de custódia da prova", alegando que um dos Policiais ouvidos declarou não saber como a droga fora acondicionada, "mas deixou claro que a guarnição fez a divisão e qualificação da droga antes de entregar a autoridade policial", de modo que "não houve o devido cuidado de resguardar o material apreendido para fins de comprovação de materialidade" e, assim, "a prova pericial acostada aos autos [...] é nula por violação do art. 158-A, 158-B inc. V, 158-C".

Argui a ocorrência de nulidade processual sob o fundamento de que "foram agentes do serviço de inteligência que realizaram o serviço de monitoramento, investigação e abordagem", mas eles não foram arrolados como Testemunhas, ao passo que "os dois policiais que foram arrolados [...] não tiveram participação alguma nos fatos".

Pondera que as palavras de tais Agentes Públicos são "testemunho do ouvi dizer, e a condenação que utiliza-se deste tipo de prova ofende o devido processo legal e o contraditório".

Em matéria de fundo, pondera que não há comprovação de que a droga destinava-se ao comércio e que o dinheiro apreendido proveio de atividade lícita.

Sob tais argumentos, requer, preliminarmente, que sejam reconhecidas as nulidades de "inconstitucionalidade da confissão extrajudicial, ante a ausência do esclarecimento por parte das autoridades policiais ao apelante do seu direito constitucional de não se autoincriminar", de "quebra da cadeia de custódia da prova" e da "prova testemunhal" e, no mérito, "seja desclassificada a conduta para o tipo penal previsto no art. 28, caput, da lei 11.343/06" (eproc2G, Evento 7, doc1).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (eproc2G, Evento 11).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Raul Schaefer Filho, manifestou-se pelo reconhecimento, de ofício, da ilicitude das provas em razão da violação de domicílio, com o consequente provimento do apelo para absolvição do Acusado (eproc2G, Evento 14).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. A preliminar deduzida pela Procuradoria de Justiça, com a devida vênia, não convence.

O art. 5º, caput, XI, da Constituição da República, garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

Ainda que o delito de tráfico de drogas seja, em muitas de suas modalidades, permanente, o que faz com que a situação de flagrância se prolongue no tempo, é necessário que haja indícios mínimos que respaldem razoável grau de certeza de sua ocorrência (em outros termos, justa causa) antes da incursão para possível efetuação da prisão em flagrante (mesmo que a formalização da justificativa seja posterior), para que seja lícita a operação nesse sentido. Do contrário, seria respaldar arbitrariedades, desde que elas resultassem na apreensão de materiais ilícitos.

Exatamente nesse sentido posiciona-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fixada no julgamento do Recurso Extraordinário 603.616, quando foi decidido que "a entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida" (Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 5.11.15).

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão paradigmática acerca do tema:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 1.1. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige. 1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: "O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail, its...

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