Acórdão Nº 5023292-17.2022.8.24.0000 do Órgão Especial, 05-10-2022

Número do processo5023292-17.2022.8.24.0000
Data05 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5023292-17.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador RICARDO FONTES

AUTOR: Procurador Geral - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis RÉU: Governador - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis

RELATÓRIO

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face da Lei Complementar Estadual n. 785, de 27 de dezembro de 2021, que "cria o cargo de Auditor Estadual de Finanças Públicas no Quadro Pessoal da Secretaria de Estado da Fazenda (SEF) e estabelece outras providências", em particular contra os arts. 2º, caput, incisos I e II, e §§ 1º a 4º; do artigo 5º, caput, §§ 1º e 2º; e do artigo 14, incisos I a VII, os quais revogam os cargos de Contador da Fazenda Estadual e de Analista Financeiro do Tesouro Estadual previstos na Lei Complementar n. 687, de 21 de dezembro de 2016, para transformá-los no cargo de Auditor Estadual de Finanças Públicas.

Sustenta, em síntese, que a referida Lei Complementar "aglutinou dois diferentes cargos, que possuíam atribuições distintas, em uma nova carreira, que conta não apenas com uma espécie de combinação das atividades que eram exercidas pelos ocupantes dos antigos cargos de Contador da Fazenda Estadual e de Analista Financeiro do Tesouro Estadual, mas que também prevê funções de maior grau de complexidade e responsabilidade", de forma que "Não poderia o novo cargo de Auditor Estadual de Finanças Públicas mesclar as atribuições conferidas aos ocupantes dos dois cargos extintos pela LC n. 785/2021, pois o Contador Estadual não tem a prerrogativa de realizar as atribuições do Analista Financeiro do Tesouro Estadual, e viceversa.".

Alega, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, em recente julgado, julgou ser inconstitucional a aglutinação em uma única carreira de cargos de carreiras diferenciadas.

No mais, aduz que, "declarada a inconstitucionalidade da transposição de cargos realizada, voltarão a existir as carreiras de Contador da Fazenda Estadual e de Analista Financeiro do Tesouro Estadual. Ademais, o novo cargo de Auditor Estadual de Finanças Públicas não será extinto, mas subsistirá na estrutura administrativa, tendo em vista que há ocupantes originariamente investidos para exercício dessa função".

Requer, por isso, a concessão de medida cautelar, para suspender a eficácia do artigo 2º, caput, incisos I e II, e §§ 1º a 4º; do artigo 5º, caput, §§ 1º e 2º; e do artigo 14, incisos I a VII, da Lei Complementar Estadual n. 785, de 27 de dezembro de 2021, bem como restaurados temporariamente os Anexos I e IX da Lei Complementar Estadual n. 687, de 21 de dezembro de 2016.

Ao final, pleiteia a procedência do pleito, "a fim de se declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º, caput, incisos I e II, e §§ 1º a 4º; do artigo 5º, caput, §§ 1º e 2º; e do artigo 14, incisos I a VII, da Lei Complementar Estadual n. 785, de 27 de dezembro de 2021, que revogam os cargos de Contador da Fazenda Estadual e de Analista Financeiro do Tesouro Estadual previstos na Lei Complementar n. 687, de 21 de dezembro de 2016, para transformá-los no cargo de Auditor Estadual de Finanças Públicas, por violação ao artigo 21, inciso I, da Constituição Catarinense, que reprisa o artigo 37, inciso II, da Constituição da República".

Em razão da relevância do tema, aplicou-se o rito previsto no art. 12 da Lei Estadual n. 12.069 de 27-12-2001.

O Procurador-Geral do Estado defendeu a constitucionalidade das normas,

[...] a Lei Complementar estadual n. 785/2021 não viola a regra constitucional do concurso público, na medida em que cumpriu os requisitos exigidos pela jurisprudência do STF e do TJSC para se conferir validade à reestruturação convergente de carreiras análogas. Não se verificou também a usurpação de atribuições constitucionalmente reservadas a outros agentes públicos. É que a legislação impugnada foi editada num contexto de harmonização das carreiras de Estado com a Lei Complementar estadual n. 741/2019 (esta última promoveu a reforma administrativa mais recente no âmbito do Poder Executivo). O art. 36 da Lei Complementar estadual n. 741/201 conferiu à SEF o papel de órgão central de duas grandes áreas finalísticas: a gestão tributária e a gestão das finanças públicas (esta última envolve atividades de contabilidade, finanças e orçamento). Nesse quadro, a mudança operada pela Lei Complementar estadual n. 785/2021 (além da alteração da política remuneratória) foi tão somente a concentração em uma única carreira do exercício, de modo integrado, das funções atinentes ao campo da gestão das finanças públicas. E essa concentração de atribuições não outorgou aos Auditores Estaduais de Finanças Públicas, cujo enquadramento funcional decorreu da transformação de cargos prevista no art. 2º, quaisquer funções estranhas àquelas para as quais prestaram concurso público.

Na sequência, mediante petições próprias e distintas, SINDIAUDITORIA - Sindicato dos Auditores Internos do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina; SINCOFAZ - Sindicato dos Auditores Estaduais de Finanças Públicas do Estado de Santa Catarina; ANARE - Associação dos Analistas IV da Receita Estadual; e PTB/SC - Partido Trabalhista Brasileiro de Santa Catarina, solicitaram participação nos autos como amicus curiae.

A Procuradoria-Geral da Justiça se manifestou nos seguintes termos:

Fato é que mesmo possuindo capacidade profissional para o desempenho de novas atribuições relacionadas à área da gestão financeira, ao se tornarem Auditores Estaduais de Finanças Públicas, os servidores passaram a exercer funções diversas das atribuídas aos seus cargos originários, nos quais foram investidos por meio de concurso público. Se a Administração Pública não vê interesse na manutenção dessas duas carreiras separadas (Contador da Fazenda Estadual e Analista Financeiro do Tesouro Estadual), não pode buscar resolver o problema da forma como o fez, conferindo novas atribuições, mais complexas e de maior responsabilidade, aos seus servidores públicos. Soma-se a isso o fato de que há diferença entre as remunerações dos antigos cargos de Contador e Analista quando comparados com o novo cargo de Auditor Estadual de Finanças Públicas - aumento remuneratório que claramente decorre da maior complexidade da nova função. Embora a lei tenha mantido iguais os vencimento-bases dos três cargos (Contador, Analista e Auditor), ela conferiu aos ocupantes do novo cargo "Adicional de Atividade de Finanças Públicas" (artigo 4º da Lei Complementar n. 785/2021), representando acréscimo de remuneração que não existia antes da transposição dos cargos. Esse aumento de vencimentos viola o requisito da "equivalência das remunerações", fixado pelo Supremo Tribunal Federal, para enquadramento da transformação dos cargos em mera reestruturação administrativa.

Por tais fundamentos, pronunciou-se pela

procedência do pedido a fim de declarar inconstitucionais o artigo 2º, caput, incisos I e II, e §§ 1º a 4º; o artigo 5º, caput, §§ 1º e 2º; e o artigo 14, incisos I a VII, da Lei Complementar Estadual n. 785, de 27 de dezembro de 2021, que revogam a Lei Complementar n. 687, de 21 de dezembro de 2016, na parte relativa aos cargos de Contador da Fazenda Estadual e de Analista Financeiro do Tesouro Estadual, para transformá-los no cargo de Auditor Estadual de Finanças Públicas, em afronta ao artigo 21, inciso I, da Constituição Catarinense, que reprisa o artigo 37, inciso II, da Constituição da República.

É o relatório necessário.

VOTO

De início, nega-se admissão às postuladas participações de amicus curiae. Explica-se.

Quanto ao ingresso como amicus curiae, o Supremo Tribunal Federal já decidiu: "A interação dialogal entre o STF e pessoas naturais ou jurídicas, órgãos ou entidades especializadas, que se apresentem como amigos da Corte, tem um potencial epistêmico de apresentar diferentes pontos de vista, interesses, aspectos e elementos nem sempre alcançados, vistos ou ouvidos pelo Tribunal diretamente da controvérsia entre as partes em sentido formal, possibilitando, assim, decisões melhores e também mais legítimas do ponto de vista do Estado Democrático de Direito." - ADI 4858 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, j. 24-03-2017.

Aliado a isso, os arts. 7º, §2º, da Lei 9.868/1999 e 138 do Código de Processo Civil, estabelecem os critérios para admissão de entidades como amicus curiae, dos quais se destacam a relevância da matéria, especificidade do tema ou repercussão social da controvérsia, assim como a representatividade adequada do pretendente.

In casu, todavia, como se irá verificar ao longo da presente fundamentação, trata-se de tema já objeto de súmula do Supremo Tribunal Federal, além de assunto pacificado na jurisprudência da corte guardiã da Constituição Federal.

Não há, pois, discussões jurídicas aptas a jusitificar maior representatividade ou delongos debates, caracterizando-se necessário tão somente a equiparação do caso em concreto às diretrizes da jurisprudência - até porque esta é a essência das súmulas e precedentes de repercussão geral.

Feita a ressalva, adentra-se ao mérito.

Transcreve-se o teor do artigo 12 da Lei Estadual n. 12.069 de 27-12-2001:

Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Procurador-Geral do Estado ou do Município, conforme o caso, e do Procurador-Geral de Justiça, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

Dito isso, em razão da relevância e aliada esta à existência de pronunciamento da Suprema Corte sobre a questão (in)constitucional, entende-se economico, célere e eficaz o julgamento definitivo da presente ação.

Pois bem.

Versa a questão constitucional quanto à Lei Complementar Estadual n. 785, de 27 de dezembro de 2021, que "cria o cargo...

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