Acórdão Nº 5022173-64.2022.8.24.0018 do Segunda Câmara Criminal, 11-10-2022

Número do processo5022173-64.2022.8.24.0018
Data11 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5022173-64.2022.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

AGRAVANTE: TAMIRES ROBERTA GOMES (AGRAVANTE) ADVOGADO: THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS (DPE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo de execução penal intentado por Tamires Roberta Gomes, não conformada com o teor da decisão do Sequencial 55 do PEP 8000105-69.2022.8.24.0018 (SEEU), por meio da qual o Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Chapecó indeferiu pedido de colocação em prisão domiciliar.

Sustenta a Agravante que "a manutenção no cárcere de mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, constitui medida excepcionalíssima", com base nos "estândares internacionais e nacionais de direitos humanos das mulheres, crianças e pessoas com deficiência", e que, à luz disso, "a essas categorias de mulheres independe de prova da indispensabilidade dos cuidados maternos ou, ainda, de comprovação das condições inadequadas da prisão".

Traz à lume o HC 143.641, no qual o Supremo Tribunal Federal concedeu a ordem "para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas [...] que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência", ainda que mediante imposição de outras medidas cautelares, e adverte que, para dar efetividade ao art. 318-A do Código de Processo Penal e à aludida ordem coletiva, "o Conselho Nacional de Justiça, [...] por meio da Resolução nº 369/2021, [...] estabeleceu procedimentos e diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência".

Pondera não ignorar que se está diante de execução de pena definitiva, na qual a prisão domiciliar é aferida de acordo com o art. 117 da Lei de Execução Penal, enquanto o "artigo 318 do CPP [...] prevê a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar", mas ressalta que "a existência e semelhança dos dois dispositivos que visam proteger mães de crianças pequenas e gestantes permite uma interpretação teleológica à luz do constitucionalismo fraterno, no sentido de que há a possibilidade de se estender a aplicação do dispositivo do art. 318 do CPP também à fase de aplicação da pena", conforme "entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no AgRg no PExt no RHC 113.084".

Afirma que é mãe de três crianças e uma adolescente, que "não praticou crime com violência ou grave ameaça contra suas descendentes" e que "não teve o poder familiar suspenso ou destituído".

Sublinha que "somente foi realizado estudo social em Chapecó/SC, junto a Almir", seu esposo e pai das crianças, "e não na Comarca em que residem as crianças (Campinas/SP), e que as crianças residiram com ela até cerca de 1 mês antes da prisão", passando a estarem "temporariamente longe da genitora, em razão da episódica vulnerabilidade econômica e social vivenciada pelo núcleo familiar materno e paterno, medida que foi adotada contra a vontade da mãe, mas pensando no bem-estar das filhas naquele momento".

Sob tais argumentos, requer "seja reformada a decisão, para o fim de conceder a prisão domiciliar" ou, "subsidiariamente, [...] seja realizado estudo social na Comarca em que residem as crianças (Campinas/SP), para verificar atual situação em que se encontram as infantes, se seus direitos estão plenamente resguardados, os impactos da ausência materna em seu desenvolvimento e a imprescindibilidade da presença da genitora" (eproc1G, Evento 1).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões recursais pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (eproc1G, Evento 12).

O Doutor Juiz de Direito manteve a decisão resistida (eproc1G, Evento 14).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça José Eduardo Orofino da Luz Fontes, manifestou-se pelo desprovimento do agravo (eproc2G, Evento 7).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

A Agravante Tamires Roberta Gomes foi condenada, na Ação Penal 0012949-75.2008.8.26.0099, à pena de 13 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, pela prática do crime previsto no art. 157, § 3º, c/c o 14, II, ambos do Código Penal, ocorrido em 14.8.08 (SEEU, Sequencial 1, doc1.9 e 1.24).

Com a solidificação da condenação, foi presa em 7.10.21 para dar início ao cumprimento da pena (SEEU, Sequencial 1, doc1.40) e, no dia 23.5.22, requereu sua colocação em prisão domiciliar, a fim de que pudesse cuidar das filhas menores de idade (SEEU, Sequencial 18).

O Magistrado de Primeiro Grau determinou a realização de estudo social (SEEU, Sequencial 25), no qual a Assistente Social, em entrevista com o genitor das crianças e esposo da Agravante, assentou:

Apreende-se dos autos, que Tamires foi recolhida no Presídio Feminino de Chapecó em 07/10/2021. Em 23/05/2022, ingressou com pedido de prisão domiciliar, no qual alega ser mãe de quato crianças e que necessitam dos cuidados maternos.

