Acórdão Nº 5021442-05.2021.8.24.0018 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 03-02-2022

Número do processo5021442-05.2021.8.24.0018
Data03 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5021442-05.2021.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN

APELANTE: MILTON ROBERTO RODRIGUES (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

1.1) Da inicial

MILTON ROBERTO RODRIGUES ajuizou "Ação Declaratória c/c Indenização por Dano Moral" em face do BANCO PAN S.A., alegando, em síntese, que as partes haviam firmado contrato de empréstimo pessoal consignado, tendo o réu efetuado indevidamente descontos a título de Reserva de Margem de Cartão de Crédito - RMC.

Aduziu ainda que nunca solicitou ou autorizou a emissão de cartão de crédito com reserva de margem de crédito.

Diante desses fatos, pediu a concessão da tutela de urgência antecipada para o réu se abster de reservar a margem destinada a cartão de crédito consignado e de efetuar o desconto em seu benefício previdenciário.

Requereu a declaração de inexistência da contratação do cartão de crédito consignado, a repetição de indébito em dobro, a indenização por dano moral e a atribuição da sucumbência ao réu.

Pediu o trâmite processual prioritário, a concessão da justiça gratuita, o reconhecimento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova e a exibição de documentos pelo réu.

Valorou a causa e juntou documentos (evento 1).

1.2) Da resposta

Citado (eventos 9/10), o réu ofertou resposta, em forma de contestação (evento 12). Suscitou, preliminarmente, a ausência de interesse processual, como prejudicial de mérito, a prescrição. No mérito, defendeu a licitude da reserva da margem destinada ao cartão de crédito consignado e dos respectivos descontos no benefício previdenciário do autor, pois este os autorizou ao aderir ao termo sub judice e efetuar saques via cartão. Apontou a falta de prova do alegado dano moral indenizável, a prática de advocacia predatória pelo procurador do autor e a impossibilidade de inversão do ônus da prova. Requereu a extinção do feito com o acolhimento das preliminares ou da prejudicial de mérito e, de forma subsidiária, a improcedência dos pedidos do autor e a sua condenação nas verbas sucumbenciais. Pediu o oficiamento ao NUMOPEDE para cientificação a respeito da conduta predatória do advogado do réu. Pleiteou, em caso de procedência, a fixação do quantum indenizatório em patamar razoável e a devolução do montante creditado ao autor ou a compensação de valores.

Juntou documentos (eventos 11/12).

1.3) Do encadernamento processual

Deferida a justiça gratuita e indeferida a tutela de urgência (evento 4).

Manifestação à contestação (evento 15).

1.4) Da sentença

Prestando a tutela jurisdicional, a Dra. Maira Salete Meneghetti deixou de apreciar as preliminares e a prejudicial de mérito arguidas pelo réu tendo em vista o resultado do julgamento e proferiu sentença com resolução de mérito para julgar parcialmente improcedente a pretensão do autor (evento 18), nos seguintes termos:

Assim sendo, rejeito os pedidos formulados na inicial e, com fundamento no inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil, decido o processo com apreciação do mérito.Via de consequência, condeno a parte autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, os quais arbitro equitativamente em R$ 1.000,00 (mil reais), cuja execução deverá observar o disposto no § 3º do artigo 98 do diploma processual, uma vez que é beneficiária da justiça gratuita. (grifos do original)

1.5) Do recurso

Inconformado com a prestação jurisdicional, o autor interpôs recurso de Apelação Cível, reiterando argumentos lançados na origem, com o que pretende a reforma da sentença para sua pretensão ser julgada procedente (evento 14).

1.6) Das contrarrazões

Apresentadas (evento 28).

Este é o relatório.

VOTO

2.1) Do objeto recursal

A discussão versa sobre contrato de cartão de crédito consignado, dano moral indenizável, repetição de indébito e sucumbência.

2.2) Da admissibilidade

Ab initio, deixo de conhecer do prequestionamento formulado no bojo das contrarrazões, por consistir em via inadequada.

No mais, conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, pois oferecido a tempo e modo, dispensado o preparo (art. 1.007, § 1º, CPC) e evidenciados o objeto e a legitimação.

2.3) Da preliminar e da prejudicial de mérito arguidas pelo réu

O juízo a quo deixou de apreciar a preliminar e a prejudicial de mérito arguidas pelo réu em contestação por reconhecer a improcedência da pretensão do autor, consoante autoriza o art. 488 do CPC.

Considerando, pois, a reforma da sentença por este julgamento para reconhecer a parcial procedência da pretensão do autor, pertinente a apreciação da preliminar e da prejudicial de mérito arguidas pelo réu em contestação.

2.3.1) Da preliminar

Suscita o réu a falta de interesse processual do autor ante a inexistência de prévio tentativa de solução do conflito pela via administrativa.

Sem razão.

Cediço que o interesse processual aponta a necessidade e a utilidade da prestação da tutela jurisdicional almejada pelo demandante e que sua apuração deve "considerar as alegações do autor, não se examinando, para tanto, as provas que foram apresentadas" (ALVIM, Angélica Arruda (coord.) [et al.]. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 80).

Ainda, sobre o interesse processual, elucida a doutrina:

2.1. Interesse de agirÉ constituído pelo binômio necessidade e adequação. Para que se tenha interesse é preciso que o provimento jurisdicional seja útil a quem o postula.A propositura da ação será necessária quando indispensável para que o sujeito obtenha o bem desejado. Se o puder sem recorrer ao Judiciário, não terá interesse de agir. É o caso daquele que propõe ação de despejo, embora o inquilino proceda à desocupação voluntária do imóvel, ou do que cobra dívida que nem sequer estava vencida.A adequação refere-se à escolha do meio processual pertinente, que produza um resultado útil. A escolha inadequada da via processual torna inútil o provimento e enseja a extinção do processo sem resolução de mérito. (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Curso de direito processual civil: teoria geral - vol. 1. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 52)

In casu, o interesse processual consiste na necessidade do autor de obter do Poder Judiciário a declaração de ilicitude da reserva da margem destinada a cartão de crédito consignado e do respectivo desconto no benefício previdenciário ante reconhecimento da inexistência da contratação por vício de consentimento e, assim, a repetição de indébito em dobro do montante descontado e a indenização por dano moral.

Além disso, a solução consensual do conflito consiste em faculdade do indivíduo, cabendo ao julgador somente estimular a adoção dessa via (art. 3º, §§ 1º a 3º e arts. 165 e 166, CPC), sem obstar o exercício do direito individual fundamental de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CRFB/1988 e art. 3º, caput, CPC/2015).

Da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;[...]

Do Código de Processo Civil:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.[...]

Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.

Nesse passo, cabe ressaltar que o "Consumidor.gov.br" é a plataforma digital oficial da administração pública federal direta, autárquica e fundacional para autocomposição de controvérsia em relação de consumo, isto é, consiste em sistema alternativo criado para estimular a solução do conflito entre fornecedor e consumidor de maneira consensual e, na hipótese, pela via extrajudicial (art. 1º e art. 1º-A, caput, Decreto 8.573/2015).

Art. 1º. Este Decreto dispõe sobre o Consumidor.gov.br , sistema alternativo de solução de conflitos de consumo, de natureza gratuita e alcance nacional, na forma de sítio na internet, com a finalidade de estimular a autocomposição entre consumidores e fornecedores para solução de demandas de consumo.

Art. 1º-A. O Consumidor.gov.br é a plataforma digital oficial da administração pública federal direta, autárquica e fundacional para a autocomposição nas controvérsias em relações de consumo.[...]

Anoto, por oportuno, que o registro da reclamação na Ouvidoria-Geral da Previdência Social - OGPS igualmente consiste em faculdade do beneficiário, tal como se extrai do art. 46, caput, da Instrução Normativa - IN 28/2008/INSS, verbis:

Art. 46. O beneficiário que, a qualquer momento, se sentir prejudicado por operações irregulares ou inexistentes ou que identificar descumprimento do contrato por parte da instituição financeira ou, ainda, de normas estabelecidas por esta IN, poderá registrar sua reclamação na OGPS, como segue:[...] (grifei)

Ademais, a exibição dos documentos necessários para comprovação do fato constitutivo do direito perseguido pela demandante pode ser pleiteada de forma incidental e exigida do demandado (art. 373, § 1º e art. 396 e ss., CPC), sobretudo nas demandas que envolvem relação de consumo (art. 6º, VIII...

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