Acórdão Nº 5021246-35.2021.8.24.0018 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 04-04-2023

Número do processo5021246-35.2021.8.24.0018
Data04 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5021246-35.2021.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: CELESTINO BRAGA DOS SANTOS (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de apelação cível interposto por CELESTINO BRAGA DOS SANTOS contra sentença de improcedência (evento 25) prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Chapecó, nos autos da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, ajuizada em desfavor de BANCO PAN S.A..
Em suas razões recursais (evento 29), requer a reforma do "decisum", com a procedência dos pleitos formulados na exordial, reafirmando a ocorrência de prática abusiva efetuada pela parte ré. Diante disto, postula a declaração de nulidade/inexistência da contratação, com a devolução em dobro dos valores descontados do benefício do recorrente. Ainda, pretende a condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais e dos ônus sucumbenciais.
Apresentadas as contrarrazões (evento 35), casa bancária postulou o não conhecimento do reclamo, sustentando ofensa ao princípio da dialeticidade.
Após, os autos ascenderam a esta Instância.
É o relato do essencial

VOTO


Ofensa ao princípio da dialeticidade - preliminar formulada em contrarrazões
Em sede de resposta, a parte recorrida afirma a ausência de dialeticidade entre o comando sentencial e as razões recursais, argumentando que não impugna especificamente os fundamentos da decisão recorrida.
Entretanto, não há motivo para o não conhecimento do recurso por ofensa ao art. 1.010 do Código de Processo Civil.
De acordo com referido dispositivo, "a apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: os nomes e a qualificação das partes; a exposição do fato e do direito; as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; o pedido de nova decisão" (incisos I a IV).
A esse respeito, leciona Daniel Amorim Assumpção Neve:
Em decorrência do principio da dialeticidade, todo o recurso deverá ser devidamente fundamentando, expondo o recorrente os motivos pelos quais ataca a decisão impugnada e justificando seu pedido de anulação, reforma, esclarecimento ou integração. Trata-se, na realidade, da causa de pedir recursal. A amplitude das matérias dessa fundamentação divide os recursos entre aqueles que tem fundamentação vinculada e os que tem fundamentação livre. [...]
Costuma-se afirmar que o recurso e composto por dois elementos: o volitivo (referente a vontade da parte em recorrer) e o descritivo (consubstanciado nos fundamentos e pedido constantes do recurso). O principio da dialeticidade diz respeito ao segundo elemento, exigindo do recorrente a exposição da fundamentação recursal (causa de pedir; error in judicando e error in procedendo) e do pedido (que podera ser de anulação, reforma, esclarecimento ou integração).
Tal necessidade se ampara em duas motivações: permitir ao recorrido a elaboração das contrarrazões e fixar os limites de atuação do Tribunal no julgamento do recurso. [...]
Por outro lado, o pedido se mostra indispensável na formulação de qualquer recurso porque, ao lado da fundamentação, limita a atuação e decisão do Tribunal, considerando-se a regra do tantum devolutum quantum appelatum (art. 515, caput, do CPC), Em decorrência do principio dispositivo, que norteia a existência e os limites - ao menos em regra - do recurso, a atuação jurisdicional do Tribunal estará vinculada a pretensão do recorrente, exposta em sua fundamentação e em seu pedido, o que demonstra claramente a importância do principio da dialeticidade. (Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 570 e 599/560)
No caso em análise, verifica-se a pertinência dos fundamentos constantes nas razões recursais - nas quais fora pleiteada a declaração de inexistência de contratação e condenação da adversa à restituição dos valores e a título de danos morais -, havendo conexão entre os argumentos deduzidos e os fundamentos do "decisum" que julgou procedentes os pedidos iniciais.
Assim sendo, evidencia-se que as razões recursais não estão dissociadas do fundamento utilizado na sentença impugnada, restando cumprido o requisito previsto no art. 1.010, II, da Lei Adjetiva Civil.
Portanto, a tese sustentada deve ser rejeitada, de modo que se avança à análise do apelo interposto pela parte acionante.
Insurge-se a parte autora contra sentença de improcedência, objetivando a declaração de inexistência de contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, com reserva de margem consignável (RMC), com a condenação da casa bancária à reparação por dano moral e à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente.
Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Contratação via cartão de crédito consignado
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte postulante defendeu a nulidade da contratação celebrada com a instituição financeira ré, por vício de consentimento, sustentando ter sido induzido a erro por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela validade da relação jurídica decorrente do contrato via cartão de crédito com reserva de margem consignável, julgando improcedente os pedidos exordiais, "decisum" contra o qual a autora interpôs recurso de apelação.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.
Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).
Sob essa ótica, evidencia-se que o ponto nodal da controvérsia debatida nos autos está circunscrita à averiguação acerca da falta ou não de informação da operação bancária ao adquirente do crédito, isto é, se a parte consumidora detinha, ou não, conhecimento acerca da modalidade contratada e de suas consequências contratuais.
E, assim, como a parte autora deduz fato negativo como elemento constitutivo de seu direito (não contratação do cartão de crédito com reserva e margem consignável), o exame da existência ou não de vício de consentimento se restringe à comprovação pela casa bancária de que o contratante tinha ciência da modalidade de empréstimo efetivamente pactuada.
Analisando o caderno processual, verifica-se que, objetivando provar o esclarecimento à consumidora acerca das especificidades da contratação, colacionou a instituição financeira dois contratos, quais sejam: a) a "Planilha de Proposta de Cartão", "Termo de Adesão ao Regulamento para Utilização do Cartão de Crédito Consignado Pan" e a respectiva "Solicitação de Saque via Cartão de Crédito - Transferência de Recursos do Cartão de Crédito Pan", todos datados de 29/04/2016; b) "Termo de Adesão ao Regulamento de Cartão de Crédito e Cartão de Crédito Consignado Pan ("Regulamento") n. 729034587, e a respectiva "Solicitação de Saque via cartão de Crédito Consignado - Transferência de Recursos", datados de 05/09/2019; c) Termo de Adesão ao Regulamento para Utilização do Cartão de Crédito Consignado PAN" n. 735138210 e respectiva "Solicitação de Saque Via Cartão de Crédito" datados de 18/04/2020 (Evento 16).
Pois bem.
Compulsando-se os ajuste firmados derradeiramente, verifica-se que estes contêm imagens exemplificativas do cartão de crédito, objetivando esclarecer ao consumidor acerca das especificidades da contratação. Em tais casos, tendo em vista o teor da referida documentação, é entendimento deste Órgão Fracionário que resta demonstrado o pleno conhecimento da parte hipossuficiente a respeito da modalidade contratual entabulada, a afastar a tese autoral de vício de consentimento.
Nesse sentido, extrai-se da jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO...

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