Acórdão Nº 5023192-50.2019.8.24.0038 do Primeiro Grupo de Direito Criminal, 23-02-2022

Número do processo5023192-50.2019.8.24.0038
Data23 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Direito Criminal
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Tipo de documentoAcórdão
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE EM Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5023192-50.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

EMBARGANTE: JEFERSON ALAOR FAGUNDES (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de embargos infringentes, opostos por Jeferson Alaor Fagundes, contra decisão da colenda Terceira Câmara Criminal que, por maioria de votos, deu parcial provimento "para absolver o apelante da prática do crime de furto tentado (fato 2) em razão da atipicidade da conduta e reconhecer a minorante descrita no § 2º do art. 155 do Código Penal em relação ao crime de furto consumado (fato 1)", readequando a reprimenda para 8 (oito) meses de reclusão, em regime semiaberto, e 6 (seis) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, conforme decisão da lavra do eminente Des. Ernani Guetten de Almeida (participaram do julgamento o Des. Leopoldo Augusto Brüggemann e o Des. Júlio César Machado Ferreira de Melo). O eminente o Des. Júlio César Machado Ferreira de Melo restou vencido parcialmente, tendo em vista fixar o regime aberto para o resgate da pena (Eventos 21 e 30).

O embargante requer que prevaleça o voto vencido, para que seja estabelecido regime inicial aberto para o resgate da reprimenda. Assevera que deve ser levado em consideração que se cuida de um furto praticado em estabelecimento comercial, cujo valor da res furtiva foi avaliada em cerca de R$ 38,00. Registra que o recorrente é tecnicamente primário e "as condenações que ensejaram a valoração dos maus antecedentes, na primeira etapa dosimétrica, são consideravelmente antigas, referentes a fatos que transitaram em julgado em meados de 2005-2012 e cujas penas foram extintas no ano de 2013". Aduz que, da análise das circunstâncias judiciais, estas foram, em sua maioria, favoráveis, sendo possível, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal e em obervância ao princípio da proporcionalidade, o acolhimento do recurso com a fixação do regime aberto.

Encaminhados os autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, esta, em parecer da lavra do Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, opinou pelo acolhimento dos presentes embargos (evento 44).

VOTO

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade.

Registra-se que os embargos infringentes são restritos à matéria controvertida, in casu, se deve ou não ser alterado para o aberto o regime prisional, nos termos dos votos proferidos.

E, em que pesem os argumentos lançados, entendo que não tem razão o embargante.

O eminente Des. Júlio César Machado Ferreira de Melo ficou parcialmente vencido ao entender que o regime mais adequado ao caso concreto seria o aberto.

Restou consignado no voto vencido (Evento 30, VOTODIVERG1):

[...]

Ousei discordar precisamente neste ponto, por entender que seria aplicável, na espécie, o regime inicial aberto, como passo a expor.

De início, cabe frisar que a fixação do regime inicial para cumprimento da pena é ato discricionário do julgador, que, nos termos do artigo 33 do Código Penal, observará não apenas o quantum da pena imposta e a reincidência do condenado (§ 2º, alíneas a, b e c), como as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do mencionado Código Penal (§ 3º). Veja-se:

Reclusão e detenção

Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

§ 1º - Considera-se:

a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;

b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.

Na hipótese, como visto, o acusado é tecnicamente primário e foi condenado à pena muito inferior a quatro anos anos de reclusão (no caso: oito meses de reclusão). Assim, para início de conversa, se analisarmos a legislação penal, temos por viável e legítima a fixação do regime inicial aberto para cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, alínea "c", do Código Penal.

Com isso, não estou a ignorar a existência de circunstâncias judiciais negativas que, em tese, nos termos do § 3º, podem justificar a fixação de regime inicial mais gravoso, como fundamentou o exmo. desembargador relator.

De fato, a leitura reversa do enunciado n. 269 da súmula da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, aceita e aplicada por esta colenda Câmara Criminal, conduz a esse entendimento. Vejamos:

É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais. (SÚMULA 269, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2002, DJ 29/05/2002, p. 135)

Não nego, portanto, que o posicionamento disposto no voto encontra espaço na lei penal e na jurisprudência. No entanto, assim como as circunstâncias judiciais podem motivar o regime mais gravoso, entendo que, na mesma medida, podem autorizar, excepcionalmente, a fixação de regime inicial mais brando.

