Acórdão Nº 5022504-17.2021.8.24.0039 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 27-04-2023

Número do processo5022504-17.2021.8.24.0039
Data27 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5022504-17.2021.8.24.0039/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: MARIA HELENA LORENZETTI GUSATTI (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)


RELATÓRIO


Maria Helena Lorenzetti Gusatti interpôs recurso de apelação cível em face da sentença, que, proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Lages, julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com restituição de valores e indenização por danos morais por ele ajuizada em face da instituição financeira apelada, Banco BMG SA, nos seguintes termos (evento 18, autos do 1º grau):
Vistos.
MARIA HELENA LORENZETTI GUSATTI propôs AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA, NULIDADE DE DESCONTOS, RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS contra BANCO BMG S.A, alegando, em síntese, que recebe benefício previdenciário e contratou empréstimo consignado com o réu, mediante desconto em folha. Contudo, meses após a contratação, constatou em sua conta bancária descontos por meio de reserva de margem consignada. Salientou que não teve intenção de contratar a modalidade de RMC, tampouco foi esclarecida sobre as cláusulas da contratação. Afirmou que os descontos deduzem apenas os juros remuneratórios e encargos financeiros, sem reduzir o débito, o que torna a dívida impagável. Por fim, pugnou pela procedência da ação a fim de declarar nula a contratação da reserva de margem consignável, com a condenação do réu a restituir em dobro os descontos realizados, assim como a reparação pelo dano moral, diante da conduta desleal e abusiva do réu frente a hipossuficiência da autora. Postulou ainda pela conversão do contrato de RMC para a modalidade de empréstimo consignado.
Citado (evento 7, AR1), o réu ofereceu contestação alegando, em preliminar, as prejudiciais da prescrição e decadência. No mérito, sustentou, em resumo, que a autora aderiu de forma espontânea ao contrato de empréstimo via cartão de crédito. Para além disso, não possuía margem consignada disponível e realizou saques complementares, cujos valores foram disponibilizados em sua conta bancária. Assim, ciente da modalidade contratada, não há cobrança indevida ou reparação cabível. Pugnou pela improcedência dos pedidos e pela condenação da autora e seu procurador por litigância de má-fé.
Houve réplica (evento 14, RÉPLICA1).
É o relatório.
DECIDO:
De plano, convém destacar que se evidencia desnecessária a realização de audiência de instrução e julgamento, vez que dispensável a produção de prova oral, porquanto em relação às alegações controvertidas, os arrazoados das partes e os documentos acostados aos autos são esclarecedores e suficientes para alicerçar o julgamento antecipado do litígio, nos termos do art. 355, I, do CPC.
Nesta perspectiva,"se as provas que ainda poderiam vir a ser produzidas nos autos do processo forem irrelevantes ao pronunciamento do juízo decisório, o interprete deverá proferi-lo antecipadamente (CPC, art. 355, inc. I). Aliás,"a antecipação é legítima se os aspectos decisivos da causa estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do magistrado".(Apelação n. 0307593-46.2019.8.24.0018, RELATOR ROBERTO LEPPER).
É certo que ações que visam à revisão contratual possuem natureza de direito pessoal, deste modo o prazo aplicável a espécie é decenal (CC, art. 205).
Bem por isto, decidiu o Tribunal de Justiça do Estado:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. [...]1. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO. INVOCADA A REGRA DO ARTIGO 206, § 3º, IV, DO CÓDIGO CIVIL. PRAZO TRIENAL. REPARAÇÃO CIVIL. NORMA INAPLICÁVEL AO CASO. INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL PREVISTO NO ARTIGO 205 DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LAPSO TEMPORAL, CONTADO DA DATA DO CONTRATO, NÃO ESCOADO NO MOMENTO DO AJUIZAMENTO DA CAUSA. PREFACIAL AFASTADA. No caso em tela, a tratar de ação com pedido de reparação de danos fundada em responsabilidade contratual, o exercício da pretensão de direito material submete-se ao prazo ordinário, de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil[...]".(Apelação n. 5002035-27.2021.8.24.0175, RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO, j. 21-07-2022).
No caso concreto, a obrigação contratual foi pactuada em 14-10-2015 (evento 8, DOCUMENTACAO2), ao passo que a presente ação foi ajuizada em 23-11-2021,o que afasta a prejudicial da prescrição.
No que tange a prejudicial de decadência, ressalta-se que consiste em relação jurídica de trato sucessivo, fundada em relação de consumo, onde os débitos mensais vinculam as partes, pois renovam a pretensão a cada novo desconto realizado (evento 1, HISCRE8). Dito isso, ocorreram descontos em 2021, portanto, não há que se falar em decadência.
