Acórdão Nº 5021454-53.2020.8.24.0018 do Quinta Câmara de Direito Público, 23-08-2022

Número do processo5021454-53.2020.8.24.0018
Data23 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5021454-53.2020.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: EDIFICIO VINICIUS DE MORAES (AUTOR) E OUTRO APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Este o resumo que constou na sentença:

1. Edifício Vinicius de Moraes ajuizou ação declaratória em desfavor da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - Casan.

2. Relatou que é constituído por 64 (sessenta e quatro) unidades autônomas e usuário do serviço de água e esgotamento sanitário prestado pela requerida.

3. Afirmou que apesar de possuir hidrômetro que mede a quantidade de água consumida, a requerida efetua a cobrança do serviço com base no sistema de economias - taxa mínima multiplicada pelo número de unidades autônomas -, o que supera em muito o consumo real.

4. Requereu, com base nas disposições do Código de Defesa do Consumidor, a declaração de ilegalidade da forma de cálculo adotada pela ré, a fim de que a cobrança se dê conforme o consumo real apurado pelo hidrômetro do imóvel, bem como restituição do montante pago a maior nos últimos dez anos, com os acréscimos legais.

5. Citada, a requerida apresentou contestação (EV 14). Como prejudiciais de mérito, suscitou prescrição e decadência.

6. No mérito, defendeu a legalidade da cobrança de tarifa mínima por unidade que compõe o edifício autor, em razão da ausência de hidrômetro individual. Asseverou que a relação jurídica estabelecida entre as partes teve início em outubro/2014, e não em setembro/2010 como alegado pela parte requerente. Referiu que a partir de abril/2020 foi extinta a tarifa mínima de 10m³, e criada a Tarifa Fixa de Disponibilidade de Infraestrutura (TFDI).

7. Em sede de reconvenção, pleiteou a declaração de ilegalidade da utilização de fonte alternativa/própria de abastecimento de água, em razão da existência de rede pública de abastecimento.

8. Em resposta à reconvenção (EV 18), a parte reconvinda alegou, preliminarmente, incorreção do valor atribuído à causa. No mérito, defendeu que a suposta ilegalidade do uso de fonte alternativa de abastecimento de água não justifica a cobrança ilegal praticada pela requerida. Sustentou a ausência de conexão com a ação principal e rogou pela improcedência do pleito reconvencional.

9. Houve réplica (EV 26).

Adito que os pedidos da ação principal foram julgados parcialmente procedentes, mas a reconvenção foi extinta sem resolução do mérito:

43. Diante do exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, resolvo o mérito e julgo parcialmente procedentes os pedidos constantes na exordial, para:

(a) declarar a ilegalidade da adoção do sistema de economias no faturamento dos serviços de água e esgoto;

(b) condenar a parte ré a faturar as despesas por meio da aferição do consumo real ou, não havendo consumo, pelo valor de uma tarifa mínima;

(c) condenar a requerida a restituir os valores pagos a maior desde outubro/2014, a serem apurados em liquidação, com correção monetária pelo INPC e acrescidos de juros de 1% (um por cento) ao mês, ambos a partir do vencimento de cada fatura.

44. Houve SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA (CPC, art. 86, caput), razão pela qual condeno as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, na proporção de 40% (quarenta por cento) para o autor e 60% (sessenta por cento) para a requerida, fixada a verba sucumbencial em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, conforme artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil.

45. De outro lado, julgo extinta a reconvenção, sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, inciso VI do Código de Processo Civil, em razão da ausência de conexão com a ação principal ou com o fundamento de defesa.

46. Condeno a parte reconvinte ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais), com fulcro no artigo 85, §8º do Código de Processo Civil.

47. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

48. Transitada em julgado e cumpridas as formalidades legais, arquive-se.

As partes apelam.

A Casan suscita cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, uma vez que era imprescindível a abertura da fase instrutória para melhor compreensão dos fatos, tendo em vista que o Condomínio faz uso de fonte alternativa de água e isso reflete não só na apuração da tarifa de água como na de esgoto.

Sustenta que houve julgamento extra petita na medida em que o pedido inicial se limitou ao faturamento da água, mas sentença abrangeu também a tarifa de esgoto.

Defende a legalidade e a constitucionalidade da cobrança da tarifa mínima por economia, sobretudo para garantir a modicidade da tarifa e a função social do serviço público. Aponta, ainda, que ao contrário do caso concreto que foi julgado no Tema 414 do STJ, aqui havia amparo legal para cobrança da tarifação por unidade autônoma: o Decreto Estadual 2.138/2009.

