Acórdão Nº 5021470-63.2020.8.24.0064 do Primeira Câmara Criminal, 08-04-2021

Número do processo5021470-63.2020.8.24.0064
Data08 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5021470-63.2020.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

AGRAVANTE: JAISON FARIAS (AGRAVANTE) ADVOGADO: THIAGO BURLANI NEVES (DPE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Pronunciamento judicial agravado: a juíza de direito Karina Maliska Peiter, da Vara Regional de Execuções Penais da comarca de São José, indeferiu o pedido formulado pelo apenado Jaison Farias de aplicação retroativa da Lei 13.964/2019, no que tange percentual previsto para preenchimento do requisito objetivo para progressão de regime, nos seguintes termos:

Trata-se de processo de execução penal de JAISON FARIAS, já qualificado, no qual postula a aplicação retroativa de norma penal mais benéfica (pacote anticrime - Lei nº 13.964/2019).

Com vista dos autos, o representante do Ministério Público manifestou-se pelo deferimento do pedido (evento 465).

É o relato. Decido.

Da Aplicação da Lei n. 13.964/2019

O art. 2º, § 2o, da Lei n. 8.072/90 (Lei n. 13.964/2019) disciplinava que:

Art. 2º [...].

§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Nesse sentido, a fração necessária para a concessão do benefício da progressão de regime aos apenados era de 2/5 para réus primários e 3/5 para réus reincidentes, fosse ela genérica ou específica.

O pacote anticrime (Lei n. 13.964/2019) revogou o dispositivo supracitado. Com isso, o novo diploma legal passou a prever a seguinte redação para o art. 112, incs. V e VII da LEP:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

[...];

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

[...];

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado.

Desta feita, nota-se que o legislador passou a exigir reincidência específica na prática de crime hediondo ou equiparado para a aplicação da fração de 3/5 (60%), não havendo previsão expressa, a partir da vigência do ''Pacote Anticrime'', para a aplicação da maior fração nos casos em que o apenado é reincidente em crime comum, não específico em crime hediondo.

Colhe-se da lição de Gustavo Junqueira, Patrícia Vanzolini, Paulo Henrique Fuller e Rodrigo Pardal:

Para o "reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado", a fração é de 60%, também equivalente aos 3/5 já previstos na legislação. Aqui, no entanto, é evidente a ocorrência de nova lei benéfica, se a reincidência não for específica na prática de crime hediondo ou equiparado. Na antiga legislação, era prevista a fração de 3/5 da pena para todo condenado por crime hediondo, se reincidente. Assim, não importava se a reincidência era específica em crime hediondo, ou não. Bastava a condenação por crime hediondo, e a reincidência do réu. Era realmente a interpretação que se extraía da letra do art. 2º, § 2º, da Lei de Crimes Hediondos: "A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente". Possível notar que pela antiga redação a reincidência exigida para aumentar o requisito temporal não é qualificada, ou seja, qualquer reincidência seria suficiente. A nova redação do art. 112 da LEP, por outro lado, exige uma reincidência qualificada, ou, nos termos legais, "reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado". A diferença é evidente, e deve ser respeitada.

A conclusão inafastável é que, para o reincidente específico em crime hediondo ou equiparado (hediondo + hediondo), o lapso para a progressão persiste o mesmo, de 60%, equivalente aos 3/5 da antiga lei. Para o condenado por crime hediondo que é reincidente, mas cuja condenação anterior se deu por crime não hediondo, deve ser reconhecida nova lei benéfica, com exigência de tão somente 2/5 da pena para progressão (Lei anticrime comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 50-51).

Embora tratando do inciso IV do art. 112 da Lei de Execução Penal, que cuida dos reincidentes em crimes violentos (que segue a mesma linha dos delitos hediondos e equiparados, como destacado), Rogério Sanches Cunha esclarece:

O dispositivo faz referência à reincidência específica em crime com violência ou grave ameaça. Mas e se o reeducando for reincidente, mas não especifico, ou seja, somente um dos crimes, passado ou presente, tiver sido cometido com violência ou grave ameaça? Lendo e relendo o artigo em comento, concluímos que estamos diante de uma lacuna, cuja integração, por óbvio, deverá observar o princípio do in dubio pro reo. A fração deve ser a mesma do primário, levando-se em conta o crime pelo qual foi considerado reincidente: se violento, aplica-se a mesma fração do inciso III (25%); se não violento, a fração do inc. II (20%). Vamos deixar ainda mais claro nosso raciocínio com um exemplo: se o agente, tendo cumprido pena pelo crime de furto, comete delito de roubo, é reincidente, mas não específico em crime violento. Sendo o crime violento o delito pelo qual foi declarado reincidente, a fração da progressão segue o inc. III (25%). Num cenário diametralmente oposto, isto é, o roubo é o crime pretérito, sendo o furto o crime presente, a progressão nesse, caso, segue o inc. Il (20%) (Pacote anticrime: comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 371).