Nesse sentido:
"APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE DE DESCONTO DA RESERVA DA MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. RECURSO DO BANCO RÉU. PRELIMINAR. AVENTADA A DECADÊNCIA DA PRETENSÃO DA AUTORA, PORQUANTO PASSADOS MAIS DE 4 (QUATRO) ANOS DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO. PRAZO DECADENCIAL REFERENTE À NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO POR VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INSUBSISTÊNCIA. PRESTAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO. ILEGALIDADE QUE SE RENOVA MENSALMENTE. INOCORRÊNCIA[...]".(Apelação n. 5008907-16.2021.8.24.0092, RELATOR:Desembargador MARIANO DO NASCIMENTO, j. 21-07-2022).
Pois bem.
De início a causa de pedir e os pedidos têm por base a contratação de empréstimo consignado em modalidade diversa da prendida pela autora.
Em análise aos documentos juntados na petição inicial, verifica-se a existência da reserva de margem consignada no benefício previdenciário da autora, referente ao contrato n. 11388284, no valor de R$ 122,96 (evento 1, EXTR7).
Assim como a efetividade dos descontos sobre RMC demonstrada pelo histórico de créditos (evento 1, HISCRE8), mediante incidência do código 217, nos termos do art. 32, inciso IV da I.N. n. 28/2008 do INSS.
Com efeito, o art. 21-A da Instrução Normativa n. 28/2008-INSS determina os requisitos obrigatórios quanto à autorização e contratação dos empréstimos por meio de cartão de crédito, assegurando segurança jurídica aos consumidores.
Além disso, esclarece o art. 3º do mesmo dispositivo legal que:
"os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que: II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio;III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência".
Dito isso, observa-se que o réu juntou, em contestação, o contrato devidamente firmado pela autora (evento 8, DOCUMENTACAO2), cuja denominação - "termo de adesão de cartão de crédito consignado banco BMG e autorização para desconto em folha de pagamento" - e as cláusulas contratuais revelam seu conhecimento sobre a modalidade pactuada, pois expressam informações claras e precisas acerca do negócio jurídico contratado.
Neste sentido:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS (RMC). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECLAMO DA PARTE AUTORA.DEMANDANTE QUE SUSTENTA A OCORRÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO EM RELAÇÃO À CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO POR MEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM DESCONTOS REALIZADOS EM SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO A TÍTULO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. TESE REJEITADA. CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO COLIGIDO NOS AUTOS QUE DEMONSTRA: 1) A CONTRATAÇÃO INEQUÍVOCA DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL; 2) A DISPONIBILIZAÇÃO DE VALORES DESTINADOS À MUTUÁRIA POR MEIO DE SAQUE REALIZADO COM O CARTÃO DE CRÉDITO FORNECIDO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA REQUERIDA; 3) A EXPRESSA AUTORIZAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA A REALIZAÇÃO DE DESCONTOS MENSAIS A TÍTULO DE RMC EM SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO; E, POR FIM, 4) A ASSINATURA DE TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO, O QUAL ESTÁ PREVISTO NA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES, N.100, DE 28-12-2018. EVIDENTE ANUÊNCIA EXPRESSA DA PARTE APELANTE COM A MODALIDADE CONTRATADA. TESE DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO DERROGADA. PRÁTICA ABUSIVA NÃO EVIDENCIADA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER ILÍCITO NA ESPÉCIE E, POR CONSEQUÊNCIA, DO DEVER DE INDENIZAR. IMPERIOSA MANUTENÇÃO DO DECISUM SINGULAR.[...]RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO".(Apelação n. 5007691-78.2021.8.24.0008, RELATORA: desembargadora REJANE ANDERSEN, j. 28-06-2022).
É certo que os aposentados poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras desde que sejam respeitados os limites estabelecidos:
"os descontos de que tratam o caput não poderão exceder o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor da renda mensal do benefício, considerando que o somatório dos descontos e/ou retenções não exceda, no momento da contratação, após a dedução das consignações obrigatórias e voluntárias: I - até 30% (trinta por cento) para as operações de empréstimo pessoal; e II - até 5% (cinco por cento) para as operações de cartão de crédito" [art. 3, § 1º da I. N. n. 28/2008 do INSS].
Assim, é possível verificar a partir do detalhamento de crédito...

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