Não é cabível a repetição do indébito, tendo em vista que havia julgados deste Tribunal admitindo a cobrança pelo critério de economias, assim é "possível mudança de entendimento jurisprudencial não tem a força suficiente de caracterizar a repetição de indébito". Como até 5-10-2010 (quando foi publicado o acórdão do STJ relativo ao Tema 414) não era ilegal a tarifação pelo sistema de economias, é preciso rever os limites da condenação a partir das inovações legislativas trazidas pela Lei 13.655/2018 e pelo Decreto 9.830/2019. Pede, dessa forma, que haja modulação dos efeitos da condenação, nos termos dos arts. 20, 23 e 24 da LINDB, para limitar a repetição à data de citação neste processo.

Argumenta, ainda, que o Tema 414 do STJ não se aplica ao esgotamento sanitário, o qual não é medido pelo hidrômetro. Em regra, esse serviço é apurado com base no consumo de água, mas "no caso em questão o consumo de água registrado no condomínio pela CASAN não reflete a quantia de esgoto emitidos para coleta e tratamento pela concessionária. Isso porque o condomínio em questão faz uso de fonte alternativa de abastecimento (poço). Assim, a quantia de dejetos lançados na rede de esgoto (coletado e tratado pela Requerente) é aquele medido pelo hidrômetro somado ao volume fornecido pelo poço".

Como não tem acesso aos dados relativos ao uso do poço e para evitar enriquecimento ilícito do usuário, o serviço deve ser faturado de acordo com os parâmetros do art. 88 do Decreto Estadual 1.388/2008 e art. 105 da Resolução 1/2011 da ARIS, o que afasta a isenção do Condomínio. Por mais que o autor utilize fonte alternativa de água, os dejetos produzidos são descartados na rede de canalização de esgoto e por isso não pode se furtar de arcar com os custos do seu tratamento. De todo modo, se for cobrar o serviço de esgoto de acordo com o valor de água consumida ou pela média de consumo em seis meses, na verdade a concessionária terá valores a receber, o que justifica a improcedência do pedido.

Sustenta que a reconvenção deve ser julgada procedente, pois evidente a conexão entre os pedidos da inicial (afastamento da cobrança pelo sistema de economias) e os fundamentos da defesa (uso ilegal de fonte alternativa de água). O uso do poço artesiano vai de encontro ao art. 45 da Lei 11.445/2007 e não observa o art. 43 da mesma norma. Cita julgados deste Tribunal no qual se reconheceu a ilegalidade da utilização dos poços para abastecimento de água, de sorte que deve ser determinado o uso exclusivo da rede pública de fornecimento de água e tratamento de esgoto.

O autor, por outro lado, defende, em relação à causa principal, que não houve sucumbência recíproca, mas procedência total dos pedidos. Apesar de ter formulado pedido que abrangia as tarifas satisfeitas nos 10 anos anteriores ao ajuizamento da ação (prazo prescricional aplicável), somente depois da apresentação da contestação e documentos foi possível delimitar o marco temporal a outubro de 2014 (quando teve conhecimento da data de início da relação jurídica com a ré). Deve haver "interpretação lógico-sistemática das questões apresentadas pela parte ao longo da petição e do próprio processo", na linha do que dispõe o art. 322, § 2º do CPC. Dessa forma, os ônus sucumbenciais devem ser integralmente suportados pela concessionária.

Insiste, ainda, na retificação do valor da causa atribuído à reconvenção, na medida em que deve corresponder ao proveito econômico almejado pelo reconvinte. Os honorários, além do mais, não podem ser fixados pelo critério da equidade. Subsidiariamente, pede ao menos que sejam majorados os honorários advocatícios arbitrados na lide secundária.

As partes ofereceram contrarrazões.

A Procuradoria-Geral de Justiça negou interesse na causa.

VOTO

1. A concessionária demonstra inconformismo com o julgamento antecipado do mérito sob o argumento de que a abertura da fase instrutória era imprescindível para melhor compreensão da controvérsia pertinente à lide principal.

Só que não há cerceamento de defesa porque a documentação e os arrazoados já eram suficientes para decidir sobre a cobrança pelo regime de economias, tanto do serviço de água como do serviço de esgoto, formato esse que acabou sendo declarado ilegal.

Quer dizer, a existência ou não de abertura da fase instrutória em relação ao uso de fonte alternativa de água não era necessária ao deslinde do feito em relação à tarifação do serviço de esgoto e de água.

A arguição de nulidade da sentença pelo julgamento antecipado, aliás, é mesmo estereotipada, pois a concessionária nem sequer indicou quais tipos de provas pretendia produzir para demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Elas, as provas, são um direito, decorrência do devido processo legal, mas isso não afasta o dever de o juízo indeferir os requerimentos impertinentes, que aprioristicamente se mostrem irrelevantes, tanto mais que a questão é passível de solução por questão unicamente de direito.

É a compreensão que vinga na jurisprudência doméstica:

APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. AÇÃO E...

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