Ainda que não seja entendimento unânime na Corte Catarinense, constam os julgados:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INSURGÊNCIA DA DEFESA CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE PROGRESSÃO DE REGIME EM RAZÃO DO NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO OBJETIVO. PARCIAL ACOLHIMENTO. NECESSIDADE DE CUMPRIMENTO DE 40% DA PENA QUANTO AO CRIME HEDIONDO E DE 16% EM RELAÇÃO AO COMUM. APLICAÇÃO DA LEI N. 13.964/2019 "NOVATIO LEGIS IN MELLIUS" CASUÍSTICA. NECESSIDADE, CONTUDO, DE NOVO CÁLCULO COM BASE NOS PARÂMETROS MENCIONADOS, E ANÁLISE DO IMPLEMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO NA ORIGEM. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (Rec. de Ag. 0000711-92.2020.8.24.0023, Rel. Des. Norival Acácio Engel, j. 7.7.20).

Diante disso, quando se tratar de reincidente não específico, a fração de progressão a ser exigida pode ser mais favorável, atualmente, do que era ao tempo dos delitos, de modo que, nessa hipótese, por força da garantia individual prevista no art. 5º, XL, da Constituição Federal e nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, as frações previstas no art. 112 da Lei de Execução Penal a partir da vigência da Lei 13.964/19, se for o caso, hão de ter aplicação retroativa (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0000922-98.2020.8.24.0033, de Itajaí, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 25-08-2020).

No caso em tela, observa-se que o apenado foi condenado nos autos n. 004.10.0064.11-0, dentre outras, à pena de 15 (quinze) anos de reclusão, pela prática de homicídio qualificado.

Ocorre que o réu é condenado por crime hediondo, com resultado morte, de modo a atrair a previsão do art. 112, inc. VI, da LEP, com a redação conferida pela aventada Lei n. 13.964/2019 o pacote anticrime), com os seguintes termos:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

[...]

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

Percebe-se, pois, que o legislador conferiu regime mais gravoso ao condenado primário por crime hediondo ou equiparado com resultado morte, atribuindo-lhe o direito de progredir para o regime menos gravoso após o cumprimento de 50% (cinquenta por cento) da pena. Contudo, concomitantemente, vedou-lhe o direito à obtenção do benefício do livramento condicional.

Nesse contexto, a aplicação retroativa da supramencionada disposição, in casu, não será mais benéfica ao apenado.

Aliás, destaca-se acerca da inviabilidade de se aplicar a retroatividade apenas no tocante ao requisito objetivo. Afinal, mostra-se vedado ao juiz, diante do conflito de leis no tempo, combinar partes benéficas de cada norma, de forma a criar uma terceira regra inexistente.

Destaca-se, mutatis mutandis, precedente do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. APENADO QUE SE INSURGE DE DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE PROGRESSÃO DE REGIME, SOB ARGUMENTO DAS MUDANÇAS TRAZIDAS PELO PACOTE ANTICRIME (LEI 13.946/2019). ALMEJADO A APLICAÇÃO DA FRAÇÃO DE 2/5, EIS QUE REINCIDENTE GENÉRICO. A INSURGÊNCIA PROSPERA. APLICABILIDADE DA NOVA REGRA INTRODUZIDA PELA LEI N. 13.964/2019, CONHECIDA COMO PACOTE ANTICRIME. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. IN CASU, REINCIDÊNCIA GENÉRICA. DECISÃO QUE MERECE REFORMA. APLICAÇÃO DA FRAÇÃO DE 2/5 (DOIS QUINTOS) QUE SE IMPÕE. NOVO POSICIONAMENTO ADOTADO COM FUNDAMENTO NA APLICAÇÃO MAIS BENÉFICA AO RÉU. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

A reincidência é circunstância de caráter pessoal, passível de reconhecimento pelo juízo da execução penal mesmo quando não considerada na sentença condenatória, e estende-se a todas as condenações impostas e...

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