O principal contato realizado, para fins de compreender a história familiar e a atual organização cotidiana das crianças, foi realizado com o esposo de Tamires, senhor Almir.

A partir do conjunto dos relatos orais obtidos, constatamos que Tamires à época da prisão residia com o esposo Almir, não tinha vínculo empregatício formal. As crianças não estavam sob seus cuidados, pois no mês de agosto/2021, as três filhas menores haviam sido encaminhadas à Campinas/SP para permanecer sob os cuidados da avó materna, senhora Maria Luci Gomes.

Tamires tem quatro filhas, sendo que a filha mais velha, T. reside com o genitor Marcelo Monteiro faz aproximadamente dois anos e Almir desconhece endereço. As outras três filhas, nascidas do relacionamento com Almir, se encontram em Campinas/SP. As meninas V. e P. estão sob os cuidados da avó materna Maria Luci Gomes e L. está sob a responsabilidade da tia maternal Talita Gomes.

Almir informou que o cunhado, em agosto de 2021 se deslocou de Campinas/SP a Chapecó/SC para buscar as três crianças. Na época enfrentavam dificuldades econômicas e não conseguiam atender as necessidades básicas de sustento das crianças. Ele estava afastado do trabalho em razão de problemas de saúde e não conseguia acessar o auxílio doença. Tamires não concordava com sua decisão, mas não tiveram outra opção. A decisão gerou conflitos entre o casal.

No mês seguinte a mudança das crianças, a esposa foi presa. De setembro de 2021 até a presente data, ele conseguiu ir até Campinas/SP uma vez para visitar as filhas, quando ficou aproximadamente 40 dias naquela cidade. Não possui condições econômicas para viajar e permanece em Chapecó/SC para ficar próximo a esposa, que não possui nenhum outro familiar nesta localidade.

Almir auxilia na manutenção das filhas, repassando o valor de R$ 400,00 mensais, recurso do auxílio emergencial. Mantém contato através de WhatsApp toda semana. Nunca se afastou das filhas, assim como a genitora. As filhas realizam chamadas de vídeo com Tamires todos os meses.

Considera que as filhas estão bem sob os cuidados da família materna. L. e V. frequentam a escola e P. vai à creche. A proposta é Tamires deixar a prisão, mudarem para Campinas/SP e reassumirem os cuidados com as crianças. Ele entende que será o melhor para as filhas, pois apesar de estarem bem, estão longe dos pais.

Almir, no momento, se encontra afastado do trabalho e conta com a renda do auxílio doença para suprir suas necessidades básicas. Ele apresenta um diagnóstico de problemas cardíacos (crescimento dos ventrículos). Não acessaram auxílio reclusão, pois Tamires não tinha emprego formal. Ela vendia doces nos semáforos.

O esposo de Tamires reside no porão alugado pelo valor de R$ 530,00 mensais. A moradia é de alvenaria, antiga, mas com condições de habitabilidade. O local é composto de: quarto, sala, cozinha e banheiro. A mobília fornecida pela proprietária do imóvel, são poucos móveis. O imóvel fica próximo de alguns equipamentos sociais (escola/unidade de saúde).

Não foi mantido contato com as crianças, em razão de residirem em outra cidade. Sobre o contato com vizinhos, vale salientar que o local de moradia do genitor é recente e os vizinhos não conhecem as crianças.

Os menores possuem avó materna, que cuida de duas das netas. A tia materna é responsável pelo cuidado de outra das filhas da apenada. Os familiares maternos desempenham a função de cuidado com as crianças, pelo relato do pai. Segundo Almir, a esposa não conta com outros parentes na cidade ou na região.

[...]

O genitor informou que as crianças P., V. e L. estão com direitos sociais básicos - como alimentação, habitação, saúde e educação - garantidos sob os cuidados da família materna (avó e tia materna), mas não podemos desconsiderar a importância da mãe no desenvolvimento dos filhos. A menina T. está sob os cuidados do pai faz aproximadamente dois anos.

[...]

Pontuamos, que os pais entregaram as crianças sob os cuidados da família materna em razão de dificuldades para atender as necessidades básicas das três filhas e não por desleixo ou irresponsabilidades. Sobre as condições reais de cuidado das menores, apenas uma avaliação na localidade de residência das crianças poderá aferir. O endereço da avó materna das crianças é descrito no próximo item (SEEU, Sequencial 42).

Após parecer Ministerial pelo indeferimento do pedido (SEEU, Sequencial 47) e manifestação da Agravante (SEEU, Sequencial 51), sobreveio a decisão resistida (SEEU, Sequencial 55).

O art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência...

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