Aliás, em apoio às razões de decidir, valho-me dos fundamentos constantes em excelente artigo publicado na Revista da ESMESC, com o título "Fixação de regime mais brando para cumprimento inicial da pena privativa de liberdade", de autoria de Laura Costa e Poliana Costa, abaixo:

3.3. Critérios para a fixação do regime inicial mais brando

Seguindo a linha do raciocínio dogmático penal do sistema de garantias e não apenas como fixação normativa do poder punitivo, propõe-se a fixação de regime mais brando (aberto) nas hipóteses em que a pena cominada implica em regime mais rigoroso, a teor do § 2º do art. 33 do Código Penal.

Inicialmente, cumpre salientar que, de acordo com o § 3º do mesmo dispositivo, a determinação do regime inicial de cumprimento da pena será feita em observância aos critérios previstos no art. 59 do Código Penal. Da redação do dispositivo, doutrina e jurisprudência, conclue-se que as circunstâncias judiciais devem ser levadas em consideração no estabelecimento da pena necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Esse, aliás, corresponde ao entendimento das Cortes Superiores no sentido de que a "fixação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do mesmo diploma legal." (BRASIL, 2013).

Tal entendimento é reiteradamente utilizado como justificativa para fixação de regime mais gravoso do que aquele previsto em lei, na hipótese de existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.

[...]

Tal fundamento explanado nos referidos julgados decorre do entendimento de que a pena deve ser suficiente para atender às finalidades de reprovar e prevenir o delito, pois esse é o critério estabelecido pelo art. 59 do Código Penal.

A aferição da suficiência do regime nas hipóteses de agravamento se dá com base na valoração negativa de circunstâncias judiciais, as quais demonstrariam a insuficiência do regime positivo, diante das peculiaridades daquele caso concreto.

Observa-se que não é a simples existência de circunstâncias judiciais valoradas negativamente que autoriza o agravamento do regime, mas sim o juízo de necessidade e suficiência desse regime para atender às finalidades de reprovação e prevenção do delito (MALGARIN, 2015, p. 49).

Contudo, no sentido de que o juiz poderá deixar de lado o regime objetivamente fixado pela lei quando observar que regime menos gravoso é suficiente para atender às finalidades da pena, não é o entendimento firmado nas cortes superiores (BRASIL, 2012).

Verifica-se que o mesmo critério da necessidade e suficiência deveria ser utilizado tanto para agravar, quanto para abrandar o regime.

Nesse diapasão, colhe-se julgado recente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

[...]

Portanto, se o regime legal não é adequado aos fins da pena, já que, no caso concreto, tem a potencialidade de não apenas interromper a reinserção na comunidade que já vem ocorrendo, mas também de aprimorar práticas delitivas, não há como sustentar sua aplicabilidade no caso concreto, sem mácula à proporcionalidade e à própria dignidade humana.

[...]

Nessas circunstâncias, a fixação de regime mais brando não se trata de opção discricionária, mas sim de um imperativo, com fulcro na orientação de que a determinação do regime será feita em obediência aos critérios do art. 59 do Código Penal.

Trata-se, na verdade, de conferir efetiva aplicabilidade ao § 3º do art. 33 do Código Penal como forma de conjugar a necessidade e a suficiência às duas funções atribuídas à pena.

Não se prega que o regime aberto seja utilizado como regra, afastando as diretrizes estabelecidas no art. 33, § 2º, do Código Penal. Ao contrário, inegável que a determinação do regime mais brando dependa de decisão fundamentada e deva encontrar substrato em elementos concretos constantes dos autos, os quais evidenciem que a fixação do regime legal pode representar a obtenção da finalidade inversa que espera da pena, interrompendo o processo, já em andamento, de reinserção na sociedade.

Trata-se, portanto, de atuação tendente a atenuar o rigor repressivo por meio da fixação de regime de cumprimento mais brando do que o legal, desde que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT