Acórdão Nº 5021285-86.2021.8.24.0000 do Quinta Câmara Criminal, 27-05-2021

Número do processo5021285-86.2021.8.24.0000
Data27 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Habeas Corpus Criminal Nº 5021285-86.2021.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA


PACIENTE/IMPETRANTE: DOUGLAS GONCALVES DA LUZ (Paciente do H.C) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: MARCOS PAULO SILVA DOS SANTOS (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis


RELATÓRIO


Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pelo advogado Marcos Paulo Silva dos Santos, em favor de Douglas Goncalves da Luz, preso desde o dia 31/03/2021 pela suposta prática do crime descrito no art. 15 da Lei n. 10.826/03, apontando como autoridade coatora o Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis.
Sustenta o impetrante, inicialmente, que o crime imputado ao paciente "não preenche o requisito do art. 313, I, do Código Penal, uma vez que possui pena privativa de liberdade máxima de 4 anos".
Prossegue dizendo que, "a defesa descorda no tocante a comprovação de materialidade e autoria fundamentada pelo Magistrado, uma vez que a única prova do referido delito é o relato do Policial Militar Daniel Gomes Arantes, apenas, não foi apreendida nenhuma arma, nenhum cartucho de munição, não há nos autos qualquer testemunha, nada! Sabe-se que a palavra dos agentes estatais possui certo valor probatório quando vai de acordo com as demais provas colecionadas nos autos. Todavia, aqui é o relato do Policial e só, ainda em desencontro com a palavra do ora paciente e com as próprias provas processuais".
Pondera que, "Apesar de possuir condenação anterior por tráfico de drogas, tal fato ocorreu em 2010 e não representa mais a vida do paciente, conforme se extrai do emocionante depoimento dado na audiência do evento 23 do Inquérito Policial, em que informou que desde que está foragido possui emprego lícito, que saiu da criminalidade e inclusive estava foragido por ter sido decretado pela facção criminosa. Narrou todos os fatos com coerência e emoção, e desde o início negou qualquer atentado contra a vida dos policiais".
Alega, ainda, que os argumentos utilizados pelo juízo a quo para justificar e manter a prisão não são suficientes, eis que inexiste fundamentação concreta acerca da necessidade da medida.
Ressalva que, o decreto preventivo é a ultima ratio, sendo que a regra geral é que o indivíduo responda um processo criminal em liberdade, em consonância com o princípio da presunção de inocência, ao passo que sua decretação deverá se dar em decisão fundamentada e quando as medidas cautelares não se mostrarem suficientes.
No mais, afirma que "o paciente, além de estar há anos sem envolvimento com qualquer delito, possui residência fixa e emprego lícito no distrito de culpa, bem como possui forte vínculo familiar por residir com sua esposa e as crianças", de modo que, perfeitamente possível a substituição da custódia preventiva por medidas cautelares diversas da prisão.
Sustenta a "possibilidade da aplicação do monitoramento pela tornozeleira eletrônica, visto que se faz suficiente para a garantia da ordem pública, uma vez que o paciente poderá ser monitorado 24 horas por dia, e a vigilância é a melhor ferramenta psicológica para evitar a reiteração criminosa".
Por fim, aduz que "Douglas está no ergástulo público em conjuntura perpetrada por uma pandemia mundial, de forma que, ainda que não apresente características para se inserir em grupo de risco, é notório que as chances de contrair a doença dentro da cadeia, nas condições precárias que ficam submetidos os encarcerados, devem ser levadas em conta, especialmente porque, como demonstrado, o paciente sequer deveria estar lá".
Nesses termos, justifica estarem presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, motivo pelo qual requer a concessão da ordem em liminar, a fim de que "o Paciente aguarde em liberdade o deslinde da investigação - com monitoramento eletrônico" (evento 1).
Indeferido o pedido liminar e dispensadas informações (evento 8), a Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do douto Procurador de Justiça, Dr. Paulo Antônio Günther, manifestou-se pelo conhecimento parcial e, nesta extensão, denegação da ordem (evento 12).
É o relatório

VOTO


Ab initio, necessário relembrar que o habeas corpus é remédio constitucional que visa tutelar a liberdade corpórea do indivíduo, o seu direito de locomoção. Não é ele, pois, instrumento adequado para se discutir as provas ou a inocência da paciente, cingindo sua análise tão somente à ilegalidade ou não de ato constritivo de liberdade de locomoção.
Nesse passo, destaca Paulo Rangel:
A discussão sobre os elementos de prova ou sobre a inocência do réu é matéria a ser discutida no curso do processo, perante o juiz de primeiro grau, e não na ação de habeas corpus, sob pena de haver supressão de instância (Direito Processual Penal. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2016, p. 1.080).
A propósito, "no procedimento do habeas corpus não se permite a produção de provas, pois essa ação constitucional deve ter por objeto sanar ilegalidade verificada de plano, por isso não é possível aferir a materialidade e a autoria delitiva" (RHC 101.367/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 26/11/2018).
Portanto, a tese de que não há comprovação acerca da materialidade e autoria do crime, por demandar incursão na seara fático-probatória, inviável na via exígua do writ, não pode ser conhecida.
Nesse diapasão, é o julgado da Corte da Cidadania:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE PROVAS. VIA INADEQUADA [...] Reconhecer a ausência, ou não, de elementos de autoria e materialidade delitiva acarretaria, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto fático-probatório, impróprio na via do recurso ordinário em habeas corpus [...] (STJ, RHC 144.958/CE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 04/05/2021).
Superada tal questão, extrai-se da análise do caderno processual que o paciente Douglas Goncalves da Luz responde ao processo criminal n. 5031770-76.2021.8.24.0023 perante o Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, por suposta prática do crime tipificado no artigo 15 da Lei n. 10.826/03.
O juízo a quo, nos autos n. 5030343-44.2021.8.24.0023, justificou a necessidade da segregação cautelar nos seguintes termos (evento 32):
Trata-se de auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor de DOUGLAS GONCALVES DA LUZ pela prática, em tese, do crime descrito no art. 121, caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.
Diante da pandemia da Covid-19, fica dispensada a realização da audiência de custódia como medida de prevenção à propagação do coronavírus, nos termos do art. 8º da Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça.
DA PRISÃO EM FLAGRANTE
De início, registro que o acusado não foi preso em situação de flagrância, pois não foi abordado em nenhuma das hipóteses do art. 302 do Código de Processo Penal.
Conforme bem destacou o representante do Ministério Público em sua manifestação "o acusado não estava cometendo a infração penal, não foi perseguido e nem mesmo encontrado em poder de instrumentos, armas ou objetos relacionados ao crime" (evento 29).
Portanto, considerando que diligências policiais não se equiparam à perseguição descrita no art. 302, III, do Código de Processo Penal, o RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE é medida que se impõe.
DA PRISÃO PREVENTIVA
Contudo, passo a analisar a REPRESENTAÇÃO pela prisão preventiva, formulada pela autoridade policial e com manifestação favorável do Ministério Público.
A propósito da possibilidade de relaxamento do flagrante e imediata decretação da prisão preventiva, mormente como é o caso após representação da autoridade policial, indico o seguinte precedente:
PROCESSUAL PENAL. LEI Nº 12.403/2011. RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE. VÍCIO FORMAL. DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. POSSIBILIDADE. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 312 DO CPP. CRITÉRIOS DA NECESSIDADE E DA ADEQUAÇÃO. PRESERVAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO I - A decretação da prisão preventiva não faz com que o Juiz atue como órgão investigativo e não viola o sistema acusatório já que, com a comunicação do flagrante, há a primeira provocação para a apreciação judicial da prisão, constituindo dever do magistrado analisar todos os aspectos da situação fática posta a exame. Não se trata, assim, de exercício espontâneo da atividade jurisdicional, mas de análise provocada pela ocorrência da prisão